O
EXAME DE CONSCIÊNCIA
1.
O que entendemos aqui por exame de consciência. — 2. Necessidade de examinar
amiúde a consciência. — 3. O exame de consciência complemento da oração mental.
— 4. Modo de fazê-lo. — 5. Exame particular. — 6. Resumo da doutrina do exame e
da meditação. — 7. Ligação dos exercícios da primeira semana com os seguintes.
1.
— Ao tratar da confissão, já vos falei do exame de consciência; mas agora não
trato desse exame necessário para a confissão, senão de um exame de consciência
de todos os dias, para se corrigir dos defeitos ordinários, sobretudo do
defeito dominante, e neste caso ele se chama exame particular.
Este
exame de todos os dias costuma ser de pecados ou defeitos veniais, porquanto,
se fosse de mortais, seria necessária quanto antes a confissão sacramental.
Claro está que tanto o exame quotidiano como o que precede a confissão são das
nossas faltas, e, neste sentido, são iguais, diferenciando-se tão somente em
ter o quotidiano por fim imediato a correção das faltas, e o outro, por fim
imediato, fazer uma boa confissão, e por fim mediato também a correção das
faltas.
Luís
é um pequeno muito estudioso que cursa o primeiro ano ginasial. Tem um programa
onde estão as perguntas da lição de cada dia, e que lhe serve para examinar-se
a si mesmo antes de dar a lição diária. Graças a esse programa ele aprende muito
bem a matéria. Chega ao fim do curso e, com esse mesmo programa, examina-se a
si mesmo sobre todas as lições, depois apresenta-se à banca examinadora, e o
presidente, que é o juiz do exame, dá-lhe uma distinção bem merecida.
Assim
sucede com o menino que pratica o exame
todos os dias. Mediante este, como Luís com o seu programa, ele sabe se vai bem
ou mal na virtude, e vai-se corrigindo dos seus defeitos. Chega o dia da
confissão, e os mesmos defeitos que notou cada dia ele os submete ao tribunal
da penitência, como o outro se submetia à banca examinadora, e o confessor, que
forma o tribunal como representante de Jesus Cristo, absolve-o, como o outro
dá a Luís a distinção.
2.
— Como vos suponho com grandes desejos de vos corrigirdes, depois de haverdes
meditado estes dias nas verdades que expliquei, de ser preciso a todo custo
lutar contra os pecados e defeitos, não há meio mais seguro para isso do que o
exame quotidiano. Este exame refreia a vontade acostumada a maus costumes,
porque não há coisa que retraia de obrar mal como o ter que dar conta diária
destas misérias.
Joãozinho
é muito guloso: quando vê uma compoteira de doce, as mãos já lhe vão atrás
dela, para meter nela ao menos o dedo; mas pensa em que sua mamãe lhe há de
pedir conta, e então não se atreve, e suspira e se contenta com delamber-se.
Quando
um menino tem vontade de não cair num defeito que comete a cada momento, se faz
exame quotidiano, o pensar que lhe hão de pedir contas dessa queda, como
Joãozinho pensava na conta que lhe haviam de pedir, sem dúvida o ajudará muito
a vencer-se.
Nos
jardins bem cuidados costumam crescer entre as flores cardos e ervas más. Que
faz o jardineiro? Vai extirpando-as e arrancando-as cada dia com o seu sacho.
Mas para extirpá-las, olha com cuidado onde elas se arraigam, para não suceder
que, distribuindo sachadas a torto e a direito, arranque cravinas, nardos e
violetas, em vez de cardos, abrolhos e grama que sugam a substância dessas
florinhas.
Esta
inspeção do jardineiro é o exame quotidiano, e o desarraigar plantas más é a
correção dos defeitos, graças à inspeção diária de um bom exame.
3.
— O exame de consciência quotidiano é complemento da oração mental. Já vos
disse que o fim da oração mental são os propósitos. Mas acontece que, ainda
quando saísseis da oração com fervores de santidade, com a dissipação que
trazem consigo os estudos, as aulas, a rua, depressa se evaporam aqueles
espíritos, e a má raiz da nossa natureza, sempre inclinada ao mal, quer fazer
das suas. Claro está que, para perseverar nos bons propósitos, serve o
exercitar-se na presença de Deus; mas, se por desgraça se cai, faz falta o
exame: a custo se pode conseguir aquilo que se desconhece. Já vedes como o
exame é complemento da oração mental.
4.
— Descendo à prática deste exame, pode-se fazê-lo duas vezes ao dia: ao
meio-dia e à noite. Com quatro minutos cada vez, tendes o bastante. Se não
podeis fazê-lo duas vezes ao dia, por vos parecer carga pesada, suprimi o da
noite.
