A Vida Espiritual explicada e comentada
Adolph Tanquerey
1. ° Natureza. Assim como quis Deus que andasse anexo um prazer sensível
ao alimento, para ajudar o homem a conservar a vida, assim ligou um prazer especial
aos atos pelos quais se propaga a espécie humana.
Este prazer é, conseguintemente,
permitido às pessoas casadas, contanto que usem dele para o nobilíssimo fim
para que foi instituído o matrimônio, a transmissão da vida; fora do
matrimônio, é rigorosamente interdito esse prazer. A despeito dessa proibição,
há infelizmente em nós, a partir sobretudo dos anos da puberdade ou da
adolescência, uma tendência mais menos violenta a experimentar esse prazer, até
mesmo fora do matrimônio legítimo. É esta tendência desordenada que se chama
luxúria, e é condenada em dois preceitos do Decálogo: 6.° Guardar castidade nas
palavras e nas obras, 9.° Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos.
Não são, pois, somente proibidos os
atos externos, senão também os atos internos consentidos, imaginações,
pensamentos, desejos.
E com toda a razão: porque, se
alguém se demora, de propósito deliberado, em imagens, em pensamentos desonestos,
ou em maus desejos, logo os sentidos se perturbam, produzindo-se movimentos orgânicos,
que muitas vezes serão prelúdio de atos contrários à pureza. Quem quiser, pois,
evitar esses atos, tem de combater pensamentos e imaginações perigosas.
2. ° Gravidade destas faltas.
A) Toda a vez que se quer ou procura
diretamente o prazer mau, o prazer voluptuoso, há pecado mortal. É que, de
fato, é gravíssima desordem pôr em risco a conservação e propagação da raça
humana. Ora, uma vez que se assentasse como princípio, que é lícito procurar o
prazer da carne em pensamentos, palavras ou ações fora do uso legítimo do
matrimônio, seria impossível pôr freio ao furor desta paixão, cujas exigências
aumentam com as satisfações que se lhe concedem, e dentro em breve seria
frustrado o fim do Criador. E isto, afinal, o que mostra a experiência: quantos
jovens não há que se tornaram incapazes de transmitir a vida, porque abusaram
do seu corpo! Assim, pois, no prazer mau, diretamente querido, não há ligeireza
de matéria.
B) Há casos, porém, em que esse
prazer, sem ser diretamente procurado, se produz em conseqüência de certas
ações, aliás, boas, ou ao menos indiferentes. Se não se consente nesse prazer,
e, por outro lado, há razão suficiente para praticar a ação que o ocasiona, não
há culpa, e, por conseguinte, não há que recear. Se, porém, os atos que
determinam essas sensações, não são nem necessários nem seriamente úteis, tais
como as leituras perigosas, as representações teatrais, as conversas levianas,
as danças lascivas, é evidente que entregar-se a essas coisas é pecado de
imprudência mais ou menos grave, segundo a gravidade da desordem assim
produzida e do perigo que há de consentimento.
C) Sob o aspecto da perfeição, não
há, depois do orgulho, obstáculo maior ao progresso espiritual que o vício
impuro.
a) Solitárias ou cometidas com
outras pessoas, não tardam essas faltas em produzir hábitos tirânicos, que
paralisam todo o ardor para a perfeição e inclinam a vontade para as alegrias
grosseiras. Gosto da oração, desejo de qualquer virtude austera, aspirações
nobres e generosas, tudo isso desaparece.
b) A alma é invalida pelo egoísmo: o
amor, que se tinha para com os pais ou amigos, estiola-se e desaparece quase
completamente; não resta mais que o desejo de gozar, a todo o preço dos
prazeres maus: é uma verdade obsessão.
c) Rompe-se, então, o equilíbrio das
faculdades: é corpo, é a volúpia que manda; a vontade torna-se escrava desta
ignominiosa paixão, e dentro em breve revolta-se contra Deus, que proíbe e
castiga esses prazeres maus.
d) Os tristes efeitos desta
abdicação da vontade bem depressa se fazem sentir: a inteligência embota-se e
enfraquece, porque a vida desceu da cabeça para os sentidos: desapareceu o
gosto dos estudos sérios; a imaginação já não pode representar senão baixezas;
o coração murcha pouco a pouco, seca, endurece, não tem outros encantos senão
os prazeres grosseiros.
e) Muitas vezes até o próprio corpo
é profundamente atingindo: o sistema nervoso, sobre excitado por estes abusos, irrita-se,
enfraquece e «torna-se impróprio para a sua missão de regulação e defesa»[1];
os diversos órgãos já não funcionam senão imperfeitamente; a nutrição faz-se mal,
as forças enfraquecem, não anda longe a tuberculose.
