CONSELHOS SOBRE A VOCAÇÃO
Padre J. Guibert
(Superior do Seminário do Instituto Católico de Paris)
edição de 1937
4.º
O zelo apostólico.
87.
— E para que trabalhar tanto? Para ser, na Igreja, um útil operário de Deus. É
que, em resumo, queremos estabelecer o reino de Deus, e, por este meio,
arrancar as almas ao império do mal e fazer-lhes ganhar o céu. O
pensamento de um fim tão sublime deve dominar tudo em nossa vida. É para sermos
mais úteis a Deus e aos homens que nos alistamos no exército da religião.
No
começo, a vocação não vos aparecia claramente com esta orientação. A graça de
Deus, com efeito, vos transformou pouco a pouco. No princípio atraia-vos pela
beleza das cerimônias, pelos suaves encantos da vida religiosa. À medida que
crescestes, alargou vosso coração e revelou vossas aspirações. Reconhecereis
que ela se tornará todo poderosa em vós quando o zelo apostólico tomar posse de
todo vosso ser.
Durante
os anos de vossa formação religiosa, abri vossa alma, o mais que puderdes, às
sugestões do zelo. Pois que Deus vos amou tanto, poderíeis recusar de
defender-lhe os interesses? Pois que Jesus Cristo deu a vida para nos salvar,
como havíamos de hesitar em dar a nossa por ele? Estas almas, pelas quais verteu
todo o sangue, que Lhe custaram tanto, que o pecado ou o erro Lhe arrebatam
cada dia, não quereis trabalhar para ganhá-las de novo a Ele? Se tiverdes um
pouco de coração, não tereis compaixão de tantos pecadores, que uma corrente
fatal leva para a eterna reprovação? A estas almas que vão perecer nas chamas
do inferno, não quereis estender um braço salvador?
Quando
todas estas perguntas existem em um coração generoso, provocam infalivelmente o
zelo apostólico. Tal zelo já existe em vós: rogai a Deus para que lhe avive a
chama. Debaixo da ação destes ardorosos entusiasmos, tereis apenas um desejo:
Que atos será preciso fazer para salvar almas?
Que
fazer? Oh! a resposta é fácil. Em primeiro lugar mostrai-vos cada vez mais
digno de vossa vocação: deste modo aumentarei a prosperidade da Sociedade de
que sois membro e ela cumprirá melhor seu papel apostólico entre os homens.
Depois, em vossa vocação, esforçai-vos por adquirir um elevado valor
intelectual e moral: deste modo, onde estiverdes colocado, deixareis o vestígio
de Deus, preparareis a divina colheita das almas para o céu. Agora mesmo, por
vossas orações e por um ardente zelo em vossas relações, podeis já atingir as
almas e desempenhar eficazmente sobre elas vossa missão de apóstolo.
III.
A CONSERVAÇÃO
88.
— Se a vocação vos parecer de tão subido valor, que a estimeis mais do que
qualquer tesouro, não será justo que veleis sobre ela com o maior cuidado? Objeto
delicado e precioso, a vocação pode perder-se como um cristal que se quebra, ou
como um fruto que se estraga. Aliás quem ainda não viu vocações perder-se?
Entre tantas almas chamadas por Deus, quantas, depois de correr com ardor no
bom caminho, param de repente no meio de sua belíssima vocação?
A
vocação se perde de três modos: às vezes o espírito se extravia em falsas
idéias, outras vezes o coração se corrompe pelo amor dos prazeres mundanos,
enfim a vontade cede debaixo do peso dos deveres. Ensinar-vos a conservar o
espírito, o coração e a vontade, será dar-vos o segredo de preservar vossa
vocação.
Quer
estejais ainda no mundo, ou tenhais já entrado numa casa religiosa, os perigos
são os mesmos, as precauções que vou indicar são igualmente necessárias.
1. Conservar o espírito.
89.
— Em primeiro lugar, cuidai de vosso espírito e conservai-o são.
