TRATADO DO DESÂNIMO NAS VIAS DA PIEDADE
Obra póstuma do Padre J. Michel - 1952
AS NOSSAS INFIDELIDADES REITERADAS NÃO DEVEM
FAZER-NOS PERDER A CONFIANÇA EM DEUS. SÓ A PERDEMOS POR TERMOS FALTA DE FÉ.
Deus, pai terno de todas as Suas criaturas,
empregou todos os meios para tranquilizá-las contra esses temores excessivos
que as afastam d’Ele. Receando que, compenetrado da sua ingratidão, espantado
com as suas infidelidades reiteradas, depois de tantas vezes lhes haver obtido
o perdão, o homem perdesse toda a esperança e não mais ousasse dirigir-se a Ele
para sair do abismo em que seria precipitado, não somente Ele lhe assegura que
os que esperam n’Ele não serão confundidos (Sl 21, 6), mas lhe declara de
maneira bem precisa a Sua vontade misericordiosa sobre este ponto importante:
impõe-lhe como preceito esperar n’Ele.
Este preceito, só podemos cumpri-lo utilmente pela Sua
graça. Poderia Deus ter estabelecido esse preceito se não tivesse querido
ajudar-nos? E, se o estabeleceu, pode não ficar sensibilizado com a nossa
obediência, quando O invocamos na sinceridade do nosso coração? Pode abandonar-nos,
quando cumprimos aquilo que Ele nos prescreveu para obtermos o Seu socorro?
Não; Deus não falta à Sua palavra. Se sucumbimos, é que a nossa confiança se
enfraquece, é que temos falta de Fé.
Quereis uma prova e um exemplo disto?
fornecer-vo-los-á o Evangelho. Fiado na palavra de Jesus Cristo, Pedro, cheio
de confiança, anda sobre as águas. O vento vem a soprar, a confiança do
Apóstolo diminui: ele teme, começa a afundar. Excitando o temor, o perigo
reanima a confiança: Pedro recorre ao Seu divino Mestre, que lhe estende a
mão para impedi-lo de perecer. Para nos instruir, Jesus não quis deixar Seu
Apóstolo ignorar a causa do perigo que este havia corrido. Exprobrou-lhe a sua
falta de confiança: Homem de pouca fé, diz-lhe Ele, por que duvidaste?
Imagem natural, esta, do que sobejas vezes acontece
a uma alma cristã. Enquanto tudo está em paz no seu coração, ela anda com
confiança para ir a Jesus Cristo, conforme Ele a chama. Mas acaso o vento da
tentação vem a elevar-se? acaso as dificuldades da virtude fazem-se sentir?
então ela se perturba, esquece-se de que anda fundada na palavra de Jesus
Cristo, começa a temer; hesita na sua confiança, que se enfraquece sempre mais
por essa infidelidade: e ela começa a afundar; e, se a volta da confiança não
lhe atrai um pronto socorro, ela sucumbe.
S. Pedro estava perdido, se não houvesse chamado
Jesus para salvá-lo; e esse bom Mestre não lhe faltou. Se uma alma cristã,
depois de imitar a fraqueza desse Apóstolo, em vez de perder um tempo precioso
em se assustar, em se lamentar, invocasse como ele o seu Salvador, logo
experimentaria a proteção d’Ele; evitaria tantas quedas, tantas inquietações
que a sua pouca confiança lhe ocasiona. Mas, neste caso, só deve ela queixar-se
de si mesma, se não aproveita o socorro que está sempre pronto, que lhe é
sempre oferecido. Ela conhece o perigo, sabe o meio de se subtrair a ele: é
realmente culpa sua se não segue essa luz.