5.
— Não é mais do que isso a oração mental? — Na realidade não é mais do que
isso; mas os santos indicam para ela um método especial a que podemos chamar
clássico, por ser o mais conhecido e o mais próprio para saber meditar,
sobretudo nos princípios. A matéria é algo árida. Revesti-la-ei de imagens e
comparações, em vez de pesadas explicações que vos distrairiam. Pelo que,
atenção.
Suponho
que quereis saber meditar, e suponho-o porque voluntariamente vindes a estes
Exercícios, e precisamente os Exercícios são uma série de meditações. Verdade é
que eu vos falo, e vós escutais e formais propósitos. Assim, pelo meu
entendimento e pela minha linguagem, adaptando-os ao vosso tenro juízo e à
vossa linguagem de crianças, fazemos algo semelhante a meditações, às quais não
faltam os propósitos, pois os fazeis quando propondes o que eu vos digo que
proponhais em cada exortação que vos dirijo. Mas depois, quando meditardes sós,
sem me ouvirdes a mim, como vos avireis?
Em
primeiro lugar, fazei desde já propósito de meditar todos os dias um pouco,
por exemplo durante a missa ou noutra ocasião. Vossas mamães vos deixarão
fazê-lo. Depois vivei santamente. Não pretendo dizer-vos que façais milagres.
Já os fazeis, desses que fazem tremer vossos papais. Não falo desses milagres
de travessuras, porém dos verdadeiros milagres. Não: não é preciso que façais
destes milagres para serdes santos, embora, para vos dizer a verdade, não me
desagradasse ver-vos extáticos, elevados do solo como Santa Teresa, ou falando
a um auditório de peixes como Santo Antônio, ou ressuscitando um morto, como S.
Raimundo Nonato... Sem estes milagres, tendo conduta exemplar, podeis viver
santamente. Durante o dia pensai algumas vezes que estais na presença de Deus e
que Ele penetra as vossas interioridades mais do que a água penetra a esponja.
Quando bate a hora, uma saudação à Virgem, uma elevação do coração a Deus, um
suspiro ao bom Jesus da Eucaristia... Com estas coisinhas conservareis a
devoção, vivereis santamente e vos preparareis para a meditação por preparação
remota. Assim, qual será, pois, o primeiro ato preparatório da meditação?
—
Será a preparação remota.
Em
que consiste a preparação remota?
Em
viver com devoção, recorrendo amiúde à presença de Deus.
Isto
vos parecerá exigir muito para meditardes. Pois sim, meus filhos, para meditar
bem é preciso preparar-se, e, para se preparar, é preciso viver devotamente. —
E não há outro meio? — Não há: esse é de absoluta necessidade.
A
meditação vem a ser algo semelhante ao mover-se da locomotiva na estrada de
ferro. Suponde que estais na plataforma com o vosso bilhete. Soa a sineta. —
Viajantes, ao trem! — e eis-vos já estais acomodados nos vossos assentos.
Ouve-se um apito do trem, depois uns bufidos, os bufidos da fera que, como uma
grande serpente de múltiplos anéis articulados, se move, começa a arrastar-se,
corre, lança-se com velocidade vertiginosa... Estais em pleno fervor da
meditação. Mas não o estaríeis se, ao dar a sineta o sinal, a água da caldeira
da locomotiva estivesse fria. Antes de o trem partir, ou, como se disséssemos,
antes da meditação, foi preciso esquentar a caldeira e encher a fornalha com
carvão e mais carvão. Assim, já estando a ferver a água, ao soar a sineta e o
apito, o maquinista move uma alavanca, aciona o jorro de vapor nos êmbolos, e a
locomotiva parte.
Se
ides à meditação frios, sem essa preparação remota, sem levardes a alma já
quente de fervor pelos meios que eu vos disse, e que é como deitar carvão na
fornalha do coração, nada conseguireis; e esta é a razão por que muitos não
tiram fruto da meditação. Esta preparação remota é de necessidade para toda
espécie de meditação.
A
preparação próxima, que se faz antes de meditar, não é tão importante. Só vos
direi que, quando fordes meditar, vos ponhais em presença de Deus, pensando um
momento em que Ele ali está presente, e pedindo-lhe fazerdes uma boa meditação.
Depois lereis num livro o que ides meditar, por exemplo a eternidade do inferno
ou a Paixão de Cristo.
Convém
que esta leitura já a façais na noite anterior ao dia da meditação, e que vos
levanteis com esse pensamento.
Postos
no lugar da meditação, por exemplo na igreja, depois de praticardes a presença
de Deus que eu vos disse, fazei a composição do lugar. Por exemplo: se ides
meditar o inferno, figurai com muita viveza um imenso lago de fogo crepitante
de chamas... Se meditais na Oração de Jesus no Horto, figurai Jesus de noite,
prostrado debaixo de umas oliveiras. Ouvi-O suspirar, vede correr-Lhe o suor de
sangue até o chão... Ouvi o gemido do vento por entre os ramos das oliveiras,
como que se doendo da paixão do Senhor. Receio que, já ao começardes a
meditação, vos fixeis tanto na composição de lugar, que vos esqueçais da
própria meditação. Talvez que, nesta meditação da Oração no Horto, ouvindo o
murmúrio do vento por entre os ramos, vos embrenheis neles com a imaginação,
procurando um ninho de pássaros que dormem como os apóstolos, e vos esqueçais
de Jesus que ora debaixo da oliveira... Misérias estas que, se se fazem sem
querer, levam o bom Jesus a sorrir em vendo a nossa fraqueza. Mas isto agora
sim: mal compreendais que estais distraídos, reatai o fio da meditação, rompido
por uma distração impertinente.
