Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950
Pecados de ações contra o próximo
Compreendem todas as ações que
ofendem o próximo como: a agressão, o assassinato, o escândalo. «Não matar!» Não devemos danificar a
vida natural do próximo, isto é, a vida do corpo, nem prejudicar a sua vida
sobrenatural isto é, a vida da alma provocando o pecado pelo escândalo.
Ofensas à vida natural
A vida natural ou do corpo fica
prejudicada pelo suicídio, pelo homicídio e pela briga.
I.
— Suicídio
Que é o suicídio?
O suicídio é o crime de quem dá a
morte a si próprio.
Gravidade do suicídio.
O suicídio é um pecado gravíssimo,
pois constitui um atentado contra Deus; uma crueldade para consigo mesmo e
grande covardia e injustiça, contra a sociedade.
1. E um atentado contra Deus cujos
direitos usurpamos. Somente Ele no-la pode tirar. Concedeu-nos o uso dela, e
não a propriedade.
2. E uma crueldade consigo mesmo;
com efeito, dando a morte a si mesmo despenha-se na condenação eterna, porque,
ordinariamente, perde-se a vida no próprio ato do crime, sem haver tempo para o
arrependimento.
3. E uma covardia. — Longe de ser ato
de coragem, não passa o suicídio de covardia: dá cabo da vida quem não possui a
devida energia para suportar uma dor física ou moral.
4. E uma injustiça para com a
sociedade que nos educou e instruiu, e, portanto, tem direito aos serviços que
lhe podemos prestar. Quem se mata rouba à família um membro e à pátria um
cidadão que lhes poderia ser útil.
O suicídio é, geralmente, cometido
por pessoas sem fé, que vivem no pecado ou na miséria, e que desesperam do
socorro e da misericórdia de Deus, e, às vezes, também por pessoas
irresponsáveis. Nenhuma razão pode desculpar o suicídio voluntário. Para
inspirar horror a este crime nega a Igreja o socorro das suas orações e
sepultura cristã aos que se suicidam sem terem dado provas de arrependimento.
É lícito, porém, e até muito
meritório, sacrificar a saúde ou a vida quando isto é necessário para obter a
vida eterna ou quando com isto se pode salvar a vida da alma ou do corpo dos
nossos semelhantes.
II.
— Homicídio
Que é homicídio?
Homicídio é a morte dada voluntária
e injustamente ao próximo.
Gravidade do homicídio.
Tanto o homicídio direto em que se
dá a morte ao próximo injustamente, como o homicídio em que se coopera para
isso, é condenado por três razões.
1. É crime contra Deus, cujos
direitos usurpamos. Somente Ele é o Senhor da vida. Ele quem no-la deu e só
Ele no-la pode tirar.
2. É crime contra o próximo. — Se
não pode mos atentar contra a nossa própria existência, também não podemos
tocar na vida dos outros. É princípio elementar de justiça. Depois é preceito
da caridade que não façamos aos outros o que não queremos que os outros nos
façam. Ora, é vontade nossa que respeitem a nossa vida, logo não ofendamos a
vida dos outros.
3. É crime contra a sociedade. — A
sociedade deve contar legitimamente com os serviços de todos os seus membros.
Quem deles a esbulha, sem causa lícita, comete uma injustiça.
III.
— Briga
Que é a briga?
Briga é a luta entre duas ou mais
pessoas, às vezes, com perigo de se ferirem e perderem a vida.
Gravidade da briga.
A briga é proibida:
1. Pelo direito natural. Nenhum
homem tem direito à sua vida nem aos seus membros nem tampouco à vida e membros
alheios.
2. Pelo direito divino. — A lei que
proíbe o homicídio, proíbe, pela mesma razão, expôr-se a perder a vida ou a pôr
em perigo a vida do próximo.
Causas
de atentado contra a vida natural
O homem que não é anjo nem animal
segundo a expressão de Pascal, tem, todavia, ao mesmo tempo, o orgulho do anjo
e a crueldade dos animais ferozes. Anjo decaído renovará sempre esta luta
empreendida pelo orgulho contra a obediência; animal racional sentirá sempre
dentro de si instintos cruéis que o impelem a usar da força contra a força, e
usará mesmo da sua razão para excogitar os meios de se tornar mais desumano.
