A bem-aventurada Aletha teve sete
filhos que foram todos santos. O mais velho de seus filhos se chamava Guido e a
este se seguiam Gerardo, Bernardo, André, Bartholomeu, Nivardo e uma filha
chamada Umbelina. Os contemporâneos que pessoalmente conheceram esta
nobre família são unânimes em prestar grandes tributos de veneração a cada um
de seus membros.
Eis o que diz um
piedoso cronista do século XII, abade de Saint-Thierry.
“O filho mais velho de Aletha tinha um caráter grave e justo. Amado de
Deus e cheio de modéstia, era dotado de uma notável inteligência que brilhava
em todos os seus atos como em todas as suas palavras. Gerardo, o segundo filho,
gozava da estima geral; tinha costumes simples e castos e uma rara prudência
junto a uma não menos rara penetração de espírito. Bernardo, o terceiro, farol
e modelo de seus irmãos, tornou-se uma forte coluna da Igreja. André, o quarto,
tinha uma alma ingênua e terna, temente a Deus e infensa ao mal. Bartholomeu,
na flor da idade, em saber e prudência avantajava os velhos e possuía todas as
qualidades de uma vida sem mácula. Nivardo, o mais moço, preferiu os bens do
céu às riquezas da terra. Umbelina, nascida em último lugar, soube fugir às
atrações da vaidade mundana e chegou a ombrear em virtudes com os seus irmãos”.
A digna mãe dessa
grande família de santos pode a todos os respeitos ser oferecida como um tipo
das mães cristãs. É verdade que ela teve a vantagem inapreciável de viver em
uma época em que as famílias reproduziam, tanto quanto era possível, a imagem
da santa casa de Nazaré.
A Igreja com a sua
divina inteligência, regulava a vida privada do mesmo modo que a vida publica,
fixava os princípio, da educação e intervinha nas relações civis para as
nobilitar e consagrar; de sorte que tudo concorria para fomentar a fé,
fortalecer a virtude, exaltar os corações e incitar o amor dos grandes
cometimentos.
O papel da mulher,
nessa obra de civilização cristã, era verdadeiramente belo. A religião
determinava todos os seus deveres; e dignificava-os. A mãe não julgava
terminada a sua tarefa depois de ter provido a todas as coisas da vida
temporal: as suas vistas se erguiam mais alto e a sua ação se estendia mais
longe. Mãe cristã, ela iniciava na vida da graça aqueles a quem tinha dado a vida
material, e a sua felicidade, como a sua glória, consistia em os ver progredir
na virtude ao mesmo tempo que cresciam em idade.
“A mãe de S. Bernardo
— diz um santo bispo — tomava os seus filhos nos braços, logo após o
nascimento, para os oferecer a Jesus Cristo; e amava-os desde então com
respeito, como si fossem um depósito santo que Deus lhe houvesse confiado. E
disto resultou tornarem-se santos os sete filhos que teve.
Felizes os
filhos que se desenvolvem sob esta influencia cristã e maternal! Aletha havia
desposado, muito jovem ainda o nobre Teulino, senhor de Fontaines, perto de
Dijon. Ela tinha quinze anos apenas e já a sua alma, inspirada pela graça,
visava um outro destino. Mas a Providência destinara-a a ser esposa e mãe e
propagar em sua numerosa família as bênçãos que a enchiam. O seu mais ardente
desejo foi transmitir ao coração de seus filhos a vocação religiosa que ela
havia apreciado tanto em seus primeiros anos. Unida profundamente a Jesus
Cristo, fonte de todo o amor, ela comunicava a seus filhos, com o leite
maternal, uma virtude toda celeste ; formou-os para o céu bem mais do que para
a vida deste mundo e ensinou-lhes, desde a mais tenra idade, a discernir o bem
e o mal, a preferir o melhor e a amar acima de tudo o Pai das misericórdias e
das eternas consolações. Esta piedosa mãe era como um anel sagrado que ligava
seus filhos a Deus, prendendo-os à Igreja e fixando-os na vida de salvação
eterna. Ensinava-lhes a amar, a rezar e a esperar, inspirando-lhes o temor de
Deus, a confiança e o reconhecimento, o horror do mal e o desejo da virtude e
da santidade. Aletha havia estabelecido no interior da sua casa a ordem
perfeita e a disciplina prescrita pelas santas leis da Igreja. Eu não posso
esquecer, diz o já citado biógrafo, quanto se esforçava esta distinta mulher
por servir de exemplo e modelo a seus filhos. Dentro ou fora da sua casa, ela
imitava de algum modo a vida religiosa pelas suas abstinências, pela
simplicidade do seu vestuário e pelo seu afastamento dos prazeres e das
vaidades do século. Furtava-se o quanto possível às agitações exteriores,
observando os jejuns e as vigílias, perseverando na oração e resgatando por
obras de caridade o que podia faltar à perfeição de uma pessoa ligada à
sociedade por diferentes laços.
