A Vida Espiritual explicada e comentada
Adolph Tanquerey
Os
principais são a presunção, a ambição e a vanglória.
827.
1.º- A presunção é o desejo e a esperança desordenada de querer fazer coisas além
das próprias forças. Nasce de ter o homem opinião demasiado subida de si mesmo,
das suas faculdades naturais da sua ciência, forças, virtudes.
a)
Sob o aspecto intelectual, crê-se o
presunçoso capaz de discutir e resolver os mais intrincados problemas, as
questões mais árduas ou ao menos, de empreender estudos em desproporção com os
seus talentos. - Persuade-se facilmente que tem muita discrição e sabedoria, e,
em vez de saber duvidar, decide com entono as questões mais controversas.
b)
Sob o aspecto moral, imagina que tem
bastante luz para se guiar e que não há grande utilidade em consultar um
diretor. - Persuade-se que, apesar das faltas passadas, não tem que temer recaídas,
e lança-se imprudentemente nas ocasiões de pecado, em que sucumbe; daí desânimos
e despeitos que são muitas vezes causa de novas quedas.
c)
Sob o aspecto espiritual, é mais que
medíocre o seu gosto das virtudes ocultas e crucificantes, prefere as virtudes
brilhantes; e, em vez de construir sobre o fundamento sólido da humildade, afaga
sonhos de grandeza de alma, força de caráter, magnanimidade, zelo apostólico, triunfos
imaginários com que a fantasia doira o futuro. Logo, porém, às primeiras tentações
graves se percebe quão fraca e vacilante é ainda a vontade. Às vezes chegam-se
até a menosprezar as orações comuns e as que se acoimam de pequenas práticas de
piedade; tem aspirações talvez a graças extraordinárias, quem ainda está nos princípios
da vida espiritual.
828.
2.° Esta presunção, junta ao orgulho, gera a ambição, isto é, o amor desordenado
das honras, das dignidades, da autoridade sobre os outros. Como presume demasiado
das próprias forças e se julga superior aos demais, quer o ambicioso dominá-los,
governá-los, impor-lhes as suas próprias idéias.
A
desordem da ambição pode-se manifestar de três maneiras, diz Santo Tomás[1]:
1)
buscando as honras que se não merecem e ultrapassam os nossos meios;
2)
buscando-as para si, para a própria glória, e não para a glória de Deus;
3)
parando no gozo das honras por si mesmas, sem as fazer servir ao bem dos outros,
em contrário da ordem estabelecida por Deus, que exige que os superiores trabalhem
pelo bem dos inferiores.
Esta
ambição estende-se a todos os campos:
1)
ao campo político, em que o ambicioso
aspira a governar os outros, e muitas vezes à custa de quantas baixezas, de quantos
compromissos, de quantas covardias que cometem, para obterem os votos dos
eleitores;
2)
ao campo intelectual, procurando com obstinação
impôr aos outros as próprias idéias, até mesmo nas questões livremente
controvertidas;
3)
à vida civil, buscando com avidez os
primeiros lugares, as funções de mais brilho, as homenagens da multidão;
4)
e até mesmo a vida eclesiástica; pois,
como diz Bossuet, “quantas precauções se houveram de tomar, para impedir nas
eleições, até mesmo eclesiásticas e religiosas, a ambição, as intrigas, os
enredos, as solicitações secretas, as promessas e os manejos mais criminosos,
os pactos simoníacos e os outros desmandos tão comuns nesta matéria, e Deus
sabe se com tudo isso se terá conseguido pouco mais que encobrir ou paliar esses
vícios, longe de se haverem inteiramente desarraigado”. E, como nota São Gregório,
não passam assim as coisas, até mesmo entre os membros do clero, que querem ser
chamados doutores e procuram avidamente os primeiros lugares e os cumprimentos?
É, pois, mais comum do que se poderia julgar à primeira vista este defeito, que
se relaciona também com a vaidade.