Antes
de comerdes, quando ouvirdes o barulho dos pratos, a arrumação das cadeiras e
da mesa, retirai-vos um pouquinho a um canto. Se mamãe vos perguntar: “Aonde
vais?”, respondei-lhe: “Vou fazer o meu exame”, e ela sorrirá, e talvez
interiormente vos acompanhe, pois também tem a sua consciência.
Bem:
eis que já vos estais examinando. Este exame tem cinco atos. Também a mão tem
cinco dedos. Para vos lembrardes daqueles, ponde-a aberta diante dos olhos.
Primeiro
ato é o primeiro dedo da mão, o polegar, que é o mais gordo. Fareis um ato de
amor de Deus pelos benefícios recebidos, ato grande, gordo como o dedo polegar.
Segundo
ato, o dedo indicador. Para que serve o indicador? Para indicar, para mostrar
uma coisa. Assim o indicador vos diz: “Olha os pecados que tens”. Direis pois:
“Meu Deus,
indicai-me o que fiz este dia ou esta manhã”.
Terceiro
ato, dedo médio, ápice da mão. A ele se dirigem os outros dedos, como por
degraus: ele é o cume, o fim da mão. O fim do exame qual é? Examinar-se. O
terceiro ato será, pois, examinar-se por muito pouco tempo.
Quarto
ato, dedo anular ou dedo cordial. É o dedo do coração. Terei dor de coração
pelas minhas misérias, e, se não cometi nenhuma, darei por isso a Deus as
graças mais cordiais.
Quinto
ato, o dedo mínimo. Farei propósito a respeito das coisas mais miúdas, por
exemplo: se me distraio dos meus estudos e fico a brincar de cavalinhos quando
passo por
tal rua, farei propósito de não passar por ela.
Isto
quanto ao ato de fazer o exame. Mas advirto-vos que muito pouco lograreis com o
exame se vos não esmerardes em tomar-vos conta durante o dia, sem que ninguém o
entenda, das faltas de que vos examinais.
Explicar-me-ei.
Laura
é uma menina irascível em demasia, e propôs corrigir-se deste defeito, que
tanto faz sofrer sua Mamãe do céu, a Virgem Maria. Ela faz um exame das vezes
em que responde com enfado, e das vezes em que interiormente e com vontade se
domina; mas nada adianta. Consulta o seu diretor, e este dá um remédio muito
bom: “Cada vez que voluntariamente
te enfadares, entra dentro de ti, põe a mão no coração dissimuladamente, e
dize: “Tende piedade de mim, meu Deus. Esta hora que segue não me enfadarei”.
Laura torna a cair, porém menos vezes. Ao examinar-se ao meio-dia, torna a
propor o mesmo; ajuda-se na execução do propósito com o conselho do diretor.
Pouco a pouco tem conseguido extirpar do seu coração aquela erva má que afogava
em germe as outras virtudes. Fazei vós outras o que esta menina faz, e o vosso
exame quotidiano surtirá efeitos maravilhosos.
5.
— Isto que vos hei explicado do exame refere-se tanto a todos os defeitos que
se cometem cada dia, como aos defeitos que se cometem contra tal virtude
particular. Ora, quando alguém se examina previamente de tal defeito
particular, por exemplo de não mentir, o exame se chamará particular.
Falando
dos propósitos da oração, eu vos disse não deverem eles ser muito gerais,
dizendo-se por exemplo: “Não vou mais cometer nenhuma falta; vou ser bem
santo”, porque destes propósitos o diabo se ri; mas deveis propor uma virtude
só, e ainda por partes. Assim conseguireis corrigir-vos pouco a pouco de todos
os vossos defeitos. O Evangelho traz a este propósito uma parábola muito
significativa. Diz que um pai mandou o filho trabalhar no campo. Mas o filho
encontrou o campo tão inculto, que se assustou de tamanho trabalho e se deitou
a dormir em vez de trabalhar. Disse-lhe o pai: “Não deves fazer assim, meu
filho, porém trabalhar o campo pouco a pouco; cada dia desbrava um pedacinho, e
faze-o assim todos os dias”. O filho seguiu o conselho e, dentro em pouco, o
campo estava limpo de ervas más.
Vós
haveis de fazer como o jovem da parábola. O campo inculto é a vossa alma,
cheia de ervas más, de misérias. O Pai é Deus, que vos manda limpeis das ervas
más o campo de vossa alma. Mas são tantas! direis, e direis a verdade, porque
talvez sejais embusteiros, iracundos, gulosos, desobedientes e outra porção de
misérias que assemelham vossa alma a um campo cheio de abrolhos e espinhos e
sarças e cambroeiras, um verdadeiro matagal. Já vos vejo de sacho em mão, dispostos
a extirpar tanta peste, mas vos assusta a tarefa. Quanto trabalho! E vos sentis
tentados a jogar fora o sacho e a vos deitardes para dormir à sesta. Pois não,
senhor; é preciso resolver-vos, e, com bons desejos e com a graça de Deus que
vos anima e vos dá forças, empreenderdes a tarefa, pois o leão não é tão feroz
como o pintam, nem aquele trabalho impossível, tanto mais tendo tão soberana
ajuda de custa. Começai a trabalhar só um pedacinho... E já estamos em dúvida
sobre qual há de ser esse pedacinho, ou sobre o que é que ides extirpar em
primeiro lugar de vossa alma.
