A Igreja e seus mandamentos
por
Monsenhor Henrique Magalhães
Editora Vozes, 1946
UNIDADE DO MATRIMÔNIO
16 de Agosto de 1940
Entremos a estudar as propriedades
do Matrimônio. Em primeiro lugar a unidade.
Esta unidade, dizia o Santo Padre
Pio XI, é exigida pela fidelidade conjugal; e isto mesmo indicou o Criador no
casamento dos nossos primeiros Pais, querendo que este não se realizasse senão
entre um só homem e uma só mulher. E embora o mesmo Legislador Eterno
afrouxasse a primitiva disciplina, admitindo a poligamia, — não há dúvida
nenhuma que a lei evangélica restituiu ao Matrimônio a sua beleza primitiva na
perfeita unidade. É o que se patenteia nas palavras de Jesus Cristo e na praxe
constante e invariável da Igreja.
Raramente aparece na história da
humanidade a poliandria, ou união de uma só mulher com vários homens. Vemo-la
em algumas tribos nômades, em determinadas circunstâncias. Mas é sempre
repugnante e, embora não anule radicalmente o fim primordial do Matrimônio,
contudo perturba-o de modo notável.
A poligamia foi sempre mais comum.
Na Bíblia Sagrada há casos muito interessantes, tendo sido a poligamia, ao que
parece, introduzida na família por um descendente de Caim, Lamech, que, contra a
praxe seguida até então, casou-se com duas mulheres: Ada e Sella. Ora, Caim,
como todos sabem, foi o primeiro homicida. Não era, pois, modelo de virtudes.
Sua raça, com razão, aparece tocada de más tendências. — Daí em diante passou a
unidade conjugal a ser considerada coisa secundária.
É gracioso aquele episódio de Jacob,
que serviu, durante sete anos, Labão, pai de Raquel, que ele pretendia por
esposa. Mas, passado aquele longo período de servidão, o futuro sogro, em
lugar de Raquel, deu Lia ao triste e infeliz Jacob, que, se quis desposar sua
querida, serviu trabalhosamente outros sete anos... e levou as duas.
Mas onde vemos bem claros os males
da poligamia é na tenda de Abraão, casado com Sara e com Agar. Cada uma tinha
o seu filhinho: Sara tinha o seu Isaac e Agar o seu Ismael. Mas era um brigar
sem conta! Tudo era motivo de discórdia, principalmente as duas crianças. — E a
desordem cresceu tanto que Abraão, aborrecido, enervado (naquele tempo não
havia neurastenia...) desanimado de manter a ordem e a disciplina em sua tenda
de Patriarca, despediu Agar com seu filhinho Ismael, embora muito constrangido
e pesaroso.
No tempo dos Reis a lei primitiva
foi interpretada com excessiva largueza. E se Saul teve só duas mulheres, David
teve muitas e Salomão excedeu a todos os seus antepassados e no futuro, não
consta que alguém o excedesse, nem mesmo o igualasse.
Quanto aos particulares, diz Flávio
José, podiam ter até quatro.
Não é necessário, porém, o emprego
de longos argumentos: se em um lar com uma só esposa e dois ou três filhinhos
e, às vezes, sem nenhum, há tanta discórdia, a paz anda tão longe... que seria
do lar com duas ou mais esposas? Nem é bom falar!
Concluamos com Santo Tomás de
Aquino: a pluralidade das esposas, embora não sacrifique o fim primordial do matrimônio
— a prole, — perturba a sua educação e é tremendo obstáculo à paz doméstica.[1]
Notas
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