A Igreja e seus mandamentos
por
Monsenhor Henrique Magalhães
Editora Vozes, 1946
QUARTO MANDAMENTO
4 de Dezembro de 1949.
Vamos
hoje examinar o 4.° Mandamento: Jejuar e abster-se de carne, quando manda a
Santa Madre Igreja.
Jejum,
segundo Vigouroux (Dictionnaire de la
Bible), vem da expressão hebraica que quer dizer: afligir sua alma. Vemos nos livros da Bíblia, Levítico e Números
(Lv 16, 21-31; 23, 27-32; Nm 29, 7) o seguinte: "No décimo dia do sétimo
mês, isto é, na festa da Expiação, todo israelita deve afligir sua alma".
Conclui-se daí também a antiguidade do jejum. Devemos dizer o mesmo quanto à abstinência,
usada também pelos hebreus, embora, segundo esse mesmo autor, não tivesse sido prescrita
para certos dias, como faz a Igreja, mas em caráter permanente, visando a
temperança, a religião, a higiene e a completa separação dos povos vizinhos.
Em
o Novo Testamento vemos o célebre jejum de 40 dias e 40 noites, a que se entregou
Jesus, antes de iniciar a Sua vida pública (Mt 4, 2; Mc 1, 13; Lc 4, 1). Era a
grande lição que propunha aos que, no decorrer dos séculos, tivessem de fazer
algo de grande na esfera do sobrenatural: prepararem-se pela penitência, pelo
jejum, purificando a alma, pela aflição do corpo.
E
a lição eloquentíssima do Mestre ainda em nossos dias é seguida pelos que
aspiram à perfeição. O Cardeal Roberto Belarmino, hoje Santo recentemente
canonizado, costumava dizer: "Eu jejuo nas quartas, sextas e sábados. E é
o mínimo que posso fazer para minha salvação. Pois aquele fariseu do Evangelho
afirmava que jejuava dois dias na semana; e Jesus disse que se a nossa virtude
não for maior do que a dos fariseus não nos salvaríamos; logo, para que eu me
salve devo fazer o jejum três vezes na semana, isto é, ao menos uma vez mais do
que os fariseus...”
A
origem do jejum da Quaresma data dos primeiros tempos do Cristianismo e não é sem
fundamento que sua instituição se atribui aos apóstolos. Assim pensava São
Jerônimo, quando escrevia a Marcelino (epístola 54): "Jejuamos durante
quarenta dias, segundo a tradição apostólica".
E
São Leão exortava os fiéis (sermão 43), nestes termos: "Observe-se
fielmente a tradição apostólica, nos 40 dias do jejum.”.
Não
foi realmente em vão que Jesus disse certa vez, quando censuravam a alegria dos
Seus apóstolos: "Dias virão em que lhes será tirado o esposo; então eles
hão de jejuar" (Mt 9, 15). E Esposo era o próprio Cristo.
É
fora de dúvida que esse preceito estava em vigor no tempo de Santo Agostinho. É
o que se depreende desta sua frase no sermão 125: "Antes da Páscoa, jejuamos
durante 40 dias." E no sermão 209, acrescenta: "São estes os santos dias
que, ao aproximar-se a festa da Ressurreição, se celebram com louvável fervor
em todo o universo".
Quanto
à abstinência, é também dos primórdios do Cristianismo. O Concílio de Toledo,
havido no ano 653, decretou: "Aquele que durante a Quaresma ousar comer
carne, seja excluído da comunhão da Páscoa, devendo abster-se de carne durante
todo o ano, para purgar o seu pecado". O rigor de tão severa disciplina
foi posteriormente mitigado.
Ninguém
ignora a importância do jejum e da abstinência como meio de conservar a saúde e
combater certos males que não cedem a nenhum outro método terapêutico. Há casos
em que o médico impõe: jejum, abstinência! E ou o doente se submete a esse
rigor, ou morre. Agora digamos a verdade: é raro encontrar quem se submeta docilmente
a um regime, principalmente se ele é algum tanto rigoroso... por isso é que
vemos tanta rebeldia contra os jejuns e abstinências da Igreja, embora tão
reduzidos e tão facilitados em nossos dias. O preceito que estamos estudando só
pode fazer bem. E não só contribui para corrigir excessos do corpo, como também,
pela mortificação, purifica e eleva admiravelmente a alma.
Passemos
agora à parte prática. A lei do jejum proíbe que se faça mais de uma refeição
farta no dia; permite, entretanto, duas refeições módicas, uma de manhã, outra
à noite, ou à tarde, a que se chama ordinariamente parva e consoada. Nada de sólido
além destas três vezes, sendo que os líquidos não quebram o jejum. É claro que nesse
rol de líquidos não entram os que têm força de alimento sólido, como leite, chocolate,
etc. Permite-se o uso de ovos e lacticínios na consoada; na parva, só lacticínios.
Assim, quem jejua, pode pela manhã tomar café com leite e uma porção módica de pão
com manteiga. Observe-se que no jejum sem abstinência pode-se fazer uso de
carne uma vez.
São
dias de jejum e abstinência em todo o território brasileiro: Quarta-feira de
Cinzas e todas as sextas-feiras da Quaresma. Dias de jejum sem abstinência: as quartas-feiras
da Quaresma, quinta-feira santa, e sexta-feira das têmporas do Advento. Dias de
abstinência de carne sem jejum: As vésperas do Espírito Santo, Assunção, Todos
os Santos e Natal.
A
obrigação da abstinência começa aos 7 anos e vai até à morte. A do jejum começa
aos 21 anos completos e termina aos 60 começados. Eis a doutrina da Igreja, sobre
o seu 4.° Mandamento.