A Vida Espiritual explicada e comentada
Adolph Tanquerey
A inveja é, ao mesmo tempo, paixão e
vício capital. Como paixão, é uma espécie de tristeza profunda que se experimenta
na sensibilidade à vista do bem que se observa nos outros; esta impressão é
acompanhada duma constrição do coração que lhe diminui a atividade e produz
um sentimento de angústia.
Aqui ocupamo-nos, sobretudo da
inveja, enquanto vício capital, e exporemos:
1.° a sua natureza;
2.° a sua malícia;
3.° os seus remédios.
1.° Natureza.
A) A inveja é uma tendência a
entristecer-se do bem de outrem, como se fosse um golpe vibrado à nossa
superioridade. Muitas vezes é acompanhada do desejo de ver o próximo privado do
bem que nos faz sombra.
Nasce, pois, do orgulho este vício,
que não pode tolerar superiores nem rivais. Quando um está convencido da
própria superioridade, entristece-se, ao ver que outros são tão bem ou melhor
dotados que ele, ou que ao menos alcançam maiores triunfos. Objeto da inveja
são sobretudo as qualidades brilhantes; contudo em homens sérios também o podem
ser as qualidades sólidas e até a virtude.
Manifesta-se este defeito pela mágoa
que um sente, ao ouvir louvar os outros; e então procura-se atenuar esses
elogios, criticando os que são louvados.
B) Muitas vezes confunde-se a inveja
com o ciúme; quando se distinguem, define-se este como um amor excessivo do seu
próprio bem, acompanhado do temor de que nos seja arrebatado por outros. Este
era, por exemplo, o primeiro do seu curso; notando os progressos dum condiscípulo,
começa a ter-lhe ciúme, porque receia que ele lhe leve o primeiro lugar.
Aquele possui a afeição dum amigo: começando a temer que ela lhe seja disputada
por um rival, entra a ter ciúmes. Aquele outro tem uma numerosa clientela, e
entra a recear que ela diminua por causa dum concorrente. Daí aquele ciúme que
por vezes grassa entre profissionais artistas, literatos, e às vezes até
sacerdotes. - Numa palavra, tem-se inveja do bem de outrem e ciúme do seu
próprio bem.
C) Há diferença entre a inveja e a
emulação: esta é um sentimento louvável que nos leva a imitar, igualar, e, se
possível for, a sobrepujar as qualidades dos outros, mas por meios leais.
2.° Malícia. Pode-se estudar esta
malícia em si e nos seus efeitos.
A) Em si, é a inveja pecado mortal,
de sua natureza, porque é diretamente oposto à virtude da caridade, que exige
nos regozijemos do bem dos outros. Quanto mais importante é o bem que se
inveja, tanto mais grave é o pecado; e assim diz, Santo Tomás, ter inveja dos
bens espirituais do próximo, entristecer-se dos seus progressos ou dos seus
triunfos apostólicos é gravíssimo pecado. É visto verdade, quando estes
movimentos de inveja são plenamente consentidos; muitas vezes, porém, não
passam de impressões, ou sentimentos irrefletidos, ou ao menos pouco
refletidos e voluntários: neste último caso, não passa de venial a falta.
B) Nos seus efeitos, é a inveja
muitas vezes sobremaneira culpável:
a) Excita sentimentos de ódio: corre-se
risco de odiar aqueles de que se tem inveja ou ciúme, e, por conseqüência, de
falar mal deles, de os desacreditar, caluniar, ou de lhes desejar mal.
b) Tende a semear divisões, não
somente entre estranhos, mas até no seio das famílias (recorde-se a história de
José), ou entre famílias aliadas; e estas divisões podem ir muito longe e criar
inimizades e escândalos. É ela que por vezes divide os católicos duma região,
com grandíssimo detrimento do bem da Igreja.
c) Impele à conquista imoderada das
riquezas e das honras: para sobrepujar aqueles a quem tem inveja, entrega-se o
invejoso a excessos de trabalho, a manobras mais ou menos leais, em que se
encontra comprometida a honradez.
d) Perturba a alma do invejoso: não
há paz nem sossego, enquanto se não consegue eclipsar, dominar os próprios
rivais; e, como é muito raro que se chegue a alcançá-los, vive-se em perpétuas
angústias.
3.º Remédios. São negativos ou
positivos.
A) Os meios negativos consistem:
a) em desprezar os primeiros
sentimentos de inveja ou ciúme que se levantam no coração, em os esmagar como
coisa ignóbil, à maneira de quem esmaga um réptil venenoso;
b) em divertir o pensamento para
outra coisa qualquer; e, depois de restabelecido o sossego, refletir então que
as qualidades do próximo não diminuem as nossas, antes nos são incentivo para
as imitarmos.
B) Entre os meios positivos, dois há
mais importantes:
a) O primeiro tira-se da nossa
incorporação em Cristo: em virtude deste dogma, somos todos irmãos, todos
membros do corpo místico que tem a Jesus por cabeça, e tanto as qualidades como
os triunfos dum desses membros redundam sobre os demais; em vez, pois, de nos entristecermos,
devemos antes regozijar-nos da superioridade dos nossos irmãos, segundo a bela
doutrina de São Paulo, já que ele contribui para o bem comum e até mesmo para o
nosso bem particular. Se são as virtudes dos outros que invejamos, «em lugar
de lhes termos inveja e ciúme por essas virtudes, o que muitas vezes sucede por
sugestão do diabo e do amor próprio, devemos unir-nos ao Espírito Santo de
Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento, honraram nele o manancial destas
virtudes e pedindo-lhe a graça de participar e comungar nelas; e vereis esta
prática vos será útil e vantajosa».
b) O segundo meio é cultivar a emulação,
esse sentimento louvável e cristão, que nos leva a imitar e sobrepujar até,
apoiando-nos na graça de Deus, as virtudes do próximo.
Para ser boa e se distinguir da inveja,
deve ser a emulação cristã:
1) honesta no seu objeto, isto é,
ter por objeto não os triunfos, senão as virtudes dos outros, para as imitar;
2) nobre na sua intenção, não
procurando triunfar dos outros, humilhá-los, dominá-los, senão tornar-se melhor,
se é possível, para que Deus seja mais honrado e a Igreja mais respeitada;
3) leal nos seus meios de ação,
utilizando, para chegar os seus fins, não a intriga, a astúcia, ou qualquer
outro processo ilícito, senão o esforço, o trabalho, o bom uso dos dons
divinos.
Assim entendida, é a emulação
remédio eficaz contra a inveja, porque não fere em nada a caridade e é, ao
mesmo tempo, um excelente estímulo. E na verdade, considerar como modelos os
melhores dentre os nossos irmãos para os imitar, ou até mesmo para os
sobrepujar, é, afinal, reconhecer a nossa imperfeição e querer dar-lhe remédio,
aproveitando os exemplos dos que nos rodeiam. Não é, na realidade, aproximar-se
do que fazia São Paulo, quando convidava os seus discípulos a ser seus
imitadores como ele o era de Cristo: «Imitatores mei estote sicut et ego
Christi», e seguir os conselhos que dava aos cristãos de se considerarem
mutuamente, para excitarem à caridade e às boas obras: «consideremus invicem in
provocationem caritatis et bonorum operum?». E não é isto entrar no espírito da
Igreja, que, propondo os Santos à nossa imitação, nos provoca a uma nobre e
santa emulação? - Assim não será para nós a inveja senão uma ocasião de
praticar a virtude.