sábado, 27 de abril de 2013

Fé e confiança


A fé não tem o significado restrito em que vulgarmente é tomado. A fé será incompleta se consentir apenas em crer e em recitar o símbolo. A fé viva implica ao mesmo tempo a crença e a confiança; e tal é também a significação da palavra latina fides. Quando dizeis: - Eu possuo um amigo verdadeiro, creio e tenho fé nele – não pretendeis somente exprimir a vossa fé ou crença na existência deste amigo; mas quereis dizer: - Eu conto com ele, descanso sem temor nos seus sentimentos e tenho confiança em sua palavra e em sua afeição.

Ora, é com esta plena e universal confiança que se deve manifestar a vossa fé em Jesus Cristo. A fé sem a confiança não é mais que uma fé histórica, especulativa; é a fé dos sábios: é uma fé abstrata, quase sem influência sobre a piedade prática e que não dá senão um impulso muito fraco à vida cristã.



Crer em Jesus Cristo não é somente crer que o filho de Deus se fez homem para nos salvar; mas é crer em toda a extensão do seu amor, é crer em sua presença e em todas as promessas consignadas nas santas Escrituras; e é esperar firmemente e contar indubitavelmente com a realização de todas as Suas palavras.

Quantas vezes, levados por uma humildade mal entendida, vós duvidais do seu coração! Esta dúvida é um golpe que vibra na esperança; ele fere o coração de Deus e não é menos repreensível do que as dúvidas em matéria de doutrina. Acaso a esperança não é tão necessária para a salvação como a própria fé? Não é preciso conservar ambas na mesma integridade? A fé confiante, diz São Bernardo, tem uma tríplice base: apóia-se sobre a bondade de Deus que nos ama como seus filhos: “Caritas adoptionis”; sobre a verdade de Deus que é fiel às suas promessas: “Veritas promissionis”; e sobre o poder de Deus, que cumpre infalivelmente as suas palavras: “Potestas redditionis”.

Deus nos ama. É um dos primeiros artigos de fé, o qual está acima de toda demonstração. Deus é pai; Ele nos ama como Seus filhos e Seu amor é insondável. Ele ama! Mas é o coração de um Deus. As expansões desse imenso coração são imensas, infinitas; e toda a história humana atesta a Sua inesgotável liberalidade. Ora, esta crença quando é viva, deve necessariamente desenvolver em nós a confiança.

Deus é verdadeiro em Suas promessas; outro motivo de confiança. Vós acreditais num homem quando ele é verídico e credes mais fortemente ainda em seu testemunho quando o possuis em documentos escritos.

Como, pois, duvidar da palavra divina consignada nos livros sacros? Estes livros, fundamento dos arquivos do mundo, nos atestam a fidelidade das promessas que pertencem ao tempo e à eternidade. A realização de uma grande parte destas promessas nos garante a realização de todas as outras.

E para não citar, em apoio desta verdade, se não um só fato que é um milagre permanente, considerai o sucessor de São Pedro! Jesus Cristo não prometeu que “ele não falharia jamais e que as portas do inferno não prevaleceriam contra ele”? e ei-lo, com efeito, sempre de pé sobre o rochedo da palavra de Deus.

Bem que o seu poder temporal seja humanamente o mais fraco dos poderes, Ele comanda o universo e subsiste infalível, inabalável, coroado de uma auréola de majestade no meio das ruínas acumuladas a Seus pés.

Há outras promessas divinas que se realizam visivelmente. Umas dizem respeito ao gênero humano inteiro; outras dizem respeito somente à Igreja; outras, a cada cristão em particular. As promessas concernentes à salvação do mundo foram feitas a todos os homens, porque Jesus Cristo morreu por muitos. Ele prometeu à Igreja consolações, revelações e uma eterna assistência: promessa de que a história nos mostra o perpétuo cumprimento. Ele disse a cada um dos Seus discípulos: “Procurai antes de tudo o reino de Deus com a sua justiça, e o resto vos será dado em demasia”. E disse-lhes ainda: “Tende confiança; não vos dêem cuidado a alimentação e vestuário. Vosso Pai celeste, que veste os lírios e nutre os passarinhos, saberá prover a todas as vossas necessidades. E não tenhais medo dos perigos que vos cercam; da vossa cabeça nenhum fio de cabelo cairá sem a vontade de Deus”.

Estas promessas positivas são o objeto da nossa fé; mas sendo profundamente compreendidas, admitidas e experimentadas, vivificam a confiança cristã. A onipotência de Deus é ainda um motivo de confiança.

Deus testemunhou-nos o Seu amor e Ele no-lo prova pela fidelidade de Suas promessas; mas tanto as Suas promessas como o Seu amor tem por auxiliar o Seu poder soberano.

