A Igreja e seus mandamentos
por
Monsenhor Henrique Magalhães
Editora Vozes, 1946
OS
SUCESSORES DE PEDRO[1]
5
de Setembro de 1945
Já
vimos Pedro, feito por Jesus pedra angular de Sua Igreja; constituído chefe do colégio
apostólico; recebendo as chaves do Reino dos céus, com o poder de ligar e
desligar. Prossigamos.
— Pedro foi feito pedra e fundamento da Igreja, para a conservar segura e
invencível contra os assaltos e ataques dos inimigos que, mercê de Deus, nunca
lhe têm faltado.
E
digo mercê de Deus, porque nada pior para a Igreja do que navegar em mar de
rosas. Apodera-se logo dos seus membros a indisposição para o trabalho na seara
espiritual. Para que esforços e canseiras — se tudo vai tão bem, se todos que nos
rodeiam são bons amigos e só têm para nós amabilidades e sorrisos?!... —
Ribomba o trovão, cortam os ares os coriscos, relâmpagos intermitentes clareiam
com a luz fantástica toda a terra... — e a tormenta que se aproxima! e a
cristandade desperta, dispõe-se a lutar em defesa da sua fé.
Quanto
benefício não têm já feito à Igreja seus ferozes inimigos, nos dias sombrios
que estamos vivendo! — Um despertar de vida se manifesta de uma extremidade a
outra do Brasil. Feridos em seus brios, ameaçados em suas mais queridas
tradições, os católicos cerram fileiras em torno da cruz de Jesus Cristo,
dispostos à luta na defesa do altar, da família e da Pátria!
Mas...
vamos adiante. — Pedro recebeu as chaves do Reino com o poder de ligar e
desligar; estes privilégios, entretanto, criados para beneficiar a humanidade,
hão de prevalecer enquanto existir a humanidade.
Pedro
é distinguido com o múnus de apascentar cordeiros e ovelhas; esta missão ficará
de pé enquanto houver cordeiros e ovelhas, enquanto existir no mundo o rebanho
do eterno Bom Pastor!
Pedro,
como chefe dos apóstolos, estava presente quando o Cristo disse: “Eis que eu
estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos”. Essas palavras não
se referem ao fim da idade apostólica mas evidentemente ao fim do mundo.
Recorramos
à história, considerada universalmente mestra da verdade.
Nos
primeiros séculos da Igreja vemos os escritos de São Clemente,[2] Papa no ano 92, e Santo
Inácio mártir;[3] no século segundo, de Santo Irineu:[4] — são claras as
referências ao primado do Romano Pontífice.
Não
posso deixar de citar, todavia, a interessante passagem que se encontra no
tratado “De Pudicitia” de Tertuliano, capítulo primeiro. O autor tinha já
resvalado no erro dos montanistas. Entretanto, bem contra a sua vontade,
escreve: “Ouço também dizer que fora publicado um edito, e peremptório, a
saber: O Pontífice Máximo, isto é, o Bispo dos Bispos, decreta...” etc. e São
Cipriano não é menos explícito, no parágrafo 5.° da epístola 40.a, ao povo:
“Deus é um, Cristo é um; uma é a Igreja e a Cátedra, fundada sobre a pedra,
pela palavra do Senhor”. — E adiante: “Certamente os outros apóstolos eram o
que foi Pedro, adornados de igual participação de honra e poder, mas o
princípio parte da unidade e o primado é dado a Pedro, para que a Igreja de
Cristo se mostre uma e uma a sua cátedra”.
Na
epístola 45 o mesmo Cipriano chama a sede romana de “raiz e matriz da Igreja
católica”. Na epístola 67 lemos que ele se dirigiu ao Sumo Pontífice Estevão,
pedindo que “excomungasse a arciano, Bispo de Arles, que seguira o partido de
Novaciano, e que o fizesse substituir por outro”.
Santo
Agostinho, referindo-se à Igreja de Roma, em sua carta 43, contra os
Donatistas, diz que “naquela sede sempre vigorou o principado da Cadeira
apostólica”.
Esta
é a doutrina dos Concílios. No de Calcedônia, em 451, vemos aquela frase
célebre: “Pedro falou pela boca de Leão”. Vemos a mesma verdade exposta nos
Concílios de Constantinopla e Florença. Os demais Concílios não discrepam, até
ao último — do Vaticano, — que proclama dogma de fé a infalibilidade.
Logo,
— Jesus Cristo fez de Pedro o chefe supremo de Sua Igreja e os mesmos privilégios
concedidos a Pedro são conferidos aos sucessores do Príncipe dos apóstolos,
isto é, a cada um dos Papas, até à consumação dos séculos.
Notas:
___________________
[1] Sobre o Romano Pontífice – ver meu livro “O Decálogo” páginas 156 a 201.
[2] Epístola aos Coríntios.
[3] Epístola aos Romanos.
[4] Contra os hereges, livro III, c. 3.