Compreendem-se as
impressões profundas que estes exemplos edificantes deviam ter gravado nas
jovens almas que diariamente os testemunhavam. A fidelidade que os pais guardam
à autoridade da Igreja é para os filhos o melhor meio de consagrar a fidelidade
a todos os outros deveres.
Aletha amava os seus com uma ternura
desinteressada, sem nada ter desse egoísmo natural que procura nisto a sua
própria satisfação e, cultivando as ricas faculdades de seus filhos, evitava
provocar-lhes à superfície do espírito certa florescência precoce e brilhante
que lisonjeia a vaidade, mas que não produz nenhum fruto. A historia refere que
ela os habituava a uma prática generosa de renunciação e de sacrifício; que
procurava ensinar-lhes a mais útil de todas as ciências, a de sofrer com calma
e dignidade; e que se aplicava sobretudo a fazer reinar entre eles, por um
constante exercício de caridade fraternal, uma santa harmonia de gostos, de
costumes, de ideias e de simpatias.
A austeridade desta
educação cristã, temperada por tudo o que há de afetuoso e de suave no coração
de uma mãe, desenvolveu as qualidades doces e vigorosas que se admiram em
Bernardo e em seus Irmãos. Cada um deles manifestou as mais solidas aptidões e
as mais nobres faculdades. Mas, entre as virtudes destes filhos abençoados, a
piedade filial reluziu sempre como um diamante no meio das mais ricas
pedrarias.
S. Bernardo, ainda
mais que seus irmãos, prezava sua mãe e se deleitava com a unção religiosa do
coração maternal. Bem jovem ainda, ele imitava em segredo as boas obras de sua
mãe, apiedava-se dos pobres e dos aflitos, era serviçal para os irmãos e
condescendente, obsequioso para todos e, pelos seus progressos de cada dia, na
carreira da virtude, preludiava a santidade que mais tarde lhe encheu a vida de
celestial magnificência.
Um outro
contemporâneo faz ver o quanto a venerável matrona era solicita em acudir a
toda a espécie de infortúnios Aletha não se limitou a acolher os pobres com
bondade; visitava-os nas choupanas, pois neste ofício de caridade gostava de
fazer tudo por si mesma e servia os enfermos nos hospitais, distribuindo a uns
e a outros remédios e vestidos e oferecendo a todos os perfumes das consolações
evangélicas. Si fossemos a narrar tudo o q ela fazia — acrescenta o biógrafo —
talvez não acreditassem (1).
Progredindo, dia a
dia, de virtude em virtude, ela estava completamente preparada à sua última
hora. Bernardo tinha vinte anos somente, quando Deus a levou. Foi um golpe
terrível para o seu jovem coração, porque, nesta quadra da vida, a piedade
filial está como que em plena florescência. O filho, nos seus primeiros anos,
ama a sua mãe sem avaliar o preço de uma mãe; ama-a infantilmente, quase que
por instinto apenas. Mas na mocidade já ele sabe apreciar a mãe, e à sua
extrema ternura se junta uma estima, uma confiança, um respeito que nenhuma
frase poderia exprimir. A morte da venerável Aletha foi rodeada de
circunstâncias tão tocantes que as não devemos omitir aqui. Por isso vamos
deixar falar um santo monge que assistiu a esta comovente cena e que com toda a
singeleza a conta:
“A mãe
venerabilíssima do abade de Claraval costumava celebrar todos os anos
magnificamente a festa de Santo Ambrósio, padroeiro da igreja de Fontaines, com
um banquete solene para o qual todo o clero era convidado. Deus, querendo
recompensar a particular devoção desta santa mulher pelo glorioso Ambrósio,
fez-lhe conhecer por meio de uma revelação misteriosa que ela havia de morrer
no mesmo dia da festa. Certamente que não é para espantar que uma tão digna
cristã fosse dotada do espírito de profecia. Aletha disse então tranquilamente
e com segurança a seu esposo, a seus filhos e a toda a sua família reunida que
o momento da sua morte era próxima.
