A Vida Espiritual explicada e comentada
Adolph Tanquerey
A preguiça é um vício anexo à
sensualidade, porque vem, afinal, do amor do prazer, enquanto este nos leva a
evitar o esforço o incômodo. Há, efetivamente, em todos nós uma atividade ao
menor esforço, que nos paralisa ou diminui a atividade. Exponhamos:
1.º a sua natureza;
2.º a sua malícia;
3.º os seus remédios.
1. ° Natureza. A) A preguiça é uma tendência à ociosidade ou ao menos à
negligência, ao topor na ação. Às vezes é uma disposição mórbida que vem do mau
estado da saúde. As mais das vezes, porém é uma doença da vontade, que teme e
recusa o esforço. O preguiçoso quer evitar qualquer trabalho, tudo quanto lhe
pode perturbar o sossego e arrastar consigo fadigas. Verdadeiro parasita, vive,
quanto pode, a expensas dos outros. Manso e resignado, enquanto o não
inquietam, impacienta-se e irrita-se, se o querem tirar da sua inércia.
B) Há graus diversos na preguiça.
a) O desleixado ou indolente não se
move para cumprir o seu dever senão com lentidão, moleza e indiferença; tudo o
que faz, fica sempre mal feito.
b) O ocioso não recusa absolutamente
o trabalho, mas anda sempre atrasado, vagueia por toda a parte sem fazer nada,
adia indefinidamente a tarefa de que se encarregara.
c) O verdadeiro preguiçoso, esse não
quer fazer nada que fatigue, e mostra aversão pronunciada para qualquer
trabalho sério do corpo ou do espírito.
d) A preguiça nos exercícios de
piedade chama-se acédia: é um certo fastio das coisas espirituais que leva a fazê-las
desleixadamente, a encurtá-las, e até às vezes a omiti-las por vãos pretextos.
É a mãe da tibieza, de que falaremos a propósito da via iluminativa.
2. ° Malícia. A) Para compreendermos a malícia da preguiça, cumpre-nos
recordar que o homem foi feito para o trabalho. Quando Deus criou o nosso
primeiro pai, pô-lo num paraíso de delícias, para que nele trabalhasse: «ut operaretur et custodiret illum[1]».
É que, efetivamente, o homem não é como Deus, um ser perfeito; tem numerosas
faculdades que, para se aperfeiçoarem, necessitam de operar: é pois, uma exigência
da sua natureza trabalhar para cultivar as potências, prover às necessidades
do corpo e alma, e tender assim para o seu fim. A lei do trabalho precede,
pois, a culpa original. Mas, depois que o homem pecou, tornou-se para ele o
trabalho não somente uma lei da natureza, senão também um castigo, isto é, tornou-se
penoso, como meio que é de reparar a sua falta. Com o suor do rosto havemos de
comer o nosso pão, tanto o pão da inteligência como o pão que nos alimenta o
corpo: «in sudore vultus tui vesceri pane[2]».
Ora, a esta dupla lei, natural e
positiva, é que o preguiçoso falta; comete, pois, um pecado, cuja gravidade se
mede pela gravidade dos deveres que descura.
a) Quando chega a omitir os deveres religiosos
necessários à própria salvação, há falta grave. O mesmo se diga, quando
despreza voluntariamente, em matéria importante, algum dos seus deveres de
estado.
b) Quando este torpor o não leva a descurar
senão deveres religiosos ou civis, de menor importância, não passa de venial o
pecado. Mas a ladeira é resvaladia; se não se luta contra a negligência, não
tarda esta em se agravar, tornando-se mais funesta e culpável.
B) Quanto à perfeição, é a preguiça
espiritual um dos obstáculos mais sérios, por causa dos seus funestos resultados.
a) Torna-os a vida mais ou menos estéril.
Pode-se efetivamente, aplicar à alma o que a Sagrada Escritura diz do campo do
preguiçoso:
«Passei
perto do campo dum preguiçoso, e perto da vinha dum insensato. E eis que os
espinhos ali cresciam por toda a parte, as silvas cobriam-lhe a superfície, e o
muro de pedra estava por terra... Um pouco de sono, um pouco de sonolência, um
pouco cruzar as mãos para dormir, e a tua pobreza virá como um vagabundo e a
tua indigência como um homem armado[3]»
E exatamente o que se encontra na
alma do preguiçoso: em lugar das virtudes, são os vícios que lá crescem, e os
muros, que a mortificação tinha elevado para proteger a virtude, caem pouco e
pouco, preparando o caminho à invasão do inimigo, isto é, do pecado.
b) Dentro em breve, efetivamente, se
tornam mais veemente e importunas as tentações: «porque a ociosidade ensinou
muito mal, multam malitiam docuit
otiositas[4]».
Foi ela que, com o orgulho, perdeu Sodoma: «Eis
qual foi o crime de Sodoma: o orgulho, a abundância e o repouso sem cuidados em
que vivia com sua filhas[5]».