Notai
bem que são as idéias que vos guiam. Se sentistes o desejo de vos dar a Deus
na vida sacerdotal ou religiosa, é que tivestes uma fé viva. Acreditastes em
Deus, em Jesus Cristo; pensastes que a salvação é a única coisa necessária
neste mundo; por meio de vossa própria salvação, quisestes arrancar outras
almas à morte eterna. Persuadido de que Jesus Cristo deve reinar sobre os
homens, tomastes a resolução de alistar-vos como soldado na milícia d’Ele, para
auxiliá-lO na conquista de todas as almas. Pareceu-vos depois evidente que
havíeis de ser um melhor soldado renunciando a viver no mundo e abraçando a
vida religiosa. Enfim a comunidade em que viveis vos pareceu ser o melhor meio
de alcançar este fim tão desejado.
Não
será esta, toda a série de vossos raciocínios? Estas idéias, fortemente ligadas
umas às outras, não formarão a base inabalável na qual descansa o edifício de
vossa vocação?
90.
— Imaginai agora que estas idéias desapareçam uma depois de outra, com que
coisa ficará? Imaginai que alguém vos inspire para com os superiores e a
comunidade uma desconfiança e uma suspeita que resfriem ou apaguem vossas simpatias;
imaginai que os sacrifícios religiosos vos apareçam logo como inúteis,
contrários à natureza, acima das forças humanas; imaginai em seguida que a vida
no século vos pareça muito mais razoável e vos solicite por atrativos mundanos;
enfim imaginai que a raiz mesma da fé seja atingida pela dúvida e hesiteis
sobre o próprio valor de vossas primeiras crenças. Que poderá ficar de vossa
vocação? Depois de ter sido solapada pela base em tantos assaltos sucessivos,
não há de desmoronar-se como, uma casa da qual se destruíram os alicerces?
91.
— E como tal trabalho de destruição poderá operar-se? Debaixo da dupla
influência das conversas demasiado livres e dos livros perigosos. É lentamente,
de modo quase imperceptível, que o trabalho fatal se realiza: começado pela
palavra envenenada de falsos amigos, consome-se pelo mau livro.
No
começo, emitem-se queixas, críticas em vossa presença. Como nenhuma coisa
humana é perfeita, em breve estais descobrindo reais defeitos nos homens que
vos cercam, verdadeiros inconvenientes na vida que abraçastes. Se o fervor não
vos conservar, haveis de vos extraviar em um caminho péssimo. Em breve,
cessareis de ver as qualidades dos homens e as vantagens das instituições para
notar apenas as fraquezas. Chegará o momento em que vós também criticareis,
queixar-vos-eis.
No
começo, vossas palavras irão mais longe do que vossos pensamentos e sentireis
algum pesar no fundo do coração; mas, pouco a pouco, vossas idéias
harmonizar-se-ão com vosso coração e pensareis até mais do que ousareis dizer.
Então, virá o tempo dos desânimos: quando a vontade não segue mais o dever, o
espírito cessa de estimá-lo. Volvendo o olhar para o mundo, vê-lo-eis sorrir e
chamar-vos. Quantas idéias de aventuras atravessam a cabeça nas horas de relaxamento!
As
sugestões dos falsos irmãos e da tibieza, virão unir-se as dos livros
perigosos. O livro é, com efeito, o companheiro do homem que está aborrecido;
mas no aborrecimento causado pela tibieza, não é o bom livro que agrada; os
livros religiosos parecem enfadonhos. Procuram-se livros mundanos. Às
escondidas, então, bebe-se com avidez nestas fontes envenenadas que estragam,
ao mesmo tempo, o espírito e o coração. Se o coração somente estivesse atacado,
haveria meio de curá-lo; mas será possível curar as doenças do espírito? No
meio dos livros modernos, há uma tal atmosfera de incredulidade, que uma alma
já enfraquecida não pode respirar este ar mefítico sem perder a vida da fé!
Vosso
lugar, desde então, não é mais no seminário ou no noviciado. Parai: ir mais
adiante seria um odioso sacrilégio e irreparável desgraça. O verme roedor
estragou todas as raízes; a árvore da vocação fenece seca e morre por falta de
seiva. Deixai-a cair.
Esta
lamentável história, por acaso, será a vossa jovem amigo? Espero que não; ao
menos estais querendo o contrário. Como preservar-vos? Pela fuga dos primeiros
ataques do mal. Preservai-vos dos falsos amigos que criticam: suas bocas
destilam o mais mortífero veneno. Preservai-vos dos livros não aprovados por
vossos superiores e que não podeis ler diante de todos: nestes caminhos escuros
e retirados estão escondidas mil ciladas contra vossa vocação.