A Igreja e seus mandamentos
por
Monsenhor Henrique Magalhães
Editora Vozes, 1946
FORMA
DO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA
17
de Julho de 1940
A
forma do Sacramento da Penitência são as palavras que o Sacerdote pronuncia,
ministrando a absolvição dos pecados acusados pelo penitente, culminado nestas
expressões: “Eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo”. Fala
o sacerdote, mas não em seu próprio nome. Ele evoca a Trindade Santa. “Façamos
o homem à nossa imagem e semelhança ...” — é a portentosa frase da criação do
rei da natureza! — “Eu te absolvo”... — é a renovação da imagem da Trindade,
que o pecado do homem afeou e fez obscurecer sua alma, entenebrecida pelo mal!
Prossigamos
em nosso estudo. E não é sem razão que eu estou desenvolvendo, na medida do
possível, estes pontos da doutrina, tão esquecidos de uns e inteiramente
ignorados de outros. — A confissão praticada conscienciosamente é uma autentica
obra prima, como terei ocasião de vos mostrar.
A
graça comunicada por este sacramento é chamada — graça de ressurreição — pois
faz reviver a alma morta pela falta grave; é graça que cura as chagas do mal;
é graça de reconciliação integrando-nos na amizade de Deus, que é realmente o
nosso melhor amigo!
Se
o penitente apresenta apenas faltas veniais, o quarto sacramento aumenta as
forças vitais da alma, descontando mesmo, ao menos em parte, as penas devidas
pelo pecado.
As
obras praticadas em estado de graça chamam-se obras vivas. — Mortas, as
praticadas em estado de pecado mortal; não são meritórias para a vida eterna.
Um
cristão realiza, com sua alma unida a Deus, uma série de atos bons. São atos
praticados na Caridade, isto é, no amor, que os satura e ilumina. Mais tarde
esse mesmo cristão comete uma falta grave. Sua alma está morta. Apagou-se a luz
da caridade. As obras feitas nesse deplorável estado são mortas; e tudo quanto
ele fez em caridade perdeu seu brilho, ficou amortecido. — Movido pela graça
paternal de Deus, que não quer a morte do pecador, mas sim que ele se converta
e viva, esse cristão confessa os seus pecados, recebe a absolvição sacramental,
sua alma ressuscita e todas as boas obras praticadas em estado de graça, antes
do pecado grave, revivem maravilhosamente, constituindo de novo um penhor de
vida eterna. Pois Deus é justo e não se esquece das ações meritórias,
praticadas sob o influxo do seu amor santíssimo!
UTILIDADE
DA PENITÊNCIA
18
de Julho de 1940
Concluindo
o nosso rápido estudo sobre o Sacramento da Penitência, veremos hoje — “A
natureza e a graça — o grande Tribunal”.
A
razão humana, não perturbada de preconceitos ou de vícios, proclama a utilidade
da confissão — da parte de Deus, a parte do homem, da parte da sociedade.
Temos
o homem prevaricando por efeito da sua natureza decaída, desde a culpa
original. É um revoltado contra a lei de Deus, que ele calcou aos pés,
deixando-se dominar pelas paixões. Tocado da graça, reconhece o seu erro.
Confessa lealmente os seus pecados. — Que bela satisfação ele dá ao mesmo Senhor
ofendido, magoado, desprezado!
A
Confissão glorifica a Deus do modo que lhe é mais agradável — pela humildade.
Isto foi o que ensinou explicitamente Jesus Cristo. Demais se o homem pecou por
orgulho — cabeça e origem de todos os demais pecados, pagar seu crime por um
ato de humildade — é coisa inteiramente de acordo com a sã razão.
Da
parte do homem, a Confissão é útil. Primeiro dá-lhe a paz de espírito — bem de
valor inestimável. Inúmeros são os que depois de receberem o augusto Sacramento
da reconciliação, sentem-se aliviados, como se lhes tivessem tirado do coração
um grande peso insuportável. Se um simples desabafo a um amigo que nos
compreende é tão confortador, que diremos de um desabafo a quem recebeu ordem
expressa de Jesus, para perdoar pecados, purificando a alma de todas as manchas
que causam sua perturbação?
Em
segundo lugar, lembremos que a Penitência é um estímulo para a virtude, um
dique contra o mal, um freio às paixões, ainda as mais violentas e sedutoras. —
A graça transforma o homem, ajudando-o a vencer a natureza corrompida.
Da
parte da sociedade, a confissão é meio eficaz de saneamento moral. Integrando o
homem no caminho do bem, este sacramento lhe proporciona os meios necessários
para se tornar útil aos seus semelhantes. Um coração onde Deus habita, pela
graça, está sempre disposto a amar o próximo e a lhe fazer todo bem possível.
Avivando
na alma do penitente os seus deveres para com a autoridade civil, a confissão
aperfeiçoa o cidadão, tornando-o mais útil à sua pátria, pelo seu espírito de
sacrifício e disciplina.
Quantos
inimigos se têm reconciliado pelos conselhos que recebem nesse admirável
tribunal? E as restituições? — não têm conta. Eu mesmo já fui portador de duas
quantias vultosas a seus legítimos donos, fruto de confissões leais, sinceras.
Espontaneamente esses homens me entregaram as importâncias subtraídas,
indicando-me os que haviam sido lesados. Como é de praxe, cumpri minha missão,
com grande espanto dos senhores que receberam o dinheiro e passaram o recibo
respectivo, sem ao menos suspeitarem da procedência de tais quantias...
Eis
a utilidade da Confissão — esse tribunal divino, onde o réu comparece
espontaneamente, acusa-se de faltas que, muitas vezes, só ele e Deus conhecem —
acusa-se sem se defender — e, se ele se arrepende, a sentença é sempre a
absolvição!
NOTA
SOBRE AS INDULGÊNCIAS
Indulgência
é a remissão da pena temporal devida a Deus pelos pecados já perdoados quanto à
culpa. Esta remissão é outorgada fora do Sacramento da Penitência, pela
aplicação do tesouro da Igreja; pelos vivos, por modo de absolvição, e pelos
mortos, por modo de sufrágio. O Concílio de Trento ensina que a Igreja tem o
poder de conceder indulgências que são de grande vantagem para os fiéis.[1]
Por
indulgência de 100, 200 dias, 7 anos, 7 quarentenas, entende-se a remissão da
pena que se perdoava antigamente pela penitência canônica por tempo
correspondente. Assim por indulgência de 7 anos se remite a pena que se remitia
pela penitência de 7 anos. Quarentena quer dizer quarenta dias.
É
preciso notar que ninguém pode saber o valor que, diante de Deus, tinham as
penitências canônicas. Também não sabemos a proporção entre as penas que nos
estão reservadas e o valor das nossas satisfações.[2]
Conclui-se
daí que devemos procurar lucrar o maior número de indulgências que nos for
possível, por nós e pelas almas do Purgatório.
Notas:
___________
[1] Sessão XXV, De Indulgentiis.
[2] Pastoral Coletiva, 473 e seguintes.