É que, na verdade, o espírito e o coração do homem não podem estar inativos: se
não se absorvem no estudo ou me qualquer outro trabalho, são logo invadidos por
um sem-número de imagens, pensamentos desejos e afetos; ora, no estado de
natureza decaída, o que domina em nós, quando não reagimos contra ela , é a
tríplice concupiscência; serão, pois, pensamentos sensuais, ambiciosos,
orgulhosos, egoístas, interesseiros, que tomarão o predomínio em nossa alma,
expondo-a ao pecado.
C) Não é, pois, somente a perfeição
da nossa alma que está aqui em jogo, mas até a sua eterna salvação. Porque,
além das faltas positivas em que nos faz cair a ociosidade, só o fato de não
cumprirmos os nossos deveres importantes é causa suficiente de reprovação.
Fomos criados para servir a Deus e cumprir os nossos deveres de estado, somos
operários enviados por Deus para trabalhar na Sua vinha. Ora o Senhor não exige
somente aos obreiros que se abstenham de fazer mal; quer que trabalhem. Por
conseguinte, se, sem cometermos atos positivos contra as leis divinas, cruzamos
os braços, em vez de trabalharmos, não nos há de o Senhor exprobrar, como aos
obreiros, a nossa ociosidade: «quid
statis tota die otiosi?». A árvore estéril, só pelo fato de não produzir
fruto, merece ser cortada e lançada ao fogo: «omnis arbor, quae non facit fructum bonum, excidetur et in ignem
mittetur[6]»
3.
° Remédios. A) Para curar o
preguiçoso, é necessário antes de tudo inculcar-lhe convicções profundas sobre
a necessidade do trabalho, fazer-lhe compreender que ricos e pobres estão sujeitos
a esta lei e que basta faltar a ela para incorrer na eterna condenação. E esta
a lição que nos dá Nosso Senhor Jesus Cristo na parábola da figueira estéril.
Três anos a fio vem o dono buscar os frutos; não os encontramos, dá ordem ao
pomareiro que corte a árvore: «succide illam,
ut quid etiam terram occupat?[7]»
E ninguém diga: eu sou rico, não
tenho necessidade de trabalhar. - Se não precisais de trabalhar para vós
mesmos, deveis fazê-lo para os outros. É Deus, vosso Senhor, que vo-lo manda:
se vos deu braços, cérebro, inteligência, recursos, foi para que os utilizásseis
para Sua glória e para bem de vossos irmãos. E certo que não são as obras de
caridade ou zelo que faltam: quantos pobres para socorrer, quantos ignorantes
para instruir, quantos corações aflitos para consolar, quantas empresas para
fundar, a fim de dar trabalho e pão aos que o não têm! E quem pretende fundar
uma família numerosa, não tem que sofrer e trabalhar para assegurar o futuro
dos filhos? - Ninguém esqueça, pois, a grande lei da solidariedade cristã, em
virtude da qual o trabalho de cada um é útil para todos, enquanto a preguiça
danifica o bem geral, como o particular.
B) Às convicções cumpre juntar o esforço
consequente e metódico, aplicando as regras traçadas acerca da educação da
vontade (n. 812). E, como o preguiçoso recua instintivamente perante o esforço,
importa mostrar-lhe que não há, afinal, ninguém mais infeliz que o ocioso: não
sabendo como empregar ou, segundo a sua expressão, matar
enfada-se,
desgosta-se de tudo, e acaba por ter horror à vida. Não vale mais fazer um
esforço para se tornar útil e conquistar um pouco de felicidade, ocupando-se
em fazer felizes à volta de si mesmo?
Entre os preguiçosos, há alguns que
desenvolvem uma certa atividade mas unicamente em jogos, desportos, reuniões
mundanas. A estes, necessário lembrar-lhes a seriedade da vida e o dever de se
tornarem úteis para que dirijam a atividade para um campo mais nobre e tenham
horror de ser parasitas. O matrimônio cristão, com as obrigações de família que
traz consigo, é muitas vezes excelente remédio: um pai de família sente a
necessidade de trabalhar para os filhos e de não confiar a estranhos a
administração dos seus bens.
Mas o que nunca se deve cessar de
lhes recordar é o fim da vida: estamos aqui, na terra, não para vivermos como
parasitas, senão para conquistarmos, pelo trabalho e pela virtude, um lugar no
céu. E Deus não cessa de nos dizer: Que fazeis aqui preguiçosos? Ide também
trabalhar na minha vinha. «Quid hic
statis tota die otiosi?... Ite et vos in vineam meam[8]».
[1] Gn 2, 15.
[2] Gn 3, 19.
[3] Pr 24, 30-31.
[4] Eclo 33, 29.
[5] Ez 16, 49.
[6] Mt 3, 10.
[7] Lc 13, 7.
[8] Mt 20, 6-8.