A Igreja e seus mandamentos
por
Monsenhor Henrique Magalhães
Editora Vozes, 1946
CONFISSÃO DOS PECADOS
11
de Julho de 1940
Prosseguindo no estudo da Penitência, vamos
ver hoje — a confissão dos pecados.
Noção: “Confissão sacramental é a acusação dos
próprios pecados, cometidos depois do Batismo,
feita a legítimo sacerdote, para obter o perdão, pelo poder das chaves”. A acusação é dos próprios pecados e não dos
alheios, como aquela confissão pública do fariseu, que dizia as suas virtudes e
os pecados do humilde publicano, ajoelhado a um canto do templo... Pecados cometidos depois do Batismo,
pois, como já vimos, o Batismo apaga o pecado original e, no que já tem o uso
da razão, os pecados atuais.
A confissão há de ser feita a legítimo
sacerdote — não
só com o poder da ordem,
mas também munido da jurisdição
necessária, como vimos ontem. Nos casos extremos, estando
alguém às portas da morte, qualquer
sacerdote absolve legitimamente.
A expressão poder das chaves — já nos é
familiar. Foi o próprio Senhor Jesus quem a empregou, no momento histórico em
que fez de Pedro a pedra angular da sua Igreja, e lhe prometeu as chaves do
reino dos céus. — Comunicou ao chefe dos apóstolos o poder de ligar e desligar,
poder que deu também aos outros apóstolos. E disse que seria confirmado no céu
tanto o ato de ligar, como o de desligar.
“Lutero chamou à confissão — “cruentíssima
carnificina!...” — em
compensação disse que ela é
“ótimo remédio para as consciências aflitas”... Calvino afirma que a
confissão auricular foi instituída por Inocêncio III no IV Concílio de Latrão. — Os modernos
protestantes, incluindo os ritualistas, embora reconheçam a utilidade da
confissão, negam-lhe a necessidade”. —
Todas estas citações são de Denzinger-Bannwart,[1]
cuja obra resiste galhardamente a qualquer crítica.
A confissão sacramental de todos e de cada um
dos pecados mortais cometidos depois do Batismo — é necessária — de direito
divino. Isto é de
fé, conforme a definição do Concílio Tridentino.[2]
Esta doutrina se deriva das palavras da
instituição da Penitência. Se Jesus, dando o poder de perdoar e de sustar a
absolvição dos pecados, não tivesse em mente obrigar o homem a confessar seus
delitos, de que valeria tal poder? Seria ilusório — e o divino Mestre
teria perdido Seu tempo.
Façamos
agora um brevíssimo resumo da história da Confissão. No Atos dos Apóstolos
(At19, 8) lê-se: “Muitos dos crentes se apresentavam confessando e declarando o
que haviam feito”. Um bom número de teólogos, entre os quais Belarmino, julgava
que aqui se trata da confissão sacramental.
Na
epístola de São Tiago: “Confessai uns aos outros os vossos pecados” (Tgo 5,
16). Orígenes[3] seguido de
notáveis mestres, vê neste texto a prova de que no tempo de São Tiago já havia
a confissão sacramental. No século II Santo Irineu[4]
ensina que a confissão é necessária, para se recuperar a graça. No século III,
vemos São Cipriano[5] recomendando fervorosamente que “os delinquentes
confessassem seus delitos ao sacerdote para terem a remissão perante Deus”.
Orígenes,6
falando sobre a matéria, faz interessante comparação: “guardar no íntimo o
pecado, não confessá-lo, é o mesmo que reter no estômago alimento indigesto que
está produzindo infecção”. No século IV, Santo Ambrósio[6] diz que a vergonha que
se sente ao confessar os pecados é benéfica; e São Paciano[7]
repreende o que faz confissão mal feita. “Que fazes? queres enganar o
Sacerdote? Mas Deus conhece o que está oculto!”
No
século V, Santo Agostinho no seu Sermão sobre a Penitência[8] exclama: “Ninguém
se envergonhe de confessar a sua chaga, pois ela não pode ser curada sem a
confissão”.
São
Leão10 se estende sobre a confissão dos pecados públicos e dos pecados ocultos,
orientando os fiéis sobre a matéria.
No
século VI, Santo Atanásio, Sinaíta, e São João Glímaco, abordam o assunto com
grande autoridade.[9] No século VII
dois Concílios focalizam a Confissão, o de Reims, em 639, e o de Nantes, em
656.
No
século VII vemos os Estatutos de São Bonifácio, em o número 31 — normas
especiais para os confessores para a reconciliação dos penitentes.
No
século IX, vários concílios se referem à Confissão: o de Mogúncia I em 846, o
de Paris em 828, o de Tours em 813.
Entre
os séculos IX e XII, diz Tanquerey, surgiram várias dúvidas no espírito dos
fiéis, principalmente em certas regiões, sobre a necessidade da confissão feita
aos sacerdotes. E as dúvidas se originavam da mitigação e depois a supressão
das penitências públicas. Ora, se não havia mais penitências públicas, julgavam
muitos não haver mais necessidade de confissão...
O
Decreto da Graciano, em 1145, pôs termo a todas as dúvidas.
Chegamos
assim ao século XIII em que, no ano de 1215, reinando Inocêncio III, o IV
Concílio de Latrão decretou para todo fiel, que atingisse o uso da razão,
confessar-se ao menos uma vez cada ano. E deste mesmo fato de que os inimigos
da Igreja se servem para negar a origem divina da Confissão, nós concluímos
justamente o contrário: Se o Concílio regulou a prática da Confissão é evidente
que a Confissão já existia. E sua existência vem do Cristo, como demonstrei.
Notas:
______________
[1] N.° 587.
[2] Sessão XIV, c. 5.
[3] Homília 2.a sobre o Levítico II, 4.
[4] Contra os hereges 1. I, c. 13.
[5] De lapsis, c. 29 e antes c.28.
[6] Prática sobre a Penitência.
[7] Sermão 171.
[8] sermão 82.
[6] Apud Tanquerey, o. c. IV edição.