Nós nos confiamos naturalmente aos homens que têm poder, posto que neles o poder e o querer nem sempre estejam em harmonia. De fato, alguns querem e não podem, os outros podem e não querem; sucedendo, além disso, que os próprios que hoje são poderosos e benévolos para conosco, não o serão talvez amanhã.

Em Deus, porém, querer e poder não são se não um mesmo ato. “Ele ordena e tudo se faz”: “Dixit et facta sunt”. Portanto, a dúvida não é admissível jamais; e a nossa fé seria imperfeita, se não confiássemos firmemente no poder invencível com que Deus executa as promessas da Sua Verdade e as palavras do Seu Amor. É por isso que o rei-profeta nos exorta sem cessar a uma inabalável confiança, e a compara, por causa da sua força, à santa montanha da cidade de Deus: “Qui confidunt in Domino sicut mons Sion”.



Conforme esta doutrina, seria difícil marcar os limites da confiança cristã, pois esta deve ter as dimensões infinitas do amor, da verdade e do poder; e não degenera em presunção senão quando deixa de apoiar-se sobre Deus para buscar outros apoios e outras bases.

Toda confiança em nós mesmos é presunçosa; mas a confiança em Deus não deve ter limites. Também, na história evangélica nada se vê que nos autorize a restringi-la; Jesus Cristo acolhe indistintamente com terna benevolência todos os que a Ele se chegam, mesmo os estrangeiros, mesmo os filhos pródigos, os pecadores e as mais culpáveis pecadoras.

Ele diz a todos: “Não temais!” e a todos dirige esta palavra divina: “Confide, filia mea!” “Minha filha, tende confiança!” desenvolvei, pois, com uma segurança fundada sobre o evangelho, este sentimento cristão; aplicai-o sem restrição ao passado e ao presente, ao futuro, a eternidade. Eu sei que por vezes o passado vos inquieta. Perguntais talvez então: Deus terá me perdoado? – Esta dúvida não vem seguramente do espírito de Deus, pois que gera a inquietação, compromete a fé e faz cessar as preces: Nestes tristes efeitos, deveis reconhecer a tentação que os produz.

Quando é Deus que nos inspira, radia a confiança e esvaecem-se as dúvidas; e então cremos de todo o coração na eficácia do perdão sacramental e confiamos firmemente nos méritos do Sangue de Jesus Cristo. As preocupações do presente nos experimentam por seu turno. Desconfia-se da Providência; e nos atos positivos da vida escuta-se a razão mais do que a fé; Tem-se confiança nos homens imprudentes, na fortuna tão caprichosa e na terra tão ingrata e só não se sabe confiar nas assistências do céu. Quantas mães cristãs se vêem aflitas e agitadas, como se elas próprias fossem o deus de seus filhos! É que se confiam ao Senhor as coisas espirituais, nas da ordem temporal duvidam da Sua intervenção. Todavia, se vós amais os vossos filhos deveis crer sem hesitação que Jesus Cristo, Vosso Salvador, os ama ainda mais do que vós. E, pois que Ele dá a Vossos filhos o Pão do céu, como lhes recusaria o pão da terra? Mas o futuro? Eis ai sobretudo o que é preciso encarar com fé e confiança.



Quantas almas se afligem com a perspectiva de desgraças que elas receiam e que não se sucederão talvez jamais! Estremeceis diante do mistério de um futuro distante, e não tardará talvez a chegar a vossa última hora. Esta perigosa fraqueza não se cura senão por atos de confiança; De outro modo, se se torna habitual, arriscamo-nos a ser vítimas dela até sobre o leito da morte. O hábito de não ter fé e de duvidar de Deus enerva a alma cristã, despoja-a dos méritos de Jesus Cristo e impele-a ao desespero.

Entregai vossos dias a Deus, aconselham os mestres da vida espiritual. “A cada dia basta o seu mal”; a cada dia basta o seu pão cotidiano. A Providência que produziu os nossos passos até a idade a que chegamos, nos guiará até ao fim. Confiemos-Lhe também o destino de nossos filhos. Sua ação será mais segura, mais constante, mais eficaz do que a nossa; ela sobreviverá as nossas previsões.

Abandonemos-Lhe o cuidado do que nos diz respeito; lancemos no seio de Deus as nossas apreensões, os nossos pesares e as nossas solicitudes. Este é o conselho da Divina Sabedoria.

Fé e confiança! Eis o que sustenta as famílias cristãs.

Que estes dois sentimentos com a misericórdia e a verdade que os justificam, se reúnam em nós num santo ósculo.