terça-feira, 16 de abril de 2013

§ II. A luxúria

 Nota do blogue: Acompanhe esse especial AQUI.
A Vida Espiritual explicada e comentada 
Adolph Tanquerey


1. ° Natureza. Assim como quis Deus que andasse anexo um prazer sensível ao alimento, para ajudar o homem a conservar a vida, assim ligou um prazer especial aos atos pelos quais se propaga a espécie humana.
            Este prazer é, conseguintemente, permitido às pessoas casadas, con­tanto que usem dele para o nobilíssimo fim para que foi instituído o matri­mônio, a transmissão da vida; fora do matrimônio, é rigorosamente interdi­to esse prazer. A despeito dessa proibição, há infelizmente em nós, a partir sobretudo dos anos da puberdade ou da adolescência, uma tendência mais menos violenta a experimentar esse prazer, até mesmo fora do matri­mônio legítimo. É esta tendência desordenada que se chama luxúria, e é condenada em dois preceitos do Decálogo: 6.° Guardar castidade nas pala­vras e nas obras, 9.° Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos.
            Não são, pois, somente proibidos os atos externos, senão também os atos internos consentidos, imaginações, pensamentos, desejos.
          E com toda a razão: porque, se alguém se demora, de propósito deli­berado, em imagens, em pensamentos desonestos, ou em maus desejos, logo os sentidos se perturbam, produzindo-se movimentos orgânicos, que muitas vezes serão prelúdio de atos contrários à pureza. Quem quiser, pois, evitar esses atos, tem de combater pensamentos e imaginações perigosas.

2. ° Gravidade destas faltas.


A)  Toda a vez que se quer ou procura diretamente o prazer mau, o prazer voluptuoso, há pecado mortal. É que, de fato, é gravíssima desor­dem pôr em risco a conservação e propagação da raça humana. Ora, uma vez que se assentasse como princípio, que é lícito procurar o prazer da carne em pensamentos, palavras ou ações fora do uso legítimo do matrimônio, seria impossível pôr freio ao furor desta paixão, cujas exi­gências aumentam com as satisfações que se lhe concedem, e dentro em breve seria frustrado o fim do Criador. E isto, afinal, o que mostra a experiência: quantos jovens não há que se tornaram incapazes de trans­mitir a vida, porque abusaram do seu corpo! Assim, pois, no prazer mau, diretamente querido, não há ligeireza de matéria.
B)    Há casos, porém, em que esse prazer, sem ser diretamente pro­curado, se produz em conseqüência de certas ações, aliás, boas, ou ao menos indiferentes. Se não se consente nesse prazer, e, por outro lado, há razão suficiente para praticar a ação que o ocasiona, não há culpa, e, por conseguinte, não há que recear. Se, porém, os atos que determinam essas sensações, não são nem necessários nem seriamente úteis, tais como as leituras perigosas, as representações teatrais, as conversas levianas, as danças lascivas, é evidente que entregar-se a essas coisas é pecado de imprudência mais ou menos grave, segundo a gravidade da desordem assim produzida e do perigo que há de consentimento.
C)    Sob o aspecto da perfeição, não há, depois do orgulho, obstáculo maior ao progresso espiritual que o vício impuro.

a)     Solitárias ou cometidas com outras pessoas, não tardam essas faltas em produzir hábitos tirânicos, que paralisam todo o ardor para a perfeição e inclinam a vontade para as alegrias grosseiras. Gosto da ora­ção, desejo de qualquer virtude austera, aspirações nobres e generosas, tudo isso desaparece.
b)   A alma é invalida pelo egoísmo: o amor, que se tinha para com os pais ou amigos, estiola-se e desaparece quase completamente; não resta mais que o desejo de gozar, a todo o preço dos prazeres maus: é uma verdade obsessão.
c)    Rompe-se, então, o equilíbrio das faculdades: é corpo, é a volúpia que manda; a vontade torna-se escrava desta ignominiosa paixão, e den­tro em breve revolta-se contra Deus, que proíbe e castiga esses prazeres maus.
d)     Os tristes efeitos desta abdicação da vontade bem depressa se fazem sentir: a inteligência embota-se e enfraquece, porque a vida desceu da cabeça para os sentidos: desapareceu o gosto dos estudos sérios; a imaginação já não pode representar senão baixezas; o coração murcha pouco a pouco, seca, en­durece, não tem outros encantos senão os prazeres grosseiros.
e)     Muitas vezes até o próprio corpo é profundamente atingindo: o sistema nervoso, sobre excitado por estes abusos, irrita-se, enfraquece e «torna-se impróprio para a sua missão de regulação e defesa»[1]; os diver­sos órgãos já não funcionam senão imperfeitamente; a nutrição faz-se mal, as forças enfraquecem, não anda longe a tuberculose.
           
