A Vida Espiritual explicada e comentada
Adolph Tanquerey
Para
bem se julgar desta malícia, pode-se considerar o orgulho em si mesmo ou nos
seus efeitos.
832.
1.º - Em si mesmo: A) O orgulho
propriamente dito, o que consciente e voluntariamente usurpa, ainda mesmo implicitamente,
os direitos de Deus, é pecado grave, o mais grave até dos pecados, diz Santo Tomás,
porque não se quer submeter ao supremo domínio de Deus.
a)
Assim, querer ser independente, recusar obediência a Deus ou aos Seus representantes
legítimos em matéria grave, é pecado mortal, porque é revoltar-se contra Deus, nosso
legítimo soberano.
b)
É falta grave também atribuir-se a si mesmo o que vem manifestamente de Deus, sobretudo
os dons da graça, porque é negar implicitamente que Deus seja o primeiro
princípio de todo o bem que há em nós. Muitos contudo o fazem, dizendo, por exemplo:
eu sou filho das minhas obras.
c)
Peca ainda gravemente quem quer operar para si, com exclusão de Deus, porque isso
equivale a negar-Lhe o direito de ser nosso último fim.
833.
B) O orgulho atenuado que, conquanto reconheça a Deus como primeiro princípio e
último fim, Lhe não dá tudo o que Lhe é devido, antes Lhe rouba implicitamente uma
parte da Sua glória, é falta venial bem caracterizada. Tal é o caso dos que se
gloriam das suas boas qualidades e virtudes, como se estivessem persuadidos que
tudo isso lhes pertence como próprio; ou então o dos que são presunçosos, vaidosos,
ambiciosos, sem contudo fazerem nada que seja contrário a uma lei divina ou humana
em matéria grave. Podem contudo estes pecados degenerar em mortais, impelindo-nos
a atos gravemente repreensíveis. Assim a vaidade, que em si não passa de falta
venial, torna-se grave, quando leva a contrair dívidas que se não poderão pagar,
ou a excitar-nos outros amor desordenado. É preciso, pois, examinar também o orgulho
nos seus resultados.
834.
2.º- Em seus efeitos: A) O orgulho
que se não reprime chega por vezes a efeitos desastrosos. Quantas guerras não
foram ateadas pelo orgulho dos governantes e às vezes dos mesmos povos? Sem ir tão
longe, quantas divisões nas famílias, quantos ódios entre particulares se devem
atribuir a este vício? Os Santos Padres ensinam com razão que ele é a raiz de
todos os outros vícios, e que ademais corrompe muitos atos virtuosos, porque
nos leva a praticá-los com intenção egoísta.
835.
B) Encarando esses efeitos pelo lado da perfeição, que é o que nos interessa, pode-se
dizer que o orgulho é o seu maior inimigo, porque produz em nossa alma uma lastimosa
esterilidade e é fonte de numerosos pecados.
a)
Priva-nos, efetivamente, de muitas graças e merecimentos:
1)
De muitas graças, porque Deus, que dá com liberalidade a Sua graça aos humildes,
recusa-a aos soberbos: Deus superbis
resistit, humilibus autem dat gratiam[1]. Pesemos
bem estas palavras, Deus resiste aos soberbos, porque diz M. Olier[2], como
o soberbo ataca diretamente e aborrece a soberania divina, Deus lhe resiste às pretensões
insolentes e horríveis “e, como se quer conservar no que é, abate e destrói o que
se ele contra Si”.
2)
De muitos merecimentos: uma das condições essenciais do mérito é a pureza de intenção;
ora o orgulhoso opera para si, ou para agradar aos homens, em lugar de trabalhar
para Deus e assim merece a censura dirigida aos Fariseus, que faziam as suas
boas com ostentação, para serem vistos dos homens, e, por esta razão, não podiam
esperar recompensa de Deus “alioquin
mercedem non habebitis apud Patrem vestrum qui in caelis est ... amen, amen, dico
vobis, receperunt mercedem suam”.[3]
836.
b) É, além disso, fonte de numerosas faltas:
1)
faltas pessoais: por presunção, expõe-se um ao perigo em que sucumbe: por orgulho,
não quer ceder instantemente as graças de que precisa, e cai; depois vem o desalento
correndo até perigo de dissimular os pecados na confissão;
2)
faltas contra o próximo: por orgulho, não se quer ceder, ate mesmo quando se não
tem razão, empregam-se a picuinhas mordazes na conversação, travam-se discussões
ásperas e violentas que acarretam dissensões e discórdias; daí, palavras amargas,
injustas até, contra os rivais, para os abater, críticas acerbas contra os superiores,
recusa de obedecer às suas ordens.
837.
c) É, enfim, uma causa de infelicidade para quem cede habitualmente ao orgulho:
como o orgulhoso quer ser grande em tudo e dominar os seus semelhantes, para ele
deixa de haver mais paz e repouso. E na verdade, como por um lado não pode sossegar,
enquanto não consegue triunfar de seus rivais, e por outro jamais o consegue completamente,
vive perturbado, agitado, infeliz. Importa, pois buscar remédio para este vício
tão perigoso.
[1]
Tg., 4,6.
[2] Introduction, ch. VI. I. re Sect.
[3]
Mt., 6,12.