CONSELHOS SOBRE A VOCAÇÃO
Padre J. Guibert
(Superior do Seminário do Instituto Católico de Paris)
edição de 1937
1. Conservar o coração.
92.
— O coração precisa ainda de mais vigilância do que o espírito. Encontram-se
certas vocações que experimentam poucos assaltos do lado do espírito; mas não
há nenhuma que não sofra grandes provações do lado do coração. Conservar
o coração significa conservar a pureza. Quanto mais cara for a santa virtude
para vós, tanto mais zeloso sereis para preservar vosso coração de toda mancha.
Precisareis
que alguém vos explique o que é para vós a virtude da pureza? Não é ela a
condição mesma de vossa vocação? Se não quiserdes dedicá-la a Deus, se não
estiverdes com a resolução de guardá-la intacta durante toda a vida, se não
puderdes conter-vos, não entreis em religião, não façais voto de castidade perfeita:
no mundo em que vivereis, vossos sentidos não serão acorrentados de modo tão
rigoroso, o estado do matrimônio será remédio à concupiscência. Mas estai com
vontade de deixar o mundo, custe o que custar querei pronunciar e observar os
votos sagrados de religião sede então perfeitamente resolvido a guardar a mais
estrita, a mais completa castidade de atos e de desejos.
Esta
angélica pureza, a honra e o ornamento dos padres e dos religiosos, é uma
pérola preciosa que levamos em um vaso de lodo. Com a menor facilidade ela toca
o vaso e perde o brilho, razão pela qual não se conserva senão à custa dos
cuidados mais vigilantes. Prometer a castidade por um voto e depois acreditar
que esta virtude se conserva sozinha, é expôr-se a perdê-la; uma vez prometida,
precisa ser guardada com a mais constante solicitude.
93.
— Mas que fazer para conservar o coração ao abrigo de qualquer mancha?
Abster-se, ao mesmo tempo, dos atos que o sujem e dos atos que o enfraqueçam.
É
o pecado de impureza que suja o coração. Este desgraçado pecado pode consistir
tanto em atos interiores como em atos exteriores. O hábito de pensar com gosto
em más imaginações ou de tolerar desejos carnais, mata a alma do mesmo modo que
o hábito de procurar criminosas satisfações no exterior.
Não
acrediteis que sereis isento de tentações. As almas mais puras são tentadas:
com muito maior razão, se já pecastes, haveis de ser violentamente batido pelas
tempestades das baixas paixões. O que é preciso obter, mesmo ao preço dos
maiores esforços, custem o que custarem, a primeira vitória a ganhar contra vós
mesmos, não é de não experimentar a tentação, mas é de não sucumbir à tentação.
— Para conseguir este resultado, revelai tudo a vosso confessor: dizei-lhe
todos os casos duvidosos para que não fiqueis com a consciência ansiosa;
dizei-lhe mesmo as tentações às quais não sucumbistes. Auxiliado por ele,
amparado pela graça de Deus, fortificado por uma energia maior na vontade,
chegareis ao ponto de não pecar mais. À medida que se aumentar o tempo de vossa
fidelidade, crescerá também a facilidade da vitória. No começo, três meses
passados sem pecado serão um princípio de virtude: em breve, um ano sem culpa
vos dará a esperança da perseverança; depois de muitos anos de vida pura,
podereis acreditar que o coração não será mais atacado.
94.
— Tudo isto debaixo de uma condição importante: é que preservareis vosso
coração de tudo quanto o enfraquece. Não há virtude, por mais forte e provada
que seja, que possa resistir com os imprudentes. «Aquele que se expõe ao
perigo, há de perecer.» Ora, enfraquecer o coração é arrojá-lo no perigo.
Que
coisa enfraquece o coração? — Qualquer prazer sensual. A mortificação o
fortalece e conserva; o prazer sensual o debilita e desarma.
Não
falo aqui de todos os prazeres; porque o homem não pode viver neste mundo sem
gozar de algum modo. Mas o religioso que consagrou o coração a Deus, não deve
aceitar senão os gozos elevados e recusar todos os prazeres baixos. Notai que
não entendo aqui os gozos vergonhosos que são já por si mesmos verdadeiros pecados:
falo de gozos inofensivos em si mesmos, mas que criam um perigo real para um
coração dedicado á pureza perfeita. Eis alguns exemplos.
Nada
é mais necessário do que beber e comer.
As
privações neste ponto não trazem muita vantagem para a virtude: porque poderiam
tornar alguém incapaz de trabalhar sem garanti-los de tentação alguma. Mas um
organismo alimentado com demasiada abundância e delicadeza torna-se depressa um
escravo revoltado cujas paixões se reprimem com extrema dificuldade. Tomar
apenas uma alimentação moderada, abster-se de qualquer licor e bebida alcoólica
ou excitante, eis, não há dúvida, excelentes meios para conservar a virtude em
segurança.
95.
— Do mesmo modo, o sono é indispensável: a não ser que haja uma disposição
particular, aprovada pelos Superiores, as vigílias prolongadas devem ser
proibidas ao religioso. Mas igualmente o sono deve ser moderado: o levantar
pronto de manhã, a luta contra qualquer sono durante o dia, a virilidade no
porte, mesmo na vida privada, eis ainda excelentes meios para conservar a alma ativa
e disposta para lutar contra a tentação.
96.
— Os prazeres da vista contam entre os mais perigosos atrativos do mal: por
estas janelas da alma, a tentação penetra com extrema rapidez. Quem quiser
preservar seu coração, deve conservar vistas modestas, porque é sobretudo pelas
vistas que o coração se cativa. Se tiverdes cuidado de vossa virtude, não
deixareis as vistas demorar-se em quadros pouco decentes, em pessoas de sexo diferente:
não procurareis na leitura de livros apaixonados, como os romances, um perigoso
alimento para vossa imaginação.
97.
— Enfim, a própria amizade, tão nobre em si mesma, tão elogiada pelo Espírito
Santo na Sagrada Escritura e pelos maiores Doutores da Igreja, tem uma
contrafação de que ninguém se pode preservar com bastante cautela. Tal
contrafação tem igualmente o nome de amizade; afim de não ser confundida com a
verdadeira e virtuosa amizade, recebe muitas vezes o nome de amizade
particular. É apaixonada, inquieta e agitada, baseia-se nas feições exteriores
da fisionomia ou no timbre da voz, procura as satisfações sensuais das
conversas íntimas, dos olhares lânguidos, dos apertos de mão. É um flagelo para
as almas que devasta e para as comunidades que divide e escandaliza. Nenhum
gozo é mais pernicioso; se não der a morte, depõe na alma os germens mais
mortíferos. Não vos admireis de experimentar os primeiros indícios de tão
grande mal: é coisa demasiado humana para serdes totalmente isento dela. Mas
renunciai sem hesitar a todas as relações que teriam para vós este caráter de
sensualidade.
Graças
a esta vigilância, vosso coração não ficará ressequido, mas apenas bem
conservado. Podereis ter o coração na mão para extrair dele tesouros de
dedicação; ao mesmo tempo tereis a mão no coração para que nada vo-lo arrebate.