INSTRUÇÃO
DO R. Padre QUADRUPANI
SOBRE A CONFISSÃO DAS PESSOAS DE
CONSCIÊNCIA TIMORATA
Extraído do livro
Maria falando ao Coração das Donzelas
pelo
Abade A. Bayle
1. A
confissão é um sacramento de misericórdia; devemos por isso aproximar-nos dela
com uma piedosa alegria e inteira confiança. São Francisco de Sales ensina-nos
que para os que se confessam todos os oito dias basta um quarto de hora de
exame de consciência, e pede menos para o ato de contrição. Muito menos tempo
ainda basta aos que se confessam mais a miúdo.
2. Se
vos acontece esquecerdes algumas faltas leves, nem por isso deixam de ser
perdoadas. Reparai numa judiciosa observação de nosso santo: “Não devemos inquietar-nos quando nós não lembramos
as faltas, para as confessarmos; porque não é crível que uma alma que faz
muitas vezes o exame da sua consciência, o não faça de modo que se lembre das
suas faltas graves. Não devemos ser tão delicados que queiramos confessar
tantas imperfeições pequenas, tantas faltas leves: um ato de humildade
interior, um suspiro basta para apagar”. Não digais que tendes pecados
ocultos que não confessais. Isso é um artifício do demônio para vos inquietar.
Recordai-vos ainda de que a relação minuciosa das vossas faltas não é o que as
perdoa, assim como uma enumeração exata das dívidas não apaga nada ao credor.
3. Tende
a certeza que quanto mais examinardes, menos encontrareis. Além disso, um exame
prolongado fatiga o espírito e entorpece o coração.
4. A
instrução seguinte de São Francisco de Sales será, pois de uma grande
importância prática:
“Quando não virdes
claramente que destes alguma espécie de consentimento aos acessos da cólera ou
de qualquer outra tentação, deveis dizê-lo ao vosso diretor espiritual, a fim
de serdes instruídos como haveis de proceder; mas não o deveis dizer: acuso-me
de ter tido durante dois dias grandes movimentos de cólera, mas não consenti
neles, dizeis virtudes em vez de dizerdes defeitos. Estando em dúvida se
cometestes alguma falta, deveis examinar seriamente se essa duvida tem
fundamento, e depois falar dela com simplicidade. No caso contrário deveis
calar-vos, ainda que sintais por isso um pesar”.
5. Também
o santo não quer que façamos certas acusações gerais, que muitas pessoas fazem
por costume, e a que ele chama supérfluas. Por exemplo: de não ter amado a Deus
e ao próximo quanto era do nosso dever; de não ter rezado as orações ou de não
ter recebido os sacramentos com o respeito conveniente e coisas semelhantes;
porque, acrescenta ele, todos os santos do paraíso e todos os homens do mundo
podiam dizer o mesmo, se se confessassem.
6. Tende
sempre presente ao espírito este aviso tão útil de São Francisco de Sales: “Não somos obrigados a confessar os pecados
veniais: mas quando os confessamos, devemos ter a resolução de emendar-nos
deles: aliás, seria um abuso dá-los por matéria da confissão sacramental”.
7.
Depois
da confissão fica tranqüilo. É absolutamente proibido deixar-vos vencer de
temores a respeito do exame de consciência, da contrição ou de qualquer outra
coisa que seja. Estes temores são artifícios do vosso inimigo, que deseja
tornar-vos amargo um sacramento de consolação e de amor.
8. Devemos
arrepender-nos dos nossos pecados, mas não perturbar-nos por causa deles; o
arrependimento é feito por amor de Deus; a perturbação, do amor próprio. No
mesmo ato de sincero arrependimento devemos dar graças a Deus de que, pela Sua
misericórdia, não procedemos pior. Prometei-Lhe depois sincera emenda, não
confiando senão na Sua bondade. Ainda que caísses cem vezes por dia, deveis
sempre esperar e prometer séria emenda. Num instante Deus pode transformar as
pedras em verdadeiros filhos de Abraão, isto é, em grandes santos. Assim o fará
se constantemente confiardes n'Ele.
9.
A
dor dos pecados consiste numa determinação da vontade que detesta as faltas
passadas e não quer cometê-las para o futuro. Para a verdadeira contrição não
são precisas lágrimas, nem suspiros, nem emoções sensíveis: podemos até ter
nosso coração contrito santo e justificante no meio da maior aridez, que nos
parecerá ser insensibilidade. Não vos deixeis vencer por nenhum temor a este
respeito.
10. Não
façais nunca esforço algum para excitardes em vós a contrição; este esforço
perturba e fatiga a alma sem lhe dar o que procura. Pelo contrário, estabelecei
no vosso coração uma profunda paz, e dizei amorosamente ao vosso Deus que
desejareis não O ter ofendido, e que com o Seu auxílio não quereis ofendê-lO mais para o futuro: eis a contrição. Ela é um efeito do amor, e o amor procede
sempre com tranqüilidade.
