(Jesus Cristo falando ao coração do Sacerdote, ou meditações eclesiásticas para todos os dias do mês, escritas em italiano pelo Missionário e doutor Bartholomeu do Monte traduzidas pelo Pe. Francisco José Duarte de Macedo, ano de 1910)
I. — Filho, tu ensinas aos outros
que, por maiores que sejam as penas que podem padecer-se nesta vida, são pouco
ou nada em comparação daquele fogo eterno.
Ah! infeliz de ti! Aquele fogo,
aceso pela Minha onipotente justiça, constituído conhecedor discreto da maior
gravidade das tuas culpas, será muito mais cruciante e feroz contra ti, que
contra os outros precítos!
Eu te admoestei que não temesses o ferro
nem a morte; mas sim que temesses aquele que podia arrojar-te, em corpo e alma,
àquelas chamas [1].
E tu, que receias incomodar-te um pouco
para vencer aquela preguiça e aquele ócio, para abandonar aqueles vergonhosos
prazeres; tu, que agora não podes sofrer por breve tempo uma leve dor, um
pequeno estudo, um retiro, a observância dos deveres, como poderás sofrer o
abrasamento de um fogo tão atroz, e o arder em chamas sempiternas?
Eia, filho, inflama-te, abrasa-te em
santo zelo pela salvação da tua alma e da do próximo, para que não venhas a ser
abrasado naquele fogo indelével.
II. — Ah! se conheceras a grandeza
dos bens celestes, filho, compreenderias quão grande pena é ser privado deles para
sempre! Sabe que o ser eternamente privado da Minha vista é pena
incomparavelmente maior que a do fogo devorador; é pena infinita, porque priva
dum bem infinito; é pena tão grande, quão grande Eu sou.
Tu, pois, que tiveste poder de
chamar do Céu à terra o teu Deus, ficarás privado, d’Ele?! Tu, que todos os
dias Me tiveste e tocaste com tuas mãos, serás separado de Mim para sempre? Tu,
que tantas vezes Me ofereceste a Meu eterno Pai, participaste do sacramento do Meu
amor, quererás aborrecer-Me e ser de Mim aborrecido por uma eternidade?
Entrarão no Céu tantos eleitos,
justificados por ti com o Meu sangue, e santificados com o Meu corpo, que tu
lhes ministraste, e tu serás como a água do Batismo que, purificando os
batizados e enviando-os ao Céu, vai confundir-se e perder-se na terra?[2]
Tu, destinado a bendizer-Me eternamente;
tu, que abençoas o povo em Meu nome, terás de vomitar contra Mim horrendas
blasfêmias, e terás de ser de Mim maldito para sempre? Tu, que provaste o Meu cálice
de salvação, quererás beber até às fezes o cálice da Minha ira?
E eu, que tanto Me comprazi em cumular-te
de benefícios e exaltar-te, terei também de comprazer-Me em ser tua tremenda, total
e eterna ruína?
III. — Sacerdote, se desgraçadamente
te condenas, quanto mais raivosa será a tua desesperação que a dos leigos!
Então dirás: — Tive ciência de
Sacerdote, recebi mais luzes que os leigos, para conhecer os meus deveres; fui
exaltado a uma dignidade divina, que me impunha maiores obrigações, e, para as
cumprir, também recebi maior abundância de graças e meios: mas eis que esta
ciência, estas luzes, estas graças, esta mesma dignidade me ocasionaram um
inferno, e um inferno muito mais cruel, muito mais horroroso que o dos leigos!
Eu pois, condenado aos mais duros
suplícios, terei de sofrer os insultos daqueles mesmos demônios, a quem outrora
fui tão terrível? terei de sofrer aqueles infiéis, aqueles leigos, que
receberam menos auxílios e graças que eu, e por isso mesmo deverei eu ser mais
atormentado que eles?
Ai de ti, filho, se chegas ao triste
lance de se levantarem contra ti teus criados, teus amigos, teus parentes, teus
penitentes, teus fregueses, e ainda uma só alma condenada, e condenada por tua
culpa! Ai de ti, se tiveres de chorar o teres sido Sacerdote ou beneficiado, e
houveres de desejar nunca ter nascido!
Se te não vence o Meu amor, filho,
vença-te, ao menos, o temor daqueles tormentos. Eia, tem ao menos piedade de
ti! Comprazes-Me, voltando o teu coração para o caminho da santidade.
Fruto.—Desce muitas vezes vivo ao
Inferno, para não descer a ele para sempre depois de morto. S. João Crisóstomo tinha-o
sempre em pintura diante dos olhos. Lembra-te que aquele servo inútil do
Evangelho (ainda que se não diz que fosse sacerdote), só por não ter negociado
com o talento, foi condenado às trevas exteriores.
Exige muito a grande, imensa,
infinita dignidade do teu sacerdócio; e, se te condenares, serão tanto mais
intensas as tuas penas, quanto maior era a honra que te tinha sido conferida.
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[1] ... Ne terreamini ab his, qui occidunt corpus, et post hæc non habent amplius quid faciant. Ostendam autem vobis quem timeatis; timete eum, qui, postquam occiderit, habet potestatera mittere in gehennam: ita dico vobis, hunc timete. (Luc., XII, 4-5.)
[2] Per nos quidem fideles ad regnum Dei pertingunt; et ecce nos per negligentiam nostram deorsum tendimus. Ingrediuntur electi sacerdotum manibus expiati, cœlestem patriam, et sacerdotes ipsi per vitam reprobam ad inferni supplicia festinant. Cui ergo rei, cui similes dixerim sacerdotes malos, nisi aquae baptismatis, quae baptizatorum peccata diluens, illos ad regnum coeleste mittit, et ipsa postea in cloacas descendit? Timeamus haec, fratres... (Greg., Hom. 17.)