A Igreja e seus mandamentos
por
Monsenhor Henrique Magalhães
Editora Vozes, 1946
DIFICULDADES
18 de Junho de 1940
Estou estudando o Sacramento da
Eucaristia.
Assunto de hoje: A presença real e as
palavras da instituição. Dificuldades.
Como preâmbulo, lembremo-nos do que disse Jesus aos que O
acompanhavam, depois da multiplicação dos pães e peixes no deserto. “Eu sou o pão da vida; o que
vem a mim, jamais terá fome; o
que crê em mim, jamais terá sede”. —
Nesta primeira parte do Seu discurso, Jesus Se refere evidentemente à salvação
pela fé. Os que d’Ele se aproximaram, ouvindo os Seus ensinamentos, já estão no
bom caminho. Segunda vez, porém, afirma : “Eu sou o pão da vida... ” e logo adiante: “Eu sou o pão vivo que
desci do céu... Quem comer este pão viverá eternamente... O pão que eu hei de dar é a minha
carne!. .. O que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu
o ressuscitarei no último dia, porque a minha carne é verdadeiramente comida e
o meu sangue é verdadeiramente bebida...”
Não pode haver a menor dúvida sobre a intenção de Jesus. Ele fala
claramente de um pão que é a Sua carne e que será dado como alimento. É o que lemos no Capítulo 6 do Evangelho de São João.
Na véspera de Sua
Paixão, à mesa da Ceia, no Cenáculo de Jerusalém, Jesus toma o pão, abençoa-o, parte-o, dá-o a Seus
discípulos, dizendo: “Tomai e comei. Isto é o meu corpo”. — Faz o mesmo com o
cálice que contém vinho, dizendo: “Bebei todos deste cálice, porque este é o
meu Sangue”.
Quem crê no poder de Jesus Cristo Deus e homem verdadeiro, não
pode rejeitar a presença real. Os Evangelhos e o ensinamento de São Paulo são
demasiadamente claros, para que se admita a menor dúvida.
O sentido literal destas palavras é preciso, nítido, verdadeiro. O
sentido metafórico é confuso, porque é absurdo.
Jesus prometeu alimentar as almas com um alimento sobrenatural,
que as conservaria para a vida eterna. Prometeu e cumpriu Sua promessa. São
dois períodos históricos, com cerca de um ano de diferença, que estão em
impressionante acordo. Nenhum valor tem a opinião dos que pensam que o divino
Mestre quis dizer que o pão e o vinho eram a figura do Seu corpo e Sangue, representando-os
simbolicamente. Nesse caso, qual a significação daquelas palavras já citadas:
“O meu corpo é verdadeiramente comida, o meu sangue é verdadeiramente
bebida?” — Para quem aceita a Bíblia Sagrada como norma de fé, como a autêntica
palavra de Deus — Jesus Cristo está realmente presente na
Sagrada Eucaristia.
Para muitos é difícil
crer na
presença real. Há contradição nos termos, dizem. Como podemos crer contra o que nos atestam os sentidos? Vemos, provamos, tocamos —
pão e vinho — e devemos crer no corpo e sangue de Jesus?
A filosofia
verdadeira distingue a substância dos acidentes. Nos seres os sentidos percebem
os acidentes e não a substância. Logo se a Religião nos propõe a crença na
Eucaristia, segundo a palavra de Jesus, e diz que, permanecendo os acidentes,
a substância não é mais — pão e vinho — mas o corpo, sangue, alma e divindade
de Jesus, a Religião não nos propõe um absurdo. E, como diz Santo Tomás, a fé
supre a deficiência dos sentidos. Demais: Jesus disse. Ele é Deus. Sendo Deus,
é onipotente. Sendo onipotente, opera a transubstanciação do pão e do vinho em Seu
corpo, sangue, alma e divindade, para ficar perenemente conosco, de acordo com
os desejos do Seu amor!