E evidente que uma alma assim
desequilibrada, a animar um corpo débil, não só não pode pensar mais em
perfeição, senão que de dia para dia se afasta dela para mais longe. Muito
feliz será ela; se puder entrar em si a tempo de assegurar ao menos a salvação.
Importa, pois, indicar alguns
remédios para este vício grosseiro.
3.
° Remédios. Para resistir a paixão
tão perigosa, requerem- se: convicções profundas, a fuga das ocasiões, a
mortificação e a oração.
A) Convicções profundas, tanto sobre
a necessidade de combater este vício como sobre a possibilidade de o vencer.
a) O que dissemos da gravidade do
pecado da luxúria mostra bem como é necessário evitá-lo, para nos não expormos
às penas eternas. A estes motivos se podem acrescentar mais dois, tirados de
São Paulo:
1) Somos templos vivos da Santíssima
Trindade, templos santificados pela presença do Deus de toda a santidade e por
uma participação da vida divina (n.os 97-106). Ora, nada contamina
mais este templo que o vício impuro que profana a um tempo o corpo e a alma do
homem batizado.
2) Somos membros de Jesus Cristo, em
quem somos incorporados pelo batismo; e, por conseguinte, devemos respeitar o
nosso corpo como corpo do próprio Cristo. E havíamos de o profanar com atos
contrários à pureza?! Não seria uma espécie de sacrilégio abominável procurar
esse prazer grosseiro que nos abate ao nível dos irracionais?
b) Há muitos que dizem que é impossível
praticar a continência. Assim pensava Agostinho antes da conversão. Convertido,
porém, a Deus e sustentado pelos exemplos dos Santos e pela graça dos
Sacramentos, compreendeu que nada há impossível, quando se sabe orar e lutar.
E é bem verdade: de nós mesmos, somos tão fracos, e o prazer mau é por vezes
tão atraente, que acabaríamos por sucumbir, mas, desde que nos apoiamos na
graça divina e fazemos esforços enérgicos, saímos vitoriosos das mais violentas
tentações. - E não se diga que a continência nos jovens é um obstáculo à
saúde: os médicos honestos respondem com o Congresso internacional de Bruxelas:
«É necessário, sobretudo ensinar à juventude masculina que a castidade e a
continência não somente não são nocivas, mas ainda que estas virtudes são
recomendáveis sob o aspecto puramente médico e higiênico». E, com efeito, não
se conhece doença alguma que provenha da continência, ao passo que são
inumeráveis as que têm origem na luxúria.
B) A fuga das ocasiões. E um axioma
espiritual que a castidade se conserva, sobretudo pela fuga das ocasiões
perigosas: quem está convencido da própria fraqueza, não se expõe inutilmente
ao perigo. Quando estas ocasiões não são necessárias, é dever evitá-las com
cuidado, sob pena de nelas sucumbir: quem se expõe ao perigo, nele perece: «qui amat periculum, in illo peribit»[2].
Tratando-se, pois, de leituras, visitas, encontros, representações perigosas,
a que vacilar: em vez de as irmos buscar, é fungir delas, como de serpente
perigosa. Se não se podem evitar essas ocasiões, então é fortificar a vontade
com disposições interiores que tornem o perigo menos próximo.
É por isso que São Francisco de
Sales declara que, se não é possível evitar as danças, é necessário ao menos
que sejam acompanhadas de modéstia, dignidade e reta intenção; e, para que
estas perigosas recreações não despertem maus afetos, é bom pensar que,
enquanto vai correndo o baile, estão muitas almas ardendo no inferno pelos
pecados cometidos na dança ou por causa da dança Quanto mais verdadeiro é isto
hoje em dia, que essas danças exóticas e lúbricas invadiram tantos salões!