Os atentados contra a vida natural
são, pois, ordinariamente provocados pelos falsos prazeres, falsa vergonha,
falsa piedade, tudo proveniente dos instintos da carne, e pela falsa honra,
filha do orgulho do espírito.
1. Falsos prazeres. — A paixão mais
desenfreada, mais agradável à natureza e repugnante a Deus, a paixão da carne
ou dos prazeres sensuais é a mais homicida. Fere a infância na sua flor, ataca
a juventude no seu vigor. A juventude não morre, suicida-se com os prazeres.
Esse jovem, que peca contra a castidade, consigo mesmo ou com outrem, lembre-se
de que esse sangue derramado clama como o de Abel contra o seu crime de
verdadeiro homicida. Vox sanguinis clamat
de terra.
A paixão dos prazeres sensuais vai
até matar, sob o véu sagrado do matrimônio, o germe da vida. Impedir de
conceber é matar antecipadamente. E, por isso, é homicida não só aquele que
tira a vida a quem a tem, mas também o que priva dela o germe que a poderia
ter. Lembrem-se esses esposos criminosos de que esse sangue, derramado por
deboche, clama como o de Abel contra o seu crime de verdadeiros homicidas. Vox sanguinis clamat de terra.
Um dia, diz ao jovem Tobias o seu
companheiro celeste, o arcanjo São Rafael: Há aqui uma donzela muito honesta,
chamada Sara e tu podes casar com ela. Oh! exclamou Tobias, eu já ouvi dizer
que ela teve sete maridos e que todos lhe morreram, porque o demônio lhos matou
e eu temo que me aconteça o mesmo. Efetivamente, confirma o arcanjo, aqueles
que vão para o matrimônio só com o fim de satisfazer as suas paixões, são
aqueles mesmos que o demônio persegue e mata, mas contigo não há de acontecer o
mesmo; tu receberás esta donzela no temor do Senhor, levado mais pelo desejo de
ter filhos do que por sensualidade. (Tob. VI, 10-22). Os pecados desses maridos dissolutos
bradam ao Céu. Vox sanguinis clamat de
terra.
2. Falsa vergonha. — A mulher para
ocultar a sua falta, que a enche de vergonha, trata por arte infernal, de
desmanchar, destruir o germe de vida ou o pequenino ser, no seio materno. Esse
sangue que ela e seus cúmplices derramaram clama como o de Abel contra tão
nefando crime — Vox sanguinis clamat de
terra.
3. Falsa piedade. — Sob a pressão de
uma falsa piedade julga-se lícito matar o filho para salvar a mãe. Ora nunca é
licito matar diretamente um inocente. O sangue deste inocente clamaria como o
de Abel contra tão abominável crime. Vox
sanguinis clamat de terra. — Uma medicina, que se diz humana, serve-se de
estupefacientes para tornar o moribundo insensível à dor ou abreviar-lhe a
vida. Piedade homicida! ciência odiosa! O nosso corpo sucumbe, mas a nossa alma
subsiste a esses destroços e pode ainda sentir, pensar e querer. Devemos ter um
grande desejo de exalar conscientemente o último suspiro no seio de Deus.
Deixem que o nosso coração bata até ao último instante determinado por Deus ou,
de contrário, o nosso sangue clamará como o de Abel contra aquele que deveria
cumprir uma missão de caridade e não o ofício de um algoz. Vox sanguinis clamat de terra.
4. Falsa honra. — Um homem desafia
para uma briga o seu antagonista, a fim de se vingar ou de reparar a ofensa.
Esse homem não passa de um assassino e de um louco. É duplamente homicida,
porque, às vezes, tem intenção de matar o adversário, e expõe-se ao perigo de
ser morto. É louco porque, sob o pretexto de salvar a própria honra, perde-a
perante as pessoas verdadeiramente honestas, que o consideram como um escravo
do orgulho, do ódio e da crueldade. De mais, a honra não tem relação alguma com
a força física, aliás os mais fortes seriam sempre os mais honrados. De resto, fica bem a um homem
recorrer aos tribunais para procurar justiça e é próprio de um cristão sofrer a
injúria com paciência. Assim dá provas de heroísmo sublime.