            E evidente que uma alma assim desequilibrada, a animar um corpo débil, não só não pode pensar mais em perfeição, senão que de dia para dia se afasta dela para mais longe. Muito feliz será ela; se puder entrar em si a tempo de assegurar ao menos a salvação.
              Importa, pois, indicar alguns remédios para este vício grosseiro.

3. ° Remédios. Para resistir a paixão tão perigosa, requerem- se: convicções profundas, a fuga das ocasiões, a mortificação e a oração.
            A) Convicções profundas, tanto sobre a necessidade de combater este vício como sobre a possibilidade de o vencer.

                  a) O que dissemos da gravidade do pecado da luxúria mostra bem como é necessário evitá-lo, para nos não expormos às penas eternas. A estes motivos se podem acrescentar mais dois, tirados de São Paulo:
1) Somos templos vivos da Santíssima Trindade, templos santificados pela presença do Deus de toda a santidade e por uma participação da vida divina (n.os 97-106). Ora, nada contamina mais este templo que o vício im­puro que profana a um tempo o corpo e a alma do homem batizado.
2) Somos membros de Jesus Cristo, em quem somos incorporados pelo batismo; e, por conseguinte, devemos respeitar o nosso corpo como corpo do próprio Cristo. E havíamos de o profanar com atos contrários à pureza?! Não seria uma espécie de sacrilégio abominável procurar esse prazer grosseiro que nos abate ao nível dos irracionais?
               b) Há muitos que dizem que é impossível praticar a continência. Assim pensava Agostinho antes da conversão. Convertido, porém, a Deus e sustentado pelos exemplos dos Santos e pela graça dos Sacramentos, com­preendeu que nada há impossível, quando se sabe orar e lutar. E é bem verdade: de nós mesmos, somos tão fracos, e o prazer mau é por vezes tão atraente, que acabaríamos por sucumbir, mas, desde que nos apoiamos na graça divina e fazemos esforços enérgicos, saímos vitoriosos das mais vio­lentas tentações. - E não se diga que a continência nos jovens é um obstá­culo à saúde: os médicos honestos respondem com o Congresso internaci­onal de Bruxelas: «É necessário, sobretudo ensinar à juventude masculi­na que a castidade e a continência não somente não são nocivas, mas ainda que estas virtudes são recomendáveis sob o aspecto puramente médico e higiênico». E, com efeito, não se conhece doença alguma que provenha da continência, ao passo que são inumeráveis as que têm origem na luxúria.

            B) A fuga das ocasiões. E um axioma espiritual que a castidade se conserva, sobretudo pela fuga das ocasiões perigosas: quem está convenci­do da própria fraqueza, não se expõe inutilmente ao perigo. Quando estas ocasiões não são necessárias, é dever evitá-las com cuidado, sob pena de nelas sucumbir: quem se expõe ao perigo, nele perece: «qui amat periculum, in illo peribit»[2]. Tratando-se, pois, de leituras, visitas, encontros, re­presentações perigosas, a que vacilar: em vez de as irmos buscar, é fungir delas, como de serpente perigosa. Se não se podem evitar essas ocasiões, então é fortificar a vontade com disposições interiores que tornem o peri­go menos próximo.
            É por isso que São Francisco de Sales declara que, se não é possível evitar as danças, é necessário ao menos que sejam acompanhadas de mo­déstia, dignidade e reta intenção; e, para que estas perigosas recreações não despertem maus afetos, é bom pensar que, enquanto vai correndo o baile, estão muitas almas ardendo no inferno pelos pecados cometidos na dança ou por causa da dança Quanto mais verdadeiro é isto hoje em dia, que essas danças exóticas e lúbricas invadiram tantos salões!

