A Igreja e seus mandamentos
por
Monsenhor Henrique Magalhães
Editora Vozes, 1946
SEGUNDO MANDAMENTO
29 de Novembro de 1940
O
2.° Mandamento da Igreja é: Confessar-se ao menos uma vez cada ano. Examinemo-lo
resumidamente, como de costume.
O
cânon 906, do Código de Direito Canônico, prescreve: "Todo o fiel de ambos
os sexos, tendo chegado à idade de discrição, isto é, ao uso da razão, é obrigado
a confessar fielmente os seus pecados, ao menos uma vez no ano". E o cânon
seguinte, 907, diz: "Não satisfaz ao preceito da confissão dos pecados,
quem faz uma confissão sacrílega ou voluntariamente nula".
Tratando
especialmente do sacramento da Penitência ou Confissão, terei ocasião de provar
a sua instituição divina. Agora basta lembrar o que se lê no capítulo 20.°, versículos
22 e 23 do Evangelho de São João. Jesus, depois de ressuscitado, diz aos Seus apóstolos:
"Recebei o Espírito Santo; aqueles a quem perdoardes os pecados, tais pecados
lhes serão perdoados; aqueles a quem os retiverdes, tais pecados lhes serão retidos".
Por
estas palavras se vê claramente não só a instituição divina do Sacramento, mas,
e com a mesma clareza, a sua instituição em forma de tribunal. Se há ocasiões
em que os pecados podem ser perdoados e ocasiões em que o não podem ser, é indispensável
a declaração franca e sincera das próprias faltas, a alguém que decida se elas
devem ou não ser perdoadas. É, portanto, evidente a insensatez da frase: eu me
confesso diretamente a Deus...
O
Concílio de Trento anatematiza quem disser que a Penitência não é um Sacramento
instituído por Jesus Cristo, para perdoar os pecados cometidos depois do
Batismo. E o Concílio Florentino, no Decreto aos armênios, ensina: O quarto
Sacramento é a Penitência.
Quem
admite a Bíblia Sagrada como livro inspirado, e base da fé, precisa fazer uma
dificílima ginástica intelectual para negar a existência da Confissão!
A
prática universal deste Sacramento é outra prova da sua instituição divina. Combatido,
insultado, caluniado... difícil, ordinariamente falando, porque exige um grande
ato de humildade... mesmo assim e apesar de tudo e de todos os seus inimigos, o
quarto Sacramento é praticado em todo o mundo universo, por milhões de crentes!
Tenho
diante dos olhos um recorte do famoso diário católico francês "La Croix",
já bem antigo - de 15 de Outubro de 1936. A propósito da catástrofe do navio
explorador "Pourquoi-Pas?", em que pereceu o grande sábio dr. Charcot,
aquele jornal recebeu a seguinte comunicação: Na véspera de sua partida para o
cruzeiro, da qual não deveria mais voltar, Charcot entra na Igreja de Saint-Servan-sur-Mer,
e encontra um dos coadjutores que lhe diz afetuosamente: "Então, meu comandante,
tudo pronto; partis amanhã? Tudo pronto, não, - respondeu o sábio. - Tudo estará
pronto, depois que me ouvirdes em confissão e me derdes a Santa Comunhão."
Instantes depois, o dr. Charcot se ajoelhava no confessionário.
Em
toda parte, cidades, vilas e aldeias, gente ilustrada, e gente rude, pobres e
ricos, ajoelham-se aos pés do sacerdote católico e confessam os seus pecados. Eis
o fato incontestável, pois foi de ontem, é de hoje e será de amanhã. A prática
da confissão era comum nos primitivos tempos do cristianismo, não havendo
necessidade de lembrar aos fiéis a sua obrigação a respeito de um ato que é um dos
mais belos traços da misericórdia de Deus, para com os pobres pecadores. Época
de fervor, animada pelos ecos suavíssimos da pregação de Nosso Senhor Jesus
Cristo e pelas admiráveis lições dos apóstolos, todos se esmerava em praticar, de
modo mais perfeito, a doutrina cristã.
Vieram
depois tempos piores. O fervor decresceu e arrefeceu simultaneamente a prática da
religião. Havia fiéis que passavam anos e anos sem cumprir o dever indeclinável
de fazer a confissão de seus pecados.
A
vista de tão deplorável decadência, a Igreja, guarda do depósito sagrado da
verdadeira Fé, no ano de 1215, reunido o IV Concílio de Latrão, decretou:
"Todo fiel, chegado ao uso da razão, tem obrigação de confessar todos os
seus pecados, secretamente, ao próprio sacerdote, ao menos uma vez no ano".
- O texto desse cânon, o 22.°, diz: omnia
"solus" sua peccata confiteatur. O Concílio estabelecia severa
pena para os relapsos: Durante a vida, proibição de entrar na Igreja: depois da
morte, privação da sepultura eclesiástica. Este rigor foi posteriormente
mitigado. E os termos do Direito Canônico em vigor são os que já vos citei há
pouco.
Não
há tempo determinado para o cumprimento do preceito da confissão, de sorte que,
à letra, contanto que esteja dentro do período de um ano, está cumprida a
obrigação. Na praxe, porém, a confissão anual é feita no período marcado para a
Comunhão Pascal. Assim o católico cumpre simultaneamente os dois mandamentos,
confessando-se e recebendo a sagrada Comunhão. Coisa aliás muito razoável, pois
neste tempo se realizam as grandes comemorações da Redenção da Humanidade; e
foi derramando Seu precioso sangue por nosso amor, que Jesus Cristo nos granjeou
o perdão dos pecados. E o mérito desse Sangue Redentor nos é aplicado pela
Sacramento da Penitência.