11. São
Francisco de Sales diz que o ato de contrição se faz em um instante com dois
rápidos olhares. Um sobre nós com o detestar do pecado, outro sobre Deus com a
promessa de nos emendarmos na esperança do Seu socorro. Um dos penitentes mais
contritos foi David: e a sua contrição encerrou-se nesta palavra: Pequei, pecavi; e com esta só palavra se
justificou.
12.
Dizeis
que quereis ter a contrição; mas que não podeis tê-la. São Francisco de Sales
responde-vos: “É poder muito, muito poder
querer. O desejo da contrição prova que há contrição. O fogo que está debaixo
da cinza não se sente não se vê, e, contudo existe”. O desejo de sentir a
contrição nasce muitas vezes de uma complacência interesseira da nossa parte,
que não satisfeita de contentar a Deus, queria também contentar-se a si; e na
sua sensibilidade pessoal ter a certeza do seu estado de graça e da sua
virtude.
13.
Deus
não vos faz conhecer a vossa contrição para vos alcançar o mérito da
obediência, a qual vos impõe o dever de ficardes em paz. Acredite, pois,
humildemente, obedecei desafogadamente, e obtereis uma dupla coroa. Muitas
vezes os santos mais elevados julgavam não ter contrição nem amor, mas no meio
das suas trevas seguiram a luz da obediência com uma heróica submissão.
14. Não
julgueis que não tendes contrição ou que vos confessais mal, porque tornais a
cair em faltas. É preciso fazer distinção entre as faltas: devemos corrigir-nos
com vigor das que nascem de uma vontade depravada que ama o pecador, quer o
pecado e deseja perseverar no pecado; mas as faltas que nascem da surpresa, da
fraqueza, da fragilidade, nos acompanharão em parte até a morte. “Será muito, diz o nosso santo, poderemos nos curar de certos defeitos um
quarto de hora antes de morrermos”. E em outra parte: “Devemos suportar não só as fraquezas do próximo, mas também as nossas,
e ter paciência à vista das nossas imperfeições”. Procuramos emendar-nos
com paz e sem ansiedade, porque não podemos ser anjos antes do tempo.
15.
Nas
vossas confissões acrescentai em geral alguma falta da vossa vida passada, de
que experimentais uma dor particular. Dizei por exemplo: confesso-me dos
pecados de impureza, de ódio ou de vingança da vida passada. Deste modo a
matéria necessária para o sacramento será muito mais certa.
16. Repeli
os temores de terdes omitido pecados nas vossas confissões gerais ou
particulares, ou de não os terdes declarado como deveis: “A Igreja, que é o
intérprete da vontade de Nosso Senhor Jesus Cristo, pede a integridade
sacramental e não a integridade material. A primeira consiste na confissão dos
pecados lembrados depois de um exame razoável, e proporcionado ao estado atual
da nossa alma. A integridade material consiste na declaração material de todos
os pecados que cometemos, do seu número, das suas circunstâncias sem omitir
nenhuma. A Igreja pede a primeira integridade, porque não exige a segunda,
sabendo muito bem que no nosso exame nos poderá escapar alguma coisa ou sobre o
número ou sobre as circunstâncias. Em suma: ela não pede aos fiéis senão uma
confissão humilde e sincera de tudo o que lhes vem à lembrança depois de um
exame conveniente, persuadida de que a boa vontade dos penitentes supre então a
falta involuntária da sua memória” É o pensamento do teólogo Jamin.
17. Tendes
satisfeito abundantemente à integridade sacramental; repeli, pois todas as
apreensões e dúvidas como verdadeiras tentações.
18. Lembrai-vos ainda de que se vos parecer que não tendes tido com o vosso exame o cuidado
conveniente, o confessor prudente supre esta falta pelas suas interrogações; e
se ele não faz nenhuma é porque tem o conhecimento necessário da qualidade dos
vossos pecados e do estado da vossa alma, que é o fim, da acusação sacramental.
19. Daí
vem o erro dos que querem repetir as suas confissões gerais com o medo de não
terem tido as disposições suficientes no seu exame ou na sua contrição; daí a
censurável facilidade dos confessores que se prestam a isso. Se devêssemos dar
ouvidos a semelhantes apreensões, seria preciso passar a vida inteira a renovar
as confissões gerais, porque os mesmos receios se podem apresentar sempre,
ainda nos maiores santos; e assim a confissão se transformará em verdadeiro
cavalete, em tortura da alma; ora, isto é uma proposição herética, fulminada
pelo Concilio de Trento.
20. A
doutrina de todos os santos e de todos os teólogos esclarecidos é que, depois
de ter feito a vossa confissão geral com sinceridade de coração e desejo de vos
emendardes, deveis ficar tranqüilo e não repetir de modo algum. Aquele que obra
de outra sorte traz a memória o que devia esquecer e perturba o espírito em vez
de sossegá-lo. Tanto mais que como diz São Filipe Nery: “Quanto mais se varre,
mais pó se levanta”.
21.
Para
chegardes a tranqüilizar a vossa alma, achareis um poderoso socorro neste
sentimento universal dos santos, de que o temor do pecado deixa de ser salutar
quando é excessivo.