Aqui
convém que com seriedade vos ponhais a considerar qual o vício que vos domina,
para fazerdes o exame particular.
Talvez
vos queixeis de que vos fatiga tanto apelo que eu vos faço para considerar,
refletir, examinar... Compreendo em parte a vossa queixa, pois não me escapa
que a vossa vida olha ao interior, parece transbordar da taça e derramar-se
espumosa e fervilhante... Venham exemplos, contos, comparações, tão em
conformidade com esse natural vosso... Sim, compreendo-o, mas só em parte; pois
bem vos sabeis concentrar para tramar algum malfeito de execução difícil, e
sabeis calcular e pensar e dispor tão bem as coisas, que estas às vezes deixam
confusas as pessoas grandes. Pois, se às vezes meditais isso para vosso mal,
refleti sobre vós mesmos para vosso bem. Com o que, vamos ao defeito que vos
convém corrigir pelo vosso exame particular.
Assim
como todos nós temos por fora a nossa fisionomia particular, assim também, e
ainda mais, a temos por dentro. Uns têm nariz de papagaio, outros arrebitado;
uns o têm pequenino, a modo de verruga, outros, superlativo. O mesmo digamos
dos olhos, orelhas e demais aditivos do rosto. Assim também, há quem seja
iracundo e brigão, ou preguiçoso, ou porco, ou, se mulher, vaidosa e ciumenta.
Dos vossos defeitos, qual é aquele que, se não o tivésseis, tirar os outros
seria coisa tola, de pouca monta? Pois este defeito, que é o principal que
tendes, e que é como causa de todos os outros, este é que haveis de extirpar
pelo exame particular.
Algumas
vezes tereis ouvido vossa mamãe dizer:
—
Sim, se minha filha não fosse tão desobediente, seria uma pérola.
Este
será o defeito de que vos devereis corrigir pelo exame particular, a
desobediência. Outra mamãe dirá:
—
Minha filha, esses teus ciúmes hão de me matar.
Remédio
ao lado: corrigir os ciúmes e a inveja pelo exame particular.
Ordinariamente,
as crianças, apesar destas indústrias para se conhecerem a si mesmas, costumam
equivocar-se bastante. O melhor será consultar o diretor espiritual, e ele
resolverá as vossas dificuldades, e vos dirá de que defeito deveis fazer o
exame particular, e de que maneira.
6.
— Agora, fazendo um resumo da doutrina exposta nesta explicação e da oração
mental, dir-vos-ei que estes dois meios, a oração e o exame, são
excelentíssimos para tirar os pecados e os defeitos de cada dia. Tal é o fim
principal da primeira semana, diremos, dos primeiros dias de Exercícios. Por
isto coloco-os depois da confissão geral, que é pôr-se em caminho para se
corrigir.
Com
a meditação da manhã, inflamar-se-á o vosso coração para vos corrigirdes e
santificardes; mas, como a princípio as quedas serão indubitáveis e frequentes,
virá o sacho do exame particular, tirando defeito por defeito, vício por vício.
Eventualmente, este exame servirá de preparação remota para a oração seguinte,
trazendo-vos fervorosos. E estais vendo como se mancomunam e se ajudam
maravilhosamente estes dois meios para a vossa correção. Porquanto, meus filhos,
as práticas da vida ascética, que é como se disséramos correção de vícios e
aquisição de virtudes, são de tal natureza, que uma delas bem feita acarreta as
outras, assim como, colhendo uma flor das muitas que formam uma grinalda,
arrastais com a flor a grinalda inteira.
7.
— Terminamos a primeira etapa destes Exercícios deixando-vos bem persuadidos de
que o pecado é o único impedimento que pode privar-vos de ver a Deus, vosso fim
último; e de que o pecado é um mal horrível o único mal verdadeiro.
Já
limpa a vossa consciência pela confissão geral, resolvidos a jamais cometer
pecado grave, e a tirar os leves pelo exame quotidiano, e a empreender nova
vida de oração, vamos agora entrar na imitação de Cristo, praticando as
virtudes que Ele praticou, trilhando o caminho que Ele quer que trilhemos.
Isto
iremos meditando nas explicações que seguem. Das anteriores, e sobretudo da de
hoje, só quero que tireis o firme propósito de corrigir os vossos defeitos, que
é para que se destina o exame particular.
Pedi
à Virgem que vos ilumine e vos dê grandes ânimos deste modo para empreenderdes
o caminho da vossa santificação.
Para
consegui-lo, rezai-lhe três Ave-Marias.