Fr. Manuel Sancho,
Exercícios Espirituais para Crianças
1955
PARTE PRIMEIRA
A conversão da vida do pecado à vida da graça
(Vida Purgativa. — 1.ª semana)
4.
— A outra oração, que se faz interiormente, é a mental. Sem embargo, às
aspirações curtinhas, ainda que sejam interiores e sem palavras, não se lhes
chama oração mental, porque esta supõe algo mais de tempo, acompanhado de
reflexão interior, de afetos e de propósitos. Eu não saberia definir de outro
modo a oração mental para que a compreendêsseis.
Ao
chegarmos aqui, pode ser que algum diga: “As crianças com oração mental? Pobres
criaturas! Graças sejam dadas a Deus se elas rezarem com um pouco de atenção”.
Mas ter-vos-á em pouco quem assim falar. Eu vos tenho em maior conta, e por
isto creio que podereis fazer a vossa oração mental, com preparação e
composição de lugar e discurso do entendimento e afetos da vontade... — Quanta
coisa! — direis vós, um pouco aturdidos com tanto aparato. — Quem é capaz de
entender esse aranzel?
Em
primeiro lugar, devo dizer-vos que, sem isso a que chamais aranzel, podeis
fazer uma oração mental de primeira, porque para orar não se necessita nenhum
método, como de método não se necessita para amar; antes, muitas vezes ele
estorva.
Uma
vez S. Francisco estava alojado em casa de um bom homem de Assis, chamado
Messer Bernardo. Depois de cear, o Santo foi para a cama. Como ele era tão
santo, Messer Bernardo observava-o, para ver em que era que ele ocupava a
noite. Mas o santo fingiu dormir. O outro também fez que dormia, e começou a
roncar fortemente; mas, por um rabinho do olho, observava S. Francisco, que,
quando, pelos roncos de Messer Bernardo, se convenceu de que este estava
dormindo como uma pedra, levantou-se, pôs-se de joelhos, e pela noite toda
ficou suspenso em alta contemplação, e com uns suspiros como de fogo dizia a
cada momento:
Meu
Deus! meu Deus! — e não dizia outra coisa.
O
outro, ouvindo-o orar com essa devoção, de tal maneira se comoveu, e de tal
modo se lhe revolveu o coração, que desde então ele resolveu seguir o santo, e
assim o fez, e foi um dos primeiros religiosos da Ordem Franciscana.
Já
sei que me direis que aquilo era oração vocal: pois não era senão oração
mental, mas ele dizia aquelas amorosas aspirações a Deus Nosso Senhor como
setas inflamadas que brotavam do seu amoroso coração. Porque na oração mental
podem-se dizer preces, e na vocal fazer suas paradazinhas de reflexão, sem
dizer palavra, e por isso nem uma deixa de ser mental, nem outra de ser vocal.
Melhor dizendo, as duas podem misturar-se, e ordinariamente se misturam sem
nenhum inconveniente, porque para amar não há regras, e a oração é a
comunicação de amor com Deus.
Também
aquela outra santa, Taís a pecadora, quando fazia penitência dos seus pecados
numa gruta, passava grande parte do tempo em meditação, e sabeis como a fazia?
Repetindo com fervor estas palavras: ”Meu Deus, Tu que me criaste, tem
misericórdia de mim”.
Havia
um pobre homem que acompanhava dois frades, servindo-lhes de peão ou guia, e, em
chegando à pousada, os religiosos procuraram um recanto para se entregarem à
meditação quotidiana; mas o pobre homem, que via os religiosos orarem,
recolhia-se também ao seu cantinho e fazia meditação à sua maneira. Por
curiosidade, depois os religiosos lhe perguntaram como era que ele meditava. Ao
que o bom homem respondeu:
Padre,
eu dizia ao bom Deus: “Estes frades são santos e sábios, e eu um burro. Senhor,
aquilo que eles te pedem eu também te peço”.
Se
vós fizerdes a vossa meditação repetindo “Meu Deus!” com aquele fervor de S. Francisco,
ou dizendo com Taís a pecadora: “Senhor, tu, que me criaste, tem misericórdia
de mim”, sem dúvida fareis uma meditação muito boa. E, se, reconhecendo a vossa
insuficiência para meditar, disserdes no íntimo do vosso coração ao bom Jesus:
“Meu Deus, não sei meditar, mas peço-te o que te pedem os teus servos que tão
bem meditam”, também fareis uma ótima oração mental, como fez aquele bom homem.