Monsenhor Francisco Pascucci, 1935, Doutrina Cristã,
tradução por Padre Armando Guerrazzi, 2.ª Edição, biblioteca Anchieta.
7.º
MANDAMENTO
Não
furtar
O sétimo mandamento nos proíbe causar dano ao próximo nos objetos: porque proíbe os furtos, os estragos, as usuras, as fraudes nos contratos e nos serviços e favorecer esses danos. O sétimo mandamento nas ordena restituir as causas alheias, reparar as danos culpavelmente irrogadas, pagar as dívidas e a justa remuneração aos operários. O décimo mandamento nos proíbe a desenfreada avidez, das riquezas, sem atenção aos direitos e ao bem do próximo. O décimo mandamento nos ordena sermos justo, e moderados no desejo de melhorar a própria condição, e sofrer com paciência as angústias e as misérias permitidas pelo Senhor para mérito nosso, porquanto “ao reino de Deus devemos chegar pela via de muitas tribulações”.
O
direito de propriedade
41. - A proibição de furtar supõe o
direito de propriedade, admitido pelos povos todos do orbe, estabelecido pela
unanimidade dos legisladores, querido pelo próprio instinto natural, inato a
todo homem, que não seja louco.
Deus, sem dúvida, concedeu diretamente
a todo o gênero humano os bens temporais; não fez, entretanto, uma divisão
desses bens terrenos a cada um dos homens e das famílias. Como o homem tem o dever
de conservar a vida e não podia fazê-lo de outro modo, senão empregando, para
nutrir-se, vestir-se e ter habitação, os bens da terra, - possui um certo
direito a uma parte desses bens; pelo que terá também o direito de excluir do
uso dos bens, a ele necessários, os demais homens e de conservar esses bens
unicamente para si e para os seus.
Eis assim o direto de propriedade.
Pode ser adquirido por varias
formas:
1.º- pela ocupação, fazendo própria, com o ânimo de tê-la por sua, uma coisa
que não pertence a ninguém;
2.º- pela acessão, quando quem é dono de uma coisa se torna dono também do
que à coisa lhe é assessória, como por ex. acontece com os frutos do campo;
3.º- pelo trabalho, porque o homem tem direito de extrair do trabalho o
quanto lhe é necessário à vida;
4.º- pela prescrição, postas certas condições de tempo, de consciência e de
leis;
5.º- pela sucessão hereditária, por
lei ou por testamento;
6.º- por força de um contrato, como
doação, compra e venda, etc.
Furto,
estragos, usura, fraudes
42. - O sétimo mandamento proíbe a
injusta apropriação das coisas de outrem e o dano injusto à propriedade alheia:
e por isso, proíbe o furto, os estragos, as usuras, as fraudes nos contratos e
nos serviços.
Furto
é apoderar-se da coisa alheia contra a vontade racional, presumida ou expressa,
do dono.
Diz-se contra a vontade racional,
expressa ou presumida: a) porque, por vezes, o dono se oporia irrazoavelmente,
como no caso em que um esteja em extrema necessidade e lhe é licito tomar o que
lhe for necessário à vida; ou ainda, no caso em que um possa ocultamente
compensar-se do que por justiça, lhe é devido e não o consegue obter; b)
porque, às vezes, podemos presumir o consentimento do dono, como acontece aos
filhos, quando os pais soem facilmente conceder-lhes o que imploram.
O furto pode ser: propriamente dito,
se roubam ocultamente; rapina ou roubo, se abertamente e com violência; furto
sacrílego, se roubam uma coisa sagrada em qualquer parte, ou roubam coisa não
sagrada em lugar sagrado.
Estrago
se produz, quando se destrói ou se arruína o que pertence ao próximo, quebrando
queimando os objetos, fazendo-os perecer, etc.
Usura
é emprestar dinheiro a juros superiores ao legal e contra o honesto costume. Ao
emprestar-se dinheiro a juros é licito exigir certos juros pelo dano que o
mutuante sofre quando se priva do que é seu, ou ainda, como penalidade, se não
se restitui a tempo devido. O que, porém, o exige deve não exceder os justos
limites estabelecidos pela lei e pelo honesto costume.
Fraude
nos contratos comete-se dando-se mercadorias más, subtraindo-se algo no peso, passando-se
moedas falsas, enganando no jogo, falsificando um testamento, etc.
Fraude nos serviços comete-se, quando
se exigir do operário trabalho maior, ou trabalhar menos do que fora convencionado
ou exigir ele maior salário do que o estipulado, etc.
O sétimo mandamento proíbe, não só danificar
o próximo nos seus objetos, senão também dar a mão a esses danos, isto é,
cooperar no furto, nos estragos, etc. A cooperação pode ser positiva ou negativa.
É
positiva nas ordens, conselho, consenso,
insinuação, participação ao ato etc.; é negativa,
quando, por justiça ou somente por motivo de caridade, se é obrigado a opôr-se
ao dano, a advertir o dono, a denunciar quem foi a causa do prejuízo, e, no
entanto, não se faz o que se devia fazer.
Obrigação
de restituir
43. - O sétimo mandamento ordena
restituir ao próximo o que se lhe tomou injustamente e reparar os prejuízos
culpavelmente causados.
Quem não pode restituir tudo, restitua
em parte; se nem em parte, o pode fazer, procure ao menos fazê-lo com o tempo;
se não o puder fazer nunca tenha a boa vontade de o fazer.
A restituição deve ser feita ao
mesmo proprietário ou a seus herdeiros; se não se encontram nem um nem os
demais, é obrigado a destinar o que se deve restituir a usos públicos e
piedosos, pelo fato de não ser permitido a quem quer que seja tirar vantagem da
injustiça feita. O dever da restituição pertence, em primeiro lugar a quem deu
o prejuízo; - se foram muitos os danificadores, são todos obrigados a reparar in solido, isto é, cada um, de per si,
deve reparar, não só a sua parte, mas a dos outros, se estes não a repararem,
salvo o direito de recurso contra eles.
Deixando, quem praticou o dano, de
restituir ou de o reparar, a obrigação incumbe aos que cooperaram com ele, na
medida em que a sua cooperação influirá, mais ou menos, na ação realizada.
Desejos
proibidos
44. - Ao sétimo mandamento se une o décimo,
que proíbe a cobiça, ou, antes, aquela paixão que faz apegar às riquezas o
coração humano e é raiz de todos os males. Não
proíbe o desejo moderado de se adquirirem as coisas alheias, quando as
desejamos possuir por vias legítimas; nem veda melhorar as próprias condições,
trabalhando, economizando, estudando, etc.
Proíbe o desejo desregrado daqueles
que, para obter as causas alheias, estariam prontos a empregar qualquer meio
ilícito e danoso aos outros; o desejo dos que prefeririam o mal do próximo para
vantagem própria; por ex.: o filho que desejasse a morte aos pais, afim de logo
obter o patrimônio, ou quem desejasse a revolução social, para assenhorear-se
dos bens alheios.
O pecado é mais ou menos grave, segundo
a entidade do que se deseja, os meios que se querem adotar e o dano que se
inflige ao próximo. Comete-se o pecado, tanto se há possibilidade de conseguir-se
injustamente o fim estabelecido, como se for inapto e vão o desejo.