Monsenhor Francisco Pascucci, 1935, Doutrina Cristã,
tradução por Padre Armando Guerrazzi, 2.ª Edição, biblioteca Anchieta.
PARTE
IV
NOÇÕES
GERAES
Culto
e as suas divisões
1. - O homem, criatura racional,
deve a Deus, seu Criador, adoração, amor e honra. O complexo dos atos com que
manifesta o homem os seus sentimentos para com Deus, diz-se — culto.
O culto pode ser: a) interno e externo, segundo se presta apenas com a mente e o coração, ou também
com os atos externos do corpo.
Necessário tanto o segundo como o
primeiro, por quanto o corpo deve igualmente demonstrar a sua sujeição a Deus e
porque o culto externo mantém o espírito de fé, além de servir a dar o bom
exemplo:— mas inútil será o segundo, se não for animado do primeiro; b) público e privado.
Diz-se público o
culto que se dá a Deus, aos Santos e aos Bem-aventurados, por meio de pessoas
legitimamente deputadas pela Igreja e mediante atos estabelecidos pela mesma
para esse único escopo. (Can. 1256). Qualquer outro culto é privado, quer se preste a Deus individual,
quer coletivamente.
Culto
público
2. - O culto público rende-se a Deus
mediante atos estabelecidos pela Igreja, enquanto ela
a) nos ensina de modo infalível
quanto de substancial Jesus Cristo
estabeleceu sobre o modo de se honrar devidamente a Deus;
b) fixa algumas normas acidentais de tempo, modo, lugar,
vestes, objetos sacros, etc. para maior decoro do próprio culto e maior
utilidade dos fiéis. Por isso, em todos os atos do culto público convém
distinguir a parte substancial,
estabelecida por Jesus Cristo, à qual a Igreja nada pode acrescentar nem
suprimir — da parte acidental,
estabelecida e regulada pela própria Igreja.
Liturgia
e sua utilidade
3. - O complexo das regras
estabelecidas pela Igreja, enquanto se refere ao culto público, diz-se liturgia (de leitos [público], e ergon
[obra]).
A utilidade da liturgia deduz-se do
duplo fim a que tende, isto é, assegurar a dignidade do culto e alimentar a
piedade.
A liturgia assegura a dignidade do
culto, por lhe estabelecer a ordem e a harmonia, não deixando nada ao capricho
individual.
A liturgia alimenta a piedade,
enquanto o culto externo favorece o interno, e a majestade e a pompa do culto
público servem para afervorar a alma e erguê-la para Deus.
Várias
liturgias
4. - Se considerarmos a parte substancial dos atos do culto, a
liturgia é igual e imutável para toda a Igreja e se lhe demonstra a unidade.
Se, porém, considerarmos a parte acidental e secundária, esta
varia, porque os diversos povos cristãos gozaram desde o princípio de uma certa
liberdade na determinação das cerimônias secundárias, que obtiveram a sanção da
Igreja.
Temos destarte várias liturgias,
cindidas em dois grandes grupos: liturgias
orientais e ocidentais.
As principais liturgias orientais
são sete:
a)
a
liturgia de São João Crisóstomo, dita dos Apóstolos, porque parece remontar à
mais longínqua antiguidade;
b)
a
liturgia de São Tiago Menor ou de Jerusalém;
c)
a
liturgia copta;
d)
a
liturgia de São Basílio,
e)
a
liturgia armênia;
f)
a
liturgia dos Nestorianos;
g)
a
liturgia dos Maronitas.
As principais liturgias ocidentais
são quatro:
a) a romana, seguida desde a fundação pela Igreja de Roma e atribuída
pela tradição a São Pedro.
São Pio V (1570) a declarou
obrigatória a todo o ocidente, tolerando só as liturgias em uso há mais de
duzentos anos, como a ambrosiana e a mozarabica;
b) a ambrosiana, composta por Santo Ambrósio, e seguida até hoje pela
Igreja de Milão;
c) a mozarabica, composta nos séculos VI e VII por São Leandro e Santo
Isidoro, substituída no século XI pela romana, hoje em uso em algumas igrejas
de Toledo;
d) a galicana, usada nas Galias desde o II século até Pepino e Carlos
Magno, que a substituíram pela romana.
Livros
litúrgicos
5. - Os principais Livros litúrgicos, em que se encontram
as orações e as cerimônias do culto público, são:
a) o Missal, chamado antigamente Sacramentário, que encerra as orações e
as rubricas da Missa;
b) o Breviário ou Ofício divino, a ser recitado por pessoas para isso
deputadas;
c) o Ritual, para a administração dos sacramentos, procissões,
sepulturas, bênçãos;
d) o Pontifical, para as funções reservadas aos Bispos;
e) o Cerimonial dos Bispos, para as cerimônias em presença do Bispo nas
igrejas catedrais e colegiadas;
f) o Martirológio, contendo o nome e o elogio dos santos, cuja memória
diariamente é celebrada.
Língua
litúrgica
6. - Na origem da Igreja, a língua
da liturgia foi a dos povos aos quais era anunciado o Evangelho.
Presentemente, as liturgias
orientais conservaram a língua respectiva, como o grego, o armênio, o copta,
etc.
A língua latina ficou a língua
litúrgica dos países do ocidente, salvo algumas fórmulas em grego e hebraico,
conservadas para se notar a unidade da Igreja, formada primeiro pelos Hebreus,
depois pelos Gregos e Romanos.
Conservou-se a língua latina como
língua litúrgica;
a)
para
se afirmar a estabilidade da Igreja e manter um elo entre as várias dioceses;
b)
porque,
sendo língua morta, não é mais exposta às variações, a que estão sujeitas as
línguas vivas; assim evita os erros na liturgia e, indiretamente, no dogma.
É verdade que o povo não compreende
a língua, em que se presta o culto público, mas há meios de se remediar a isso
com as traduções em língua vulgar e as explicações dadas pelos sacerdotes.
Canto
litúrgico
7. - O canto foi em todos os tempos
um meio de se louvar e agradecer a Deus, para Lhe impetrar o perdão e implorar
as graças.
Nos primitivos tempos, as assembléias
dos fiéis sabiam cantar os salmos com as modulações em uso e alguma vez com
improvisações, por inspiração especial do Espírito Santo.
Tal liberdade, porém, degenerou em
abuso, que a Igreja teve de eliminar, até que no século VI, São Gregório Magno
fixou as regras definitivas para o canto litúrgico, chamado por isso Gregoriano.
Esse canto, simples, grave e
modesto, foi universalmente adotado na sacra liturgia. Pio X, em 1903,
reclamou revigorasse o uso desse canto, sem, todavia proibir a polifonia
clássica.
O instrumento principal para
acompanhar o canto litúrgico é o órgão.
Postas as noções gerais, tratemos em
particular:
1.º- dos lugares, em que se exerce o culto;
2.º- dos objetos próprios do culto;
3.º- dos atos, com que se presta o culto;
4.º- da computação do tempo do culto público.