CONSELHOS SOBRE A VOCAÇÃO
Padre J. Guibert
(Superior do Seminário do Instituto Católico de Paris)
edição de 1937
A
FORMAÇÃO
74.
— Pela separação, ganhais a liberdade da qual usais para voar logo a Deus.
Achais Deus, cuja voz vos atraia no Seminário ou na Congregação religiosa onde
ides abrigar vossa juventude.
Mas
ainda nem tudo acabou. Pelo contrário, estais apenas no início de uma vida
nova, na entrada de uma carreira. Trata-se agora de trabalhar à vossa formação
para que sejais digno de vossa vocação e adquirais a habilidade necessária
para desempenhar utilmente todas suas obrigações.
Desde
o dia em que vosso diretor espiritual resolveu a questão de vossa vocação,
contraístes em consciência a obrigação de formar-vos. Portanto, quer estejais
ainda no mundo, quer tenhais entrado em um noviciado, vosso grande negócio
agora é o de vossa formação.
A
formação do sacerdote e do religioso compreende quatro partes: a vida
sobrenatural, o caráter, a habilidade profissional, o zelo apostólico.
A
vida sobrenatural.
75.
— Começareis por estudar o que é a vida sobrenatural: deveis ter santa avidez
de receber esta lição fundamental e para isto gostareis de ouvir as conversas e
leituras espirituais, assim como de estudar livros piedosos e ascéticos que
tratam deste ponto. No mesmo tempo, ireis bebê-la com abundância e santa avidez
na sua própria fonte, que é o coração mesmo de Jesus Cristo, por meio da oração
e dos sacramentos.
Não
vos admireis de que vossos mestres, logo que entrais em um seminário ou
noviciado religioso, tenham pressa em ensinar-vos esta ciência divina. Antes de
conhecer as ciências humanas, antes de fazer de vós um professor que ensine aos
outros, não é justo que alguém vos diga que vida interior deveis alimentar em
vossa alma? Nenhuma vida é sólida e meritória senão a vida sobrenatural que
Deus nos comunica.
76.
— Eis em poucas palavras o resumo do que aprendereis nesta matéria: Vossa alma
é um templo que Deus se reservou e onde habita como em um tabernáculo. —
Enquanto não pecardes mortalmente, Deus está presente em vós por Sua graça, e
todo o céu está com Ele. — No coração que o pecado suja, a graça foge e deixa
lugar ao demônio, que logo entra. — Mas não haveis de expulsar Deus da morada
de vosso coração, pois que estais com firme resolução de nunca pecar. — Se Deus
habita em vós, não é para ficar inativo, mas para viver.
Mas
como Jesus Cristo poderá viver em nós? Ali está o glorioso mistério de nossa
união com Deus. — Do trono em que está sentado em nossa alma, Jesus Cristo nos
ilumina o espírito, inspira grandes idéias, generosos projetos; fortifica a
vontade, dá-lhe a força de executar atos de coragem, serve-se de nós como que
de instrumentos dóceis para lhe cumprir as vontades. — Para Jesus não são
bastantes todos os atos de religião, de humildade, de mortificação, de
caridade, de dedicação que Ele mesmo cumpriu durante a vida; quer continuar, em
cada um dos fiéis, a glorificar seu Pai e a servir o próximo. 77. — O que faz
nosso merecimento, é que poderíamos impedi-lo de trabalhar em nós, poderíamos
arrancar-lhe o instrumento de que precisa. — O que faz a sublime grandeza de
nossos atos, é que o próprio Deus, por sua graça, os cumpre em nós.
Uma
vez instruídos disto, como poderíamos recusar de atender aos pedidos de Jesus?
Porque não havíamos de consultá-lo antes de cada um de nossos atos? Que
infidelidade não haveria em desagradar-lhe, mesmo por meio de simples imperfeições!
Quão grande se sente o cristão, pois que tem a certeza de poder repetir com S. Paulo:
«Vivo, sem dúvida, mas não sou mais eu que vivo, é Jesus Cristo que vive em
mim!»
Iniciado
em boa hora a esta sublime doutrina, tereis apenas um desejo, o de possuir com
abundância tão preciosa vida. Pedireis a vossos mestres a que fontes ela se
encontra e eles vos responderão: «Ide á oração e aos sacramentos.» — A oração é
o pão quotidiano do sacerdote e do religioso; gostar da oração deve ser o
primeiro ato de sua formação. Pela oração, entrais em comércio com Deus; quando
o adorais no céu, no tabernáculo ou em vosso próprio coração, travais conversa
com Ele. Nesta troca de palavras íntimas, Deus vos revela o que Ele é, o que
fez em vosso favor, o que está esperando; vós lhe dizeis o que estais sofrendo
e lhe entregais vossa vida. No momento em que o contemplais tão grande e tão
bondoso ao mesmo tempo, ides a ele com mais confiança; tendes a coragem de
lançar-vos nos seus braços com todas vossas misérias e vos deixar amoldar por
sua mão, impregnar por sua vida, transfigurar por sua graça. Felizes
comunicações da santa oração, donde voltais com a alma iluminada, o coração
abrasado, como Moisés ao sair do monte Sinai!
As
alegrias destas relações com Deus, haveis de gozá-las sobretudo no começo de
vossa formação. Tereis orações vocais, orações mentais; por toda a parte, Deus
virá a vosso encontro, com as mãos cheias de graça. Mesmo fora dos exercícios
de piedade, não perdereis de vista a Deus que está sempre presente em vós. Por
um recolhimento sem constrangimento, calmo e suave, ficareis unido a Ele. Uma
vez tomado o bom hábito da presença de Deus, não vos separareis mais d’Ele; até
no meio dos negócios, a lembrança d’Ele há de acompanhar-vos.
78.
— Mas o contato com Deus será ainda mais íntimo nos sacramentos. Pela
Penitência recebereis um acréscimo de vida. Pela Comunhão recebereis o próprio
Jesus, o autor da vida.
Será
possível recomendar-vos demais a frequente comunhão, a comunhão quotidiana?
Neste ponto, seguireis os avisos de vosso diretor espiritual; mas deveis
pedir-lhe com muita coragem e insistência que vos permita todos os dias ou
muitas vezes a santa comunhão. Recebermos o próprio Deus em nosso coração,
alimentarmo-nos da carne e do sangue de Jesus Cristo, que coisa maior e mais
nobre podemos invejar? Não receeis que vossa avidez desagrade a Deus; não
receeis tão pouco a vossa grande indignidade. Ide comer a bondade, a doçura, a
humildade, a própria força e haveis de ser um dia bom, suave, humilde e forte.
Baste esta palavra e acreditai que Jesus Cristo, recebido como se deve, há de
dar á vossa alma a formação necessária [1].
[1] Neste ponto seguir os conselhos de S. Santidade Pio X que aconselhou muito a
comunhão quotidiana a todos os fiéis e de modo especial aos aspirantes ao
sacerdócio e á vida religiosa.