A Igreja e seus mandamentos
por
Monsenhor Henrique Magalhães
Editora Vozes, 1946
A
MISSA NO PASSADO E NO PRESENTE
5
de Julho de 1940
A missa é, pois, o sacrifício da Nova
Lei, no qual Jesus Cristo é oferecido e incruentamente imolado, sob as espécies
de pão e de vinho, pelo homem ministro,
em favor da Igreja, para reconhecer o supremo domínio de Deus, e para nos
serem aplicadas as satisfações e os
méritos de Sua Paixão. Esta definição é moldada na doutrina do Concílio de
Trento. O mesmo Concílio fulmina com anátema quem disser que na Missa não se
oferece a Deus um sacrifício verdadeiro.[1]
A palavra “missa” quer dizer —
despedida, licença ou ordem de sair. Vemos em Santo Agostinho[2]
esta frase: “Depois do sermão, dá-se a missa aos catecúmenos, ficando os
fiéis”. Disto é vestígio a palavra que ouvimos quase ao terminar o Santo
Sacrifício: “Ite, Missa est”, ide, podeis retirar-vos. Esta expressão, que se
empregava duas vezes — ao terminarem as cerimônias a que os catecúmenos
assistiam e no fim do Sacrifício a que estavam presentes os fiéis, esta
expressão “missa”, do século IV em diante, começou a designar o próprio
sacrifício incruento.[3]
A primeira Missa foi celebrada por
Nosso Senhor Jesus Cristo. Eis o rito que Ele observou: Tomou o pão, deu
graças, partiu-o e o deu aos discípulos dizendo: Isto é o meu corpo que será
entregue por vós; fazei isto em memória de mim. Do mesmo modo, depois da Ceia,
tomou o cálice e disse: Este cálice é o novo testamento em meu sangue que será
derramado por vós. Em seguida recitaram o hino e saíram para o monte das Oliveiras
(Lc 22, 19-20; Mt 26, 26-30). — Eis o cerimonial da primeira Missa: O Salmo da
ação de graças, as duas consagrações e a comunhão sob as duas espécies, e o
hino final que encerrou a solenidade memorável. Estavam ao mesmo tempo
consagrados os primeiros sacerdotes, por aquelas palavras divinas: Fazei isto
em memória de mim. Como os neo-sacerdotes se desempenharam de tão maravilhoso
encargo, não nos sabem dizer os historiadores. A este respeito, lemos no Curso
de Liturgia do Pe. J. B. Reus S. J., n.° 45: “Os apóstolos contentaram-se a
princípio com os poucos ritos divinos e acompanharam-nos com as orações e
algumas cerimônias que conheciam do templo. O próprio Salvador tinha empregado
antigos e novos ritos; pois realizou a primeira consagração eucarística com o
rito da páscoa antiga. Esta ordem conservou-se nas duas partes da Missa: a
Missa dos catecúmenos e a dos fiéis. Na primeira havia orações e leituras da
Sagrada Escritura e na segunda a consagração. Esta divisão se encontra desde o
princípio do cristianismo”.
Em o número 47 da mesma obra, lemos:
“Foi sempre tradição da Igreja que na liturgia há partes instituídas pelos
apóstolos. São Basílio (século IV) diz que os ritos litúrgicos usados por toda
parte e cujo autor é desconhecido, dimanam da autoridade dos apóstolos.
Portanto, a leitura da Escritura Sagrada, o Sursum corda e as outras saudações
e respostas antes do prefácio, e o cânon, foram introduzidos por eles.”
A primeira notícia certa sobre a
liturgia da Missa vem de São Justino (século II) que enumera as seguintes
partes: 1 — Leitura do Antigo e Novo Testamento; 2 — Homília do celebrante; 3— Oração
dos fiéis; 4 — O ósculo da paz; 5 — Preparação do pão e do vinho; 6 — oração eucarística
correspondente ao prefácio, ao cânon e à consagração; 7 — Amém do povo; 8 — Comunhão
do povo.
Com o correr dos anos, os Bispos,
conformando-se com os costumes do seu rebanho, foram introduzindo novas
cerimônias na celebração da Missa, evitando sempre tudo quanto fosse contrário
à doutrina cristã, — ou que tivesse ligação com o paganismo. E assim se
formaram liturgias próprias de lugares e regiões, tanto no oriente como no
ocidente. No ano 633 o Concílio de Toledo reservou, no cânon 12, o direito litúrgico
aos concílios provinciais. Deixemos as liturgias orientais, que se dividem em
dois grandes grupos — liturgia de Jerusalém e liturgia de Alexandria, e vejamos
a nossa liturgia do ocidente. Do século VII em diante a liturgia da Missa
poucas modificações tem sofrido. Ao Concílio de Trento foram dirigidos
pedidos no sentido de reformar a liturgia e reduzi-la à unidade. Em consequência
disso, o Papa Pio V fez publicar o novo breviário (1568) e o novo missal (1570)
para a Igreja. Sisto V (1588) instituiu a Congregação dos Ritos. E assim se
estabeleceu a unidade litúrgica na Igreja Romana, aperfeiçoada ainda pela
reforma de Pio X.
Em nossos dias o supremo direito de
legislar sobre a liturgia pertence ao Sumo Pontífice. É o que vemos no cân.
1257 do Direito Canônico: “Unicamente à Sé Apostólica compete ordenar a sacra
liturgia e aprovar os livros litúrgicos”.
[1]- Sessão XXII, cap. 9.º, cân. 1.º.
[2]- Sermão 49, n.º 8.
[3]- Apud Tanquered, o. c., “De
Sacrificio Missae” n.º 723 (Ed 24).