            C) Há, porém, ocasiões que se não podem evitar: são as que encontramos cada dia em nós e fora de nós e que não é possível vencer senão pela mortificação. Já dissemos o que é esta virtude e como se pratica (n. os 754-815). Não podemos, pois, senão recordar apenas algu­mas das suas prescrições que se referem mais diretamente à castidade.
            a) Com os olhos é necessário ter resguardo muito particular, porque os olhares imprudentes inflamam os desejos, e estes arrastam a vontade. Eis o motivo por que Nosso Senhor Jesus Cristo declara que todo aquele que põe os olhos numa mulher com concupiscência já cometeu adultério em seu coração: «qui viderít mulierem ad concupiscendam eam iam moechatus est eam in corde suo» e acrescenta que, se o nosso olho direito é ocasião de escândalo, é arrancá-lo 2, isto é, afastar energicamente o olhar do objeto que nos escandaliza. Esta modéstia dos olhos é tanto mais neces­sária hoje em dia, quanto é mais certo o perigo de encontrar quase por toda a parte pessoas e objetos capazes de excitar tentações.
            b) O sentido do tato é ainda mais perigoso porque facilmente pro­voca impressões sensuais que tendem a prazeres maus; é necessário, pois, abster-se desses toques ou carícias que não podem deixar de exci­tar as paixões.
             c) Quanto à imaginação e à memória, recordem-se as regras traça­das (n.° 781). Quanto à vontade, trate-se de a tomar forte por uma edu­cação viril, segundo os princípios expostos (n.os 811-816).
            d) O coração deve ser também mortificado pela luta contra as amizades sensíveis e perigosas (n.os 600-604). Quanto às pessoas que se preparam para o matrimônio, é claro que virá um momento em que lhes é permitido ligarem-se por um amor legítimo, mas que tem de permane­cer casto e sobrenatural; devem, pois, evitar quaisquer sinais de afeição contrários às leis da decência, refletindo que a sua união, para ser aben­çoada por Deus, há de ser pura. Aquelas, porém, que são ainda muito novas para pensarem no matrimônio, devem precaver-se contra essas afeições sensíveis e sensuais, que, amolecendo o coração, o preparam a perigosas capitulações. Não se brinca impunemente com o fogo. E, de­pois, se se exige da pessoa, que se quer esposar, um coração puro, não é de justiça que o que se oferece o seja também?
            e) Enfim, uma das mortificações mais úteis é a aplicação enér­gica e constante ao dever de estado. A ociosidade é má conselheira; o trabalho, pelo contrário, absorvendo a nossa atividade inteiramente, afas­ta-nos a imaginação, o espírito e o coração dos objetos perigosos; volta­remos a este ponto (n.° 887).

            D) A oração, a) O Concílio de Trento ensina que Deus não man­da nada impossível, mas que exige façamos o que podemos e oremos para alcançar a graça de fazer o que por nós mesmos não podemos. Esta pres­crição aplica-se sobretudo à castidade que oferece, para a maior parte dos cristãos, ainda quando vivem no santo estado do matrimônio, dificuldades especiais. Para delas triunfar, é mister orar freqüentemente e meditar sobre as grandes verdades; estas ascensões frequentes da alma para Deus desapegam-nos pouco a pouco das alegrias sensuais e levam-nos para as alegrias puras e santas.
            b) À oração deve-se juntar a recepção frequente dos sacramentos.
            1) Quando um se confessa freqüentemente e acusa francamente as faltas ou imprudências cometidas contra a pureza, a graça da absolvi­ção, junta com os conselhos que se recebem, fortifica singularmente a vontade contra as tentações.
           2) Esta graça corrobora-se ainda com a comunhão frequente: a união íntima com Aquele, que é Deus de toda a santidade, amortece a concu­piscência, torna a alma mais sensível aos bens espirituais e desapega-se assim dos prazeres grosseiros. Pela confissão e comunhão frequente é que São Filipe de Néri curava os jovens, escravos do vício impuro; e ainda hoje não há remédio mais eficaz, tanto para preservar como para fortificar a virtude. Se tantos jovens e donzelas escapam ao contágio do vício, é porque encontram na prática da religião uma arma contra as tentações que os assediam. É certo que esta arma exige coragem, ener­gia, esforços muitas vezes renovados; mas com a oração, com os sacra­mentos e com uma vontade firme triunfa-se de todos os obstáculos.


[1] Laumonier, op. Cit., p. 111.
[2] Eclo 3,27.