“Todos, estremecendo
embora, recusaram crer o sombrio anúncio, mas não tardou que a realização deste
dolorosamente os alarmasse. Na véspera de Santo Ambrósio, Aletha foi atacada de
uma febre violenta. No dia seguinte, que era o da festa, pediu humildemente que
lhe trouxessem o Sagrado Corpo de Jesus Cristo e depois de receber o Santíssimo
Viático e a Extrema Unção, sentindo-se confortada, instou para que os
eclesiásticos convidados não faltassem ao festim. Quando eles se achavam à
mesa, Aletha mandou chamar Guido, seu filho mais velho, e recomendou-lhe
que fizesse entrar no quarto, depois do banquete, todos os membros do clero que
ali estavam. Guido executou fielmente o que a sua piedosa mãe lhe havia
ordenado.
"Estávamos todos reunidos em torno
do seu leito, quando a serva de Deus nos declarou com ar sereno que era chegado
o seu último momento. Ajoelhamo-nos logo todos a rezar a ladainha que Aletha ia
também entoando enquanto tinha voz. Mas no instante em que o coro pronunciou
esta frase: “Per passionem et crucem tuarn, libera eam, Domine”, a
agonizante, recomendando-se ao Senhor, ergueu a débil mão para fazer o sinal da
cruz e, parando nesta atitude, rendeu a sua santa alma que os anjos receberam e
levaram para a mansão dos justos. É ai que ela espera, na paz de Deus, o
despertar do seu corpo no grande dia da ressurreição, quando o supremo Juiz
vier julgar os vivos e os mortos e o século pelo fogo.
“Foi assim que esta
alma santificada deixou o santo templo do seu corpo; a mão direita permaneceu
erguida na mesma posição em que estava quando ela fez o seu último sinal da
cruz, o que impressionou muito a todas as pessoas presentes.
“A feliz
transmigração desta mulher cristã foi objeto de jubilo entre os anjos do céu;
mas cá na terra este acontecimento mergulhou na desolação os pobres de Jesus
Cristo, as viúvas e um grande número de órfãos que ela protegia” (2).
Esta narração singela
e tocante indica só por si a perfeita delicadeza do gênio desses séculos de
ardente fé.
Sobre a lápide
funerária da cripta de São Benigno, onde foram depositados os restos da
Bem-aventurada Aletha. um piedoso escultor gravou o retrato de cada um de seus
filhos. Mãe nenhuma teve jamais um epitáfio tão eloquente como este da mãe de
São Bernardo.
A morte não termina,
porém, a missão augusta de uma mãe piedosa. Esta missão se perpetua, debaixo de
outra forma, no mundo angélico.
Na vida do grande S.
Bernardo nós encontramos irrecusáveis provas das relações que subsistiram além
do túmulo, entre a bem-aventurada Aletha e seus filhos.
Ela apareceu
visivelmente a S. Bernardo, segundo o testemunho de um doutor contemporâneo,
dizendo-lhe: “Acaba, meu filho, com coragem, o que começaste a fazer: eu te
espero na glória divina".
Uma aparição
semelhante a esta determinou a vocação do jovem André, irmão daquele santo.
Em um momento em que
ele resistia mais obstinadamente às impulsões da graça, exclamou de súbito:Vidi
Matrem! “Vi minha mãe!” E, imediatamente, se lançou comovido aos pés do
irmão, consagrando-se desde então para sempre ao serviço de Jesus Cristo (3).
Ó meu divino Salvador! suscita, eu
vos conjuro, as mães verdadeiramente cristãs, afim de que os santos apareçam de
novo entre nós e a piedade torne a florescer como nos bons tempos de outrora,
para consolação da Vossa Igreja.
__________
1) Guill. Vl 1º, cap 2º.
2) Joan Ermita, p. 130. Ed. Mabel.
3) Giull. de Santa Thierry, cap.II