A Igreja e seus mandamentos
por
Monsenhor Henrique Magalhães
Editora Vozes, 1946
INTRODUÇÃO
Antes
de iniciar o estudo da verdadeira Igreja, a única fundada por Nosso Senhor
Jesus Cristo e que permanece fiel ao Seu divino Mestre e assim há de
conservar-se até à consumação dos séculos, antes de estudá-la, quero
apresentar-vos uma brevíssima síntese das duas principais igrejas acatólicas: o
grupo das igrejas gregas separadas, ou do Oriente, e o protestantismo.
O
cisma do Oriente, donde procedem estas igrejas, teve sua origem no Concílio de Constantinopla,
no ano de 381, com este cânon: “O bispo de Constantinopla deve ter o primado de
honra, depois do Pontífice romano, porquanto Constantinopla é a nova Roma”.
Este cânon não foi aprovado. Estava, todavia, lançada a semente da discórdia.
Surgiram depois os Nestorianos e os Eutiquianos, que combatiam as declarações
da Santa Sé. No ano de 857, Fócio usurpou a sé de Constantinopla; e, sendo
deposto pelo Pontífice Romano, esforçou-se por separar da comunhão católica as
igrejas orientais. E o cisma foi extinto, mas Sérgio o renovou em 1034. Em 1054
Miguel Cerulário deu vigoroso incremento ao cisma, consumando-o
definitivamente. No ano de 1274 estabeleceu-se a concórdia pelo 2.° Concílio Lugdunense,
reforçando-a o Concílio Florentino em 1439. Entretanto, depois destes
auspiciosos acontecimentos, ressurgiu com maior intensidade o cisma do Orente,
que perdura até aos nossos dias. Estas igrejas separadas são designadas pelo
nome de “igreja grega” ou “igreja ortodoxa”. Os ortodoxos estão divididos em
várias igrejas distintas e independentes, chamadas autocéfalas ou autonômas,
sob o poder invisível de Cristo e a preeminência, só de honra, do Patriarca de Constantinopla.
Todos usam o rito bizantino, mas cada qual na língua do seu país. Geralmente é
reconhecida como “autônoma” a igreja existente em qualquer região politicamente
autônoma, que por isso se chama “igreja nacional”. Sobressaem as seguintes
entre as autônomas: Constantinopolitana, Alexandrina, Antioquena,
Jerosolimitana, Iugoslava, Russa ou Rutena, Rumaica, Estoniana, Grega, Búlgara,
Polonesa, Georgiana, Albanesa, Finesa, Letoniana, Lituana, Checoslovena, a da
ilha de Chipre e as igrejas autônomas dos Estados Unidos da América do Norte e
do Japão.
Quanto
à doutrina [1] os ortodoxos ensinam
que Jesus Cristo instituiu a Igreja, verdadeira sociedade visível e
hierárquica, sob a autoridade invisível do próprio Cristo. O poder supremo de
governar a Igreja, todavia, não foi concedido a Pedro, mas ao colégio
apostólico. O primado do Romano Pontífice não é, portanto, de direito divino,
mas só de direito eclesiástico, por causa da dignidade concedida no princípio à
cidade de Roma e que depois passou para os bispos de Constantinopla, pelo menos
quanto às igrejas orientais. Os ortodoxos reconhecem a autoridade dos sete
primeiros Concílios Ecumênicos, isto é, até ao 2.° Concílio de Niceia, em 787,
inclusive. Pois, dizem, aos outros só compareceu a Igreja Ocidental. Segundo os
cismáticos, a Igreja não é uma sociedade monárquica, mas aristocrática, pois é
regida pelo colégio dos Bispos.
Protestantes
são os 164.000.000 de cristãos que professam doutrinas heréticas e que se
separaram da Igreja Romana, tendo como pais espirituais Lutero e Calvino.
Chamam-se protestantes desde o protesto que fizeram nas cortes de Spira (1529)
contra as restrições feitas à expansão da reforma luterana. “Se o
protestantismo leva sempre o mesmo nome, ainda que sua fé tenha variado
imensamente, é porque, sendo esse nome puramente negativo e não significando
mais do que uma renúncia ao catolicismo, quanto menos crer e mais protestar,
mais protestantismo será e seu nome cada dia se tomará mais adequado”. [2]
Inúmeras
são as seitas protestantes. Todas, porém, rejeitam o primado do Romano
Pontífice, e reconhecem como única regra de fé a Bíblia Sagrada. Os erros de
Lutero foram condenados por Leão X e depois pelo Concilio Tridentino. Três são
as principais formas de Protestantismo: Luteranismo, Calvinismo e Anglicanismo.
A estes se pode acrescentar um sistema moderno — o Protestantismo liberal.
Os
luteranos dizem que a verdadeira Igreja de Jesus Cristo é invisível; e os fiéis
na terra são unidos pelos vínculos do batismo, da ceia e da pregação do
Evangelho. Esta Igreja visível não foi fundada por Cristo, mas pelos homens; e
é governada por uma autoridade externa concedida ao chefe civil, ao estado ou a
algum elemento religioso, por exemplo, os bispos, os presbíteros ou os mesmos
fiéis.
Os
calvinistas admitem uma Igreja visível, na qual o governo compete aos
presbíteros delegados pelo povo e iguais aos bispos, por direito divino. Daí o
nome de presbiterianos dado também aos calvinistas.
Os
anglicanos, como o nome está indicando, vieram dos reis da Inglaterra, com
Henrique VIII. Sua doutrina foi compendiada por Eduardo VI, em 42 artigos, que
Isabel reduziu a 39. O Anglicanismo tem como chefe o Rei, mesmo nas coisas
espirituais. Admitem o episcopado como de origem apostólica (não divina) e só
reconhecem como ministros os que forem ordenados pelos legítimos bispos. Daí o
serem chamados também “episcopalistas”. A este ramo pertencem os
congregacionalistas, os batistas, os metodistas, o Exército da Salvação, etc.
Quanto
ao protestantismo liberal, sua doutrina prega que Jesus Cristo propriamente não
pregou nenhum dogma, não fundou nenhuma igreja; ensinou como os homens devem
adorar a Deus como Pai e a Ele submeter-se. E assim os homens têm o direito de
ir diretamente a Deus, realizando com Ele uma união íntima. Eis em resumo o
“liberalismo”.
Notas:
_________________
[1] “Quanto à doutrina” referente à Igreja, pois este é o assunto desta l.a Parte. Assim tanto nestas notas sobre os ortodoxos como nas que se referem aos protestantes, não trato dos outros pontos de doutrina em desacordo com a nossa Igreja.
[2] De Maistre — Du Pape, IV, 5.