A Igreja e seus mandamentos
por
Monsenhor Henrique Magalhães
Editora Vozes, 1946
SANTIDADE
DA IGREJA (b)
25
de Setembro de 1945
Em
aditamento ao que vimos ontem, sobre “Igreja santa”, tenho ainda alguma coisa a
vos dizer.
Jesus
Cristo legou à Sua Igreja dois meios poderosos de santificação: a palavra e os
sacramentos: “Ide, ensinai, batizai!”
Os
prodígios que a pregação do Evangelho vem realizando não têm conta. Seria mesmo
impossível enumerá-los, porque uns são visíveis e por toda parte se divulgam;
outros, só Deus sabe! E o mais interessante e que constitui prova irrefutável
da intervenção divina — é que o efeito da pregação nem sempre depende do
pregador. Uma frase que o sacerdote pronuncia sem lhe dar o valor de uma
fagulha capaz de produzir incêndios, de um dardo apto a ferir profundamente —
esta frase inflamada, aguçada pela graça divina, é fagulha, é dardo... e
produz efeitos fulminantes.
Antônio
Martel, aquele jovem professor da universidade de Lille, entrando casualmente
numa igreja de Paris, ouviu esta frase do sacerdote que pregava: “Amai o vosso
próximo, por amor a Deus!” — Os assistentes escutavam a pregação... e a frase
do pregador não foi objeto de comentário de ninguém. Antônio Martel, todavia,
não teve mais descanso! “Preciso fazer algum bem aos meus irmãos!” — dizia ele
consigo mesmo... e esse pensamento não o deixou mais tranquilo. — Toma um
professor particular, aprende o russo, vai para Moscou e começa a exercer um
sublime apostolado entre os católicos perseguidos. Isto se passou entre 1922
e 1926. No fim deste último ano Martel foi preso como elemento suspeito e mais
tarde posto em liberdade por intervenção da embaixada da França, em 1927. —
Volta à Pátria e continua o seu apostolado de amor ao próximo, morrendo muito
moço ainda, em 1931. Quando seu corpo baixava à sepultura no cemitério de
Baume-les-Dames, em Lille, um dos seus superiores hierárquicos, da
Universidade, murmurou: “Eu não tenho fé, mas agora sei o que é um santo!
conheci um santo!”
Aqui
mesmo, bem perto de nós, o sr. Arcebispo Jaime de Barros Câmara, em suas
visitas pastorais, tem operado conversões notáveis. — Diáriamente, nos hospitais,
Deus fala ao coração dos sofredores e os transforma em santos, pela palavra do
sacerdote que lhes comunica as energias necessárias para a vitória contra o
poder das trevas.
Igreja
santa... a transfundir nas almas, pelo sangue de Jesus Cristo, uma vida nova e
a conservar, pelo mesmo sangue, a vida sobrenatural! A prática desses dois
sacramentos — sociais por excelência — a confissão e a comunhão, tem conseguido,
mesmo numa época de sensualismo como a em que vivemos, — manter em alto grau de
perfeição multidões de jovens de ambos os sexos, que podem servir de modelo à
nova geração.
Nas
famílias onde se observa a doutrina da Igreja santa, reina a paz, conservam-se
os bons costumes, mantém-se a tradição cristã.
Eis
a santidade que produz a Igreja pela pregação e pelos sacramentos.
Dentro
em pouco toda a cristandade vibrará em homenagens a Santa Teresinha do Menino
Jesus e da Santa Face. Eis uma das mais recentes obras primas da Igreja Santa!
Essa religiosa humilde, cujo valor bem pouca gente soube aquilatar enquanto
ela vivia, morre em 1897... já em nossos dias, e rapidamente empolga o mundo
inteiro, impondo-se por um prestígio a que ninguém resiste, conquista as
glórias dos altares e tem a brilhar em sua fronte um resplendor que será para
sempre a glória de Deus e de sua Igreja santa!
Só
a Igreja Romana é santa.
Quanto
à doutrina, ouçamos o ilustre cardeal Newman que, como se sabe, pertenceu ao
protestantismo, no qual brilhou como teólogo, professor e membro graduado na
heresia; convertido ao catolicismo, chegou ao cardinalato, brilhando ainda
mais na verdadeira Igreja. Diz ele: “A Igreja Romana, hoje como nos primeiros
séculos, ensina toda a doutrina de Cristo contida na Escritura e na Tradição.
Sempre defendeu sua integridade, passando sempre incólume através de inúmeros
erros, aos quais, desde o primeiro dia, galhardamente resistiu”.[1] E’ esta a doutrina que
faz os santos. Só a Igreja Romana possui o inigualável tesouro do Santo
Sacrifício da Missa. Só ela guarda e distribui as riquezas da graça, pelos sete
Sacramentos. A disciplina da Igreja conduz à santidade: o preceito de ouvir
Missa, do jejum, da abstinência, da abnegação. Só a Igreja Romana conserva o
verdadeiro sacerdócio que se propaga pelo sacramento da Ordem. Nela florescem
as ordens e congregações religiosas masculinas e femininas, que têm produzido
brilhante série de santos em todas as camadas sociais. “Estes institutos são
tão belos, diz Voltaire, que chegam a despertar a admiração dos próprios
adversários da Igreja”.[2]
A
Igreja Romana continua a sua obra divina de santificar as almas. Continua a
apresentar ao culto público, pela canonização, os santos que se mostraram
heróis na vida e nas virtudes.
Já
vos falei sobre Santa Teresinha do Menino Jesus. Lembro ainda o Santo Cura d’Ars,
São João Bosco e Santa Bernadette, dos nossos dias. “No século XIV, 310 pessoas
incluídas na lista dos Bem-aventurados e 78 na dos Santos”.[3]
A
Igreja grega, desde o cisma, não mais produziu santos.
Quanto
ao protestantismo, “o mundo ainda está à espera do seu primeiro santo... ”[4]
A
nota “santa” compete exclusivamente à Igreja Romana.
Notas:
____________________
[1] Newman — “Desenvolvimento da doutrina cristã”, parte II, caps. 6, 7, 8.
[2] Voltaire, “Essai sur les moeurs” — t. III, p. 139.
[3] Tanquerey, Th. Dogmática, edição 24.a “De Sanctitate Ecclésiae, n.° 800.
[4] Idem, idem — n.° 810.