CONSELHOS SOBRE A VOCAÇÃO
Padre J. Guibert
(Superior do Seminário do Instituto Católico de Paris)
edição de 1937
3.º
A formação profissional.
83.
— Este programa está muito acima dos esforços de um dia; mas não podereis
realizá-lo senão com a condição de conhecê-lo e tratar de executá-lo desde os
primeiros dias de vossa vocação.
Quando
Deus vos chamou, não se propôs apenas encher-vos das alegrias da vida
religiosa, colocar-vos mais seguramente no caminho da salvação eterna:
designou-vos para uma missão especial, reservou para vós uma parte do trabalho
que se faz na santa Igreja. As pessoas do mundo nada entendem nesta vocação ao trabalho;
imaginam que não entramos na religião senão para evitar os incômodos dos
negócios e os cansaços de um penoso ofício. Deus nos livre que assim aconteça!
Temos que cumprir uma tarefa: no campo do trabalho, temos uma parte a cultivar.
Mas
nossa missão especial, tão laboriosa como sublime, exige ao mesmo tempo grande
energia de caráter e vastos conhecimentos profissionais. Pelos meios indicados
acima, adquirireis o vigor da vontade que faz aceitar todos os sofrimentos:
acrescentarei apenas algumas palavras sobre o modo de desenvolver vossas
aptidões.
A
Providência pôs em vós, em graus variados sem dúvida, aptidões para todas as
boas obras. Algumas predominam, entretanto; foram o motivo que vos determinou a
entrar em tal comunidade religiosa de preferência a qualquer outra. Cada
Sociedade possui seus trabalhos particulares: as aptidões que é preciso
desenvolver em vós, são portanto as mais próprias para vos fazer concorrer á
tarefa comum.
84.
— Na maior parte dos casos, este desenvolvimento começa por fortes estudos. Os
estudos são necessários, com efeito, não somente para o sacerdote e o educador,
que exercem a missão de instruir os homens, mas também para os religiosos
dedicados à caridade. Porque não estudamos apenas para educar os outros;
trabalhamos também para formar nossas almas, para adquirir ciência suficiente a
fim de ter prestígio e inspirar confiança, para realçar o brilho de nosso
estado.
Todo
o menino que Deus chamar à religião dedicar-se-á pois aos estudos. Mas os
estudos são custosos; nenhum trabalho pesa tanto como o trabalho intelectual.
Nos trabalhos manuais, o organismo se agita, o esforço provém apenas dos músculos,
a variedade produz certo interesse. Nos trabalhos intelectuais, o corpo sofre a
inação, a vontade padece para se concentrar em um assunto preciso, a memória se
aflige para lembrar e conservar os textos necessários, a monotonia pode gerar o
aborrecimento. É por isso que vários meninos perdem coragem: impotentes para
vencer as dificuldades do estudo, vão até renunciar á sua vocação.
O
mesmo não se dará convosco; não tereis medo do esforço que o trabalho
intelectual impõe.
85.
— Eis vários meios para evitar o desânimo.
Em
primeiro lugar, fecundai vosso trabalho pela oração. Não há nada que devais
mais recomendar a Deus como dar-vos luz e força para vossos estudos.
Diante
de uma dificuldade, rezai interiormente: muitas vezes, depois de alguns minutos
de oração, a luz penetra no espírito.
Embora
tivésseis ainda invencíveis obscuridades, não vos deixeis desanimar. O que não
entendereis hoje, haveis de entendê-lo amanhã. Para que inquietar-vos, se vosso
espírito tiver menos vivacidade que o do vizinho? Empregai vossas faculdades e
Deus estará contente convosco. Faculdades ordinárias, cultivadas com paciência,
dão, frequentes vezes, muito melhor resultado do que faculdades brilhantes mal
dirigidas.
Os
espíritos mais ordinários conseguem infalivelmente bom êxito quando trabalham
com ordem, calma e constância. — Pela calma evitareis a precipitação: o
importante não é fazer depressa, mas fazer bem. Um longo trabalho, mal feito,
não dá proveito: qualquer exercício aplicado, por mais curto que seja,
desenvolve o espírito. — Pela ordem e o método fareis cada coisa em seu tempo e
achareis tempo para cada coisa. Não empreenderei estudos acima de vossas forças;
não saíreis do programa traçado por vossos mestres. Vagarosa e seguramente,
seguireis vosso caminho com perfeição. — Enfim pela confiança, tereis feliz
êxito em tudo; alcançareis bom resultado nos estudos e dareis ao vosso espírito
todos os conhecimentos profissionais necessários em vossa missão.
86.
— Acima de tudo, tratai de adquirir o espírito de reflexão. É ótima coisa desenvolver
a memória, por ser ela um armazém que se deve encher de tesouros. Mas é muito
mais importante cultivar a inteligência: a inteligência trata de explicar tudo,
faz jorrar raios de luz entre os objetos de que se aproxima. Tomai a resolução
de compreender tudo nas leituras, nas lições. Notai os pontos em que vos falta
luz a fim de pedir esclarecimentos ao mestre.
Se
tiverdes a coragem de vencer qualquer inclinação à preguiça e à negligência, se
gostardes de entender tudo claramente em vossos estudos, alcançareis, sejam
quais forem vossas faculdades, um valor intelectual que vos tornará
poderosíssimo nas boas obras.