segunda-feira, 1 de julho de 2013

Exercícios Espirituais para Crianças - Inferno (Primeira parte)

Nota do blogue: Acompanhe esse Especial AQUI.
Fr. Manuel Sancho, 
Exercícios Espirituais para Crianças
1955

PARTE PRIMEIRA
A conversão da vida do pecado à vida da graça
(Vida Purgativa. — 1.ª semana)


O INFERNO
(Castigo do pecado)

1. Risco que os pecadores correm de condenar-se. — 2. O temor do inferno, freio para não pecar. — 3. Eternidade do inferno. — 4. A pena de dano. — 5. Horror ao pecado, causa do inferno. — 6. Exemplos. — 7. Consequência desta meditação.

1. — “Um homem ia fugindo de um furioso unicórnio, que só com os seus bramidos fazia tremer os montes e ecoar os vales: fugindo desta maneira, sem notar aonde ia, caiu numa fossa profunda; mas, ao cair, estendeu as mãos para agarrar-se onde pudesse, e topou com os ramos de uma árvore que ali estava, à qual se agarrou fortíssimamente, e nela se deteve muito contente, pensando haver com isso escapado de um perigo. Mas, olhando para a raiz da árvore, viu dois grandes ratos, um preto e outro branco, que a estavam continuamente roendo muito à pressa, e que assim já estavam para dar com ele dali a baixo. 

Olhando depois o fundo da fossa, viu nela um disforme dragão que deitava fogo pelos olhos e o estava olhando com aspecto terrível, de boca aberta, esperando que ele caísse para tragá-lo. Depois, lançando os olhos a um la­do da parede da fossa a que estava arrimada aquela árvore, viu que ali estavam com as cabeças de fora quatro áspides peçonhentos, para mordê-lo mortalmente; mas, olhando também para as folhas da árvore, notou que algumas destilavam gotas de mel, com o que, muito contente, esquecido dos outros perigos que por tantos lados o ameaçavam, ficou a entreter-se colhendo gota a gota o mel, sem reparar em mais, nem fazendo caso da ferocidade do unicórnio que estava no alto, nem da terribilidade do dragão que estava em baixo, nem da fragilidade da árvore que estava para cair, nem do risco que ele sentia de lhe fugirem os pés e de ele se despenhar; porque lhe fazia pôr tudo isto em esquecimento uma gota de mel, com a qual estava todo ocupado, colhendo-a e saboreando-a.

“O unicórnio é a morte; a fossa é o mundo, cheio de males e de misérias; o dragão é a eternidade do inferno; a gotinha de mel são os prazeres e entretenimentos desta vida”.

Isto que eu vos disse é uma engenhosa parábola de S. João Damasceno, reproduzida e explicada pelo P. Nieremberg. Creio que a tereis entendido, e por ela havereis compreendido o risco que o pecador corre de se condenar eternamente. Alguma vez tereis ouvido com horror um blasfemo vomitando injúrias contra Deus. Se então ele morresse, condenar-se-ia. E ele se atreve a dizer blasfêmias estando a sua vida suspensa por um fio sobre o poço horrendo do inferno, podendo a morte cortar-lhe num segundo a existência. E aquele menino desonesto e aquela menina má, como é que se atrevem a cometer alguma infâmia estando em risco iminente de, como o homem da parábola, cair no poço da eternidade, e estando em baixo o dragão do inferno, de fauces abertas para tragá-los?

2. — Mas que é o inferno? É um lugar de tormentos, preparado pela justiça divina para servir de castigo aos pecadores que não se arrependeram, e aos demônios que no princípio do mundo pecaram. Imaginai um lago de fogo de incomensurável grandeza, crepitando de chamas que se enroscam entre os membros dos precitos e lhes penetram até os ossos. Aqueles desgraçados sofrem os tormentos mais atrozes entre alaridos e blasfêmias e chiados e rangidos e toda sorte de ruídos discordantes e de gritos dos demônios, seus atormentadores, atormentadas estes também pelo mesmo suplício. Todos os fétidos se sentem naquela imensa sentina, todas as visões espantosas dos demônios e trasgos da mais feia catadura ali estão como no seu lugar apropriado; todos os tormentos, enfim, centuplicados pela justiça divina, reúnem-se naquelas cavidades. As dores deles são parecidas com as dos que se estão abrasando numa fogueira, porém imensamente maiores e mais íntimas. Imaginai que pondes o dedo na chama de uma vela. Poderíeis suportar esta dor? Pois então como aguentará o pecador aqueles tormentos do inferno?

Joãozinho é um menino de maus instintos: só faz maldades. Comeu de uma sentada uma lata de compota de pera que sua mamãe guardava. Recebeu uma paternal reprimenda com acompanhamento de repelões, e, por último, teve uma indigestão regular. Sem se lembrar da indigestão nem da reprimenda, come outra lata de doce e corta a orelha de um gato, e, além disto, faz outras maldades. Seu papai está pesaroso, pois vê que, com aqueles instintos de diabo, o pequeno incorrigível irá seguramente parar a um presídio.

Depois de meditar bem sobre isso, o papai toma uma resolução séria. Chama o menino e diz-lhe, mostrando-lhe uma vara de açoitar potros:

— Comprei esta vara para ti. Cada vez que fizeres uma só das barbaridades que tens feito, receberás vinte açoites..., que te darei em consciência. Bem sabes que eu cumpro o que prometo. Assim... vamos começar desde já.

E dá-lhe a primeira e terrível tunda. O pobre do Joãozinho nunca havia recebido tunda semelhante. Aquilo era brutal, contra toda pedagogia e caridade; aquilo era feroz, impróprio de um pai,— dizia consigo Joãozinho. Contudo, o brutal argumento, que o pai usava, aliás, bem a seu pesar, foi um remédio eficaz. Amarrotado, dolorido, tremendo, Joãozinho moscou-se num canto e ali meditou a sós, dizendo:

— Acabou-se... Nunca mais desobedecerei a papai.

E cumpriu-o como o disse.

Suponde que, em vez de uma surra, lhe houvesse queimado a mão. Certo estou de que, ao simples nome de desobediência, o pequeno tremeria de medo.

Pois se um castigo assim, que é uma coisa de nada comparado com o do inferno, faz tremer, como é que o pecador não treme ao considerar que, pecando, pode cair naquelas chamas inextinguíveis? Ponderai isto devagar, meus filhos, e resolvei-vos a nunca cometer pecado mortal, pois vos pondes em tal perigo.