Bem.
Já estamos na meditação. Consiste esta em pensar e repensar aquilo que se
medita, discorrendo sobre ele; mas, como os vossos discursos não costumam dar
de si coisas de proveito, serve para isto o livro, e as considerações e pontos
que nele achareis. E agora vem o melhor. Quando, no meio dessas considerações
ou discursos, sentirdes o vosso
coração aquecido e com muitos desejos de amor de Deus, desejos de serdes bons,
de vos corrigirdes, de alcançardes virtudes, então fazei propósitos firmes. E
não devem estes propósitos ser muito gerais, porque tanto valeria como não
propor nada. Uma menina que na meditação propõe vir a ser uma santa, não
cometer nenhum pecado, praticar todas as virtudes, é como se nada propusesse.
Deve ela propor uma coisa só, aquela que mais falta lhe faça, por exemplo não
responder quando a repreenderem, e assim fará uma boa meditação.
Matilde
é uma menina muito esperta, que borda primorosamente, quer em talagarça, quer
em cetim, quer em veludo Para ela não há dificuldades. A professora entrega-lhe
uma bandeira para bordar. A bandeira deverá ter uma imagem da Imaculada no
meio, ornada de nuvens brancas. Nos ângulos do pano umas rosetas de ouro e
escarlate. Toda ela está ornada por uns como festões de flores. A pequena
entusiasma-se: concebe um trabalho precioso, trabalho de artista! Pega o seu
pano, desenha com o carvão, começa a bordar os festões, o rosto da Virgem, um
pedaço de nuvem, outro pedaço mais além, duas rosetas... precipita-se,
disparata... O que ela concebeu como obra de arte e, com o fervor do desejo,
começou a executar todo de uma vez, vai-lhe resultando um informe amontoado de
agulhas, fios, traços de carvão, sedas flutuantes... Ela se aflige, se
confunde, perde a idéia... Adeus, obra de arte! Tudo foi deitado a perder pela
inconsiderada execução do estandarte, por haver Matilde esquecido aquele adágio
de senso comum: “Quem muito
quer muito perde”.
Nem
mais nem menos do que assim, procede na meditação aquela menina que propõe
fazer-se santa de repente, praticando todas as virtudes. Proponha praticar uma,
e mesmo o pedacinho de uma, aquele pedacinho que tanto lhe custa, o não ser
respondona, o não ser ciumenta, e a meditação será ótima.
Há
na meditação uns movimentos da alma que se chamam afetos. São certas aspirações
de amor a Deus, de dor dos pecados, de ternura para com Jesus ou a Virgem...
Quando eles venham, recolher dentro de si a atenção, fechar as portas dos
sentidos, e entregar-se à fruição desse afeto ou às lágrimas daquela compunção,
pois logo brotará, como de sua natural fonte, o claro jorro de água pura, isto
é, os puros e sinceros propósitos.
Não
é, pois, verdade que não é tão complicada como parecia a meditação? Oh, meus
filhos, se eu vos visse na igreja bem devotos, de olhos baixos ou fitando o
sacrário ou uma imagem devota, entregando-vos a meditar alguma passagem da
Paixão do Senhor ou outra consideração devota! Por que há de isto ser
impossível, ou sequer difícil?
Como
esta matéria é interessantíssima para a vida espiritual, pois sem ela a vida da
virtude é impossível, quero tornar sensíveis estas regras de oração mental
mediante um exemplo: Suponde um pintor que vai executar uma grande obra de arte
representando Cristo quando o açoitaram. Que faz ele? Primeiro vive a vida de
arte, quer dizer, maneja os pincéis, desenha todos os dias, traça “croquis”,
figuras soltas, enfim exercita-se para, quando chegar a hora de pintar a grande
obra, estar bem preparado. Esta é a preparação remota da oração, a vida de
oração, a vida interior, o trato habitual com Deus. Depois, já resolvido a pintar
o grande quadro no dia seguinte, pega o pintor um livro que trata da paixão de
Cristo, enche a cabeça com a figura de Cristo atado à coluna, recebendo uma
chuva de açoites, e deita-se com este pensamento. Esta é a preparação próxima,
pensar na meditação do dia seguinte e deitar-se com a idéia dela.