829.
3.° A vaidade é o amor desordenado da estima dos outros.
Distingue-se
do orgulho, que se compraz na sua própria excelência. Mas geralmente a vaidade deriva
do orgulho: quem se estima a si mesmo de maneira excessiva, deseja naturalmente
ser estimado dos outros.
830.
A) Malícia da vaidade. Há um desejo de
ser estimado que não é desordem: desejar que as nossas qualidades, naturais ou sobrenaturais,
sejam reconhecidas, para Deus ser por elas glorificado e a nossa influência para
o bem ser por esse modo aumentada, em si não é pecado. A ordem pede, efetivamente,
que o bem seja estimado, contando que se reconheça que Deus é o autor de todo o
bem e que só Ele deve Ser por isso louvado e engrandecido. Quando muito, pode-se
dizer que é arriscado demorar o pensamento em desejos desses, porque se corre
perigo
de desejar a estima dos outros para fins egoístas.
de desejar a estima dos outros para fins egoístas.
A
desordem consiste, pois, em querer ser estimado por si mesmo sem referir essa
honra a Deus, que em nós pôs tudo quanto há de bom: ou em querer ser estimado por
coisas vãs que não merecem louvor; ou enfim em procurar a estima daqueles, cujo
critério não tem valor, dos mundanos, por exemplo, que não apreciam senão as
coisas vãs.
Ninguém
descreveu melhor este defeito que São Francisco de Sales: “Chamamos vã a glória
que nos atribuímos, ou por coisa que não existe em nós, ou por coisa que está
em nós, mas não é nossa, ou por coisa que está em nós e é nossa, mas que não
merece que dela nos gloriemos. A nobreza da raça, o favor dos grandes, a honra
popular, são coisas que não estão em nós, senão em nossos predecessores ou na
estima de outrem. Há quem todo se envaideça e pavoneie, por se ver em cima dum
bom cavalo, por levar um penacho no chapéu, por estar vestido suntuosamente, mas
quem não vê esta loucura? É que, se há glória nessas coisas, essa glória é para
o cavalo, para a ave ou para o alfaiate... Outros miram-se e remiram-se, por terem
o bigode frisado, a barba bem penteada, os cabelos anelados, mãos muito finas,
por saberem dançar, tocar, cantar; mas não será de ânimo vil, querer encarecer
o seu valor e acrescentar a reputação com coisas tão frívolas e ridículas? Outros,
por um pouco de ciência, querem ser honrados e respeitados do mundo, como se cada
qual tivesse obrigação de ir à escola a casa deles e tê-los por mestres; é por
isso que os chamam pedantes. Outros narcisam-se extasiados na própria formosura
e crêem que toda a gente os galanteia. Tudo isto é extremamente vão, insensato
e impertinente, e a glória que se toma de tão fracos motivos chama-se vã, louca
e frívola”.
831.
B) Defeitos que derivam da vaidade. A
vaidade produz vários defeitos, que são como a sua manifestação exterior; em
particular a jactância, a ostentação e a hipocrisia.
I)
A jactância é o hábito de falar de si
ou do que pode reverter em seu favor, no intuito de se fazer estimar. Há alguns
que falam de si mesmos, de sua família, de seus triunfos com uma candura que
faz sorrir aos que escuta; outros têm uma habilidade rara para fazerem deslizar
a conversa para um assunto em que possam brilhar; outros ainda falam timidamente
dos seus defeitos com a esperança secreta de que os desculparão, pondo em relevo
as suas boas qualidades.
2)
A ostentação consiste em atrair sobre
si a atenção por certas maneiras de proceder, pelo fausto que alardeia, pelas
singularidades que dão o que falar.
3)
A hipocrisia toma os exteriores ou as
aparências da virtude, ocultando sob essa máscara vícios secretos muito reais.
[1] Sum. Theol., II-II, q. 131
a.1.