C)
Há, porém, ocasiões que se não podem evitar: são as que encontramos cada dia em
nós e fora de nós e que não é possível vencer senão pela mortificação. Já
dissemos o que é esta virtude e como se pratica (n. os 754-815). Não podemos,
pois, senão recordar apenas algumas das suas prescrições que se referem mais
diretamente à castidade.
a) Com os olhos é necessário ter
resguardo muito particular, porque os olhares imprudentes inflamam os desejos,
e estes arrastam a vontade. Eis o motivo por que Nosso Senhor Jesus Cristo
declara que todo aquele que põe os olhos numa mulher com concupiscência já
cometeu adultério em seu coração: «qui viderít mulierem ad concupiscendam eam
iam moechatus est eam in corde suo» e acrescenta que, se o nosso olho direito é
ocasião de escândalo, é arrancá-lo 2, isto é, afastar energicamente o olhar do
objeto que nos escandaliza. Esta modéstia dos olhos é tanto mais necessária
hoje em dia, quanto é mais certo o perigo de encontrar quase por toda a parte
pessoas e objetos capazes de excitar tentações.
b) O sentido do tato é ainda mais
perigoso porque facilmente provoca impressões sensuais que tendem a prazeres
maus; é necessário, pois, abster-se desses toques ou carícias que não podem
deixar de excitar as paixões.
c) Quanto à imaginação e à memória,
recordem-se as regras traçadas (n.° 781). Quanto à vontade, trate-se de a
tomar forte por uma educação viril, segundo os princípios expostos (n.os
811-816).
d) O coração deve ser também mortificado
pela luta contra as amizades sensíveis e perigosas (n.os 600-604).
Quanto às pessoas que se preparam para o matrimônio, é claro que virá um
momento em que lhes é permitido ligarem-se por um amor legítimo, mas que tem de
permanecer casto e sobrenatural; devem, pois, evitar quaisquer sinais de
afeição contrários às leis da decência, refletindo que a sua união, para ser
abençoada por Deus, há de ser pura. Aquelas, porém, que são ainda muito novas
para pensarem no matrimônio, devem precaver-se contra essas afeições sensíveis
e sensuais, que, amolecendo o coração, o preparam a perigosas capitulações. Não
se brinca impunemente com o fogo. E, depois, se se exige da pessoa, que se
quer esposar, um coração puro, não é de justiça que o que se oferece o seja
também?
e) Enfim, uma das mortificações mais
úteis é a aplicação enérgica e constante ao dever de estado. A ociosidade é má
conselheira; o trabalho, pelo contrário, absorvendo a nossa atividade
inteiramente, afasta-nos a imaginação, o espírito e o coração dos objetos
perigosos; voltaremos a este ponto (n.° 887).
D) A oração, a) O Concílio de Trento
ensina que Deus não manda nada impossível, mas que exige façamos o que podemos
e oremos para alcançar a graça de fazer o que por nós mesmos não podemos. Esta
prescrição aplica-se sobretudo à castidade que oferece, para a maior parte dos
cristãos, ainda quando vivem no santo estado do matrimônio, dificuldades
especiais. Para delas triunfar, é mister orar freqüentemente e meditar sobre as
grandes verdades; estas ascensões frequentes da alma para Deus desapegam-nos
pouco a pouco das alegrias sensuais e levam-nos para as alegrias puras e
santas.
b) À oração deve-se juntar a recepção
frequente dos sacramentos.
1) Quando um se confessa
freqüentemente e acusa francamente as faltas ou imprudências cometidas contra a
pureza, a graça da absolvição, junta com os conselhos que se recebem,
fortifica singularmente a vontade contra as tentações.
2) Esta graça corrobora-se ainda com
a comunhão frequente: a união íntima com Aquele, que é Deus de toda a
santidade, amortece a concupiscência, torna a alma mais sensível aos bens
espirituais e desapega-se assim dos prazeres grosseiros. Pela confissão e
comunhão frequente é que São Filipe de Néri curava os jovens, escravos do vício
impuro; e ainda hoje não há remédio mais eficaz, tanto para preservar como para
fortificar a virtude. Se tantos jovens e donzelas escapam ao contágio do vício,
é porque encontram na prática da religião uma arma contra as tentações que os
assediam. É certo que esta arma exige coragem, energia, esforços muitas vezes
renovados; mas com a oração, com os sacramentos e com uma vontade firme
triunfa-se de todos os obstáculos.
[1] Laumonier, op. Cit., p. 111.
[2] Eclo 3,27.