No
dia seguinte o pintor pega o pincel, que é como se pôr a meditar; mas, antes de
molhá-lo, como ele é bom cristão pede a Deus nume e inspiração, o que é pôr-se
na presença de Deus; recapitula, representa bem ao vivo o ato de Cristo receber
os açoites, e vê correr-lhe o sangue, salpicando a coluna e mesmo o rosto e
membros dos verdugos, e logo em córregos e em fios estender-se pelo chão. Olha
o sorriso de ferocidade no rosto dos verdugos, e o rosto de Jesus venerável,
mas contraído pelo sofrimento. Esta é a composição de lugar, representar-se ao
vivo a cena ou história que se vai meditar. Finalmente, começa o pintor a
pintar, que é como começar a obra da meditação. Mas pinta ainda maquinalmente.
É que ainda não o inflama o fervor. De repente, porém, a imaginação se exalta,
vibra-lhe nos olhos o lampejo do
gênio, ele move o pincel nervoso, e brotam no quadro cores maravilhosas, jogos
de luz e de sombra, gestos expressivas: em Jesus, gestos de dor; nos verdugos,
de mofa; nos judeus, de vingança feroz. Está-se em plena meditação; o coração
se comove, a vontade toma resolução heróica...
Não
esqueçais este exemplo para recordardes as partes da meditação.
Recapitulemos
agora, para que vos lembreis. Na meditação cumpre distinguir:
1.º,
a preparação remota, que consiste em viver devotamente; 2.º, a preparação
próxima, que consiste em duas coisas: em ler na noite anterior à meditação os
pontos principais desta, deitando-se com o pensamento deles, e em se pôr na
presença de Deus e fazer a composição de lugar ao começar a meditação; 3.°, a
própria meditação, que consiste em fazer fervorosos propósitos de conseguir tal
virtude ou corrigir-se de tal vício, se bem que estes propósitos possam
fazer-se quando ocorram, quer no princípio, quer no meio, quer no fim da
meditação, pois são a coisa mais interessante e como que o fruto e proveito
dela.
6.
— Santo Inácio, que foi um grande mestre de espiritualidade, além do método que
vos acabo de explicar, propõe outros métodos de oração mental mais simples.
Um
deles é meditar pensando nos mandamentos ou nas obrigações do nosso estado,
esmiuçando os motivos ou razões que há para guardá-los. Melhor do que
argumentando, entender-me-eis com um exemplo.
Suponhamos
um menino que tem o principal defeito de não estudar e, em compensação, nunca
se sente farto de brincar. Este menino que fez bem os seus Exercícios espirituais,
quer corrigir-se desse duplo defeito, e põe-se a meditar sobre isso. Considera
que, brincando muito, a única coisa que costuma ganhar é alguma esfoladura e
frequentes correadas de seu pai, e, da parte do mestre, algum castigo. Em
troca, estudando, ele cumpre o seu dever, enchendo de alegria o bom Jesus. Em
vista destas razões, ele se resolve a estudar com firmeza e a deixar o
brinquedo.
A
outra maneira simples de meditar faz-se discorrendo sobre cada palavra de uma
oração, do Padre-Nosso por exemplo, pensando no significado que ela vos parece
ter e aplicando-o a vós. Assim, ao dizerdes “Padre”, pensais em que Deus não é
um Senhor muito sério, de gesto avinagrado, porém vosso Pai, um Pai
carinhosíssimo, como aquele do filho pródigo. Depois, direis “que estais no
céu”, como dizendo: sim, ele ali está como em seu próprio reino, esperando-me
de braços abertos, pois é meu Pai, para me fazer participante da sua glória. E
assim ides seguindo as demais petições desta bela oração, até conseguirdes
algum efeito seguido do propósito, que é a jóia que buscais.
O
terceiro método simples de meditar, muito parecido com este, é ainda mais
fácil, mas tem bastante de oração vocal, embora eu já vos tenha dito que um
modo de orar não exclui o outro. Consiste em dizer mui devagar uma oração,
pensando palavra por palavra. Rezai, pois, mui devagarinho o Padre-Nosso, a
Salve-Rainha, o “Eu pecador” ou outra oração; pensai no que rezais,
exercitai-vos em afetos e propósitos, e aqui tendes um método simplíssimo de
oração mental. Mas fazei sempre a preparação próxima e remota que eu vos disse,
e, quanto à composição de lugar, para esta classe de meditação seria ela
imaginar estardes diante de Jesus Cristo, que vos ouve com muitos desejos de
vos remediar, e que vós vedes o seu rosto amoroso, as suas mãos sempre
estendidas por pura dádiva, e a seu lado sua Mãe intercedendo por vós.
Assim
explicadas as diversas maneiras de meditar, impossível é achardes desculpa para
vos não entregardes a uma prática tão necessária para caminhardes pela
escabrosa senda das virtudes.
Pedi
à nossa Santíssima Mãe que Ela seja a vossa mestra na ciência de meditar, e que
vos ensine a orar como Ela orava. Pedi-lhe que vos ajude neste caminho; tende
desejo de empreendê-lo; pedi a Ela que esteja convosco na execução desses
propósitos, e vereis como, sendo crianças, podeis ser mestres dos mestres nesta
difícil ciência, que aliás só requer, para ser adquirida, boa vontade.
Pedi-lho
rezando comigo três Ave-Marias.
Continuará com o post: Exame de consciência...
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