A Igreja e seus mandamentos
por
Monsenhor Henrique Magalhães
Editora Vozes, 1946
CATOLICIDADE
DA IGREJA (a)
26
de Setembro de 1915
Jesus
Cristo deu à Sua Igreja uma missão determinada, da qual se originam as notas
essenciais que estamos focalizando, duas das quais acabamos de estudar:
unidade e santidade. E porque estas notas só se encontram na Igreja Romana,
concluímos que só ela é a verdadeira Igreja.
Passemos
à terceira nota: a catolicidade — que significa universalidade. Esta palavra
não se encontra nas Escrituras, pelo menos com referência à Igreja. Mas
aparece-nos escritos dos mais antigos Santos Padres, cujo testemunho foi
sempre reputado de altíssimo valor.
Na
epístola aos fiéis de Esmima, Santa Inácio Mártir tem esta expressão: “Ubi fuerit
Christus Jesus, ibi catkolica est Ecclesia” (n.° 8). Onde estiver Jesus Cristo
aí está a Igreja Católica. A palavra católica, todavia, é aplicada com
sentidos mais amplos em alguns antigos escritores, conservando, porém, o
elemento primordial que a consagra como nota da Igreja.
Igreja
Católica — porque é manifestada a todos os gentios, diferindo do judaísmo, que
era privativo de um povo. São Justino serve-se dessa expressão, em sua
epístola a Trifônio, para afirmar que a Igreja encerra toda a doutrina de
Cristo.[1]
Epifâneo,
“Aos hereges” c. I, n.° 5, emprega-a para frisar que a Igreja se patenteia a
todos os homens. Eusébio — nos capítulos 1.° e 3.° de suas “Demonstrações
evangélicas” diz que a Igreja é católica porque desde sua primeira pregação se
achou universalmente difundida.
Há
duas espécies de catolicidade: de direito — isto é a aptidão de se difundir
universalmente, em toda parte; de fato — a difusão total realizada.
E
vamos à tese: “A Igreja de Jesus Cristo deve ser católica, isto é, universal”.
Prova-se: No Antigo Testamento já se promete a Abraão e a outros patriarcas a
universalidade do Reino Messiânico. Lemos no capítulo 12 do Gênesis: “Em tua
descendência serão abençoadas todas as gerações” (Gên 12, 18; 25, 4; 28, 14).
Há
uma belíssima página bíblica que nos mostra a Igreja de Cristo crescendo e
enchendo a terra. — Nabucodonosor teve um sonho. Numa planície imensa, a perder
de vista, erguia-se colossal estátua de estrutura singular. A cabeça de ouro, o
peito de prata, o ventre de bronze, as pernas de ferro e os pés de ferro e
barro. De uma montanha longínqua desprende-se uma pedra que rola vertiginosamente
pela encosta e continua a correr pela planície, e vem chocar-se com os pés da
estátua, que se esfacelam, caindo todo o colosso com estrondo horrível,
reduzindo-se a um montão de escombros. A pedra, porém, foi crescendo,
dilatou-se, encheu totalmente a planície imensa. — Chamado para interpretar
esse mistério que encerrava grandiosa profecia, Daniel, bem moço ainda,
inspirado por Deus, descreve a magnificência dos impérios que se iriam suceder,
e a sua decadência. Descreve a luta que teriam de sustentar os escravos, os
operários, os pobres para manter a própria vida, e finalmente desvenda o enigma
principal: um Reino que se dilataria por toda parte, enchendo a terra. Devia
fundá-lo um Rei, vindo das alturas do céu. E sobre as ruínas do velho paganismo
cresceria o Reino, dilatando-se universalmente (Dan 2, 27 segs).
Em
o Novo Testamento fala Jesus da semente da mostarda, grão minúsculo que, caindo
em terra, germina e se faz arbusto vigoroso que deita ramos capazes de abrigar
as aves do céu que neles venham pousar.
E,
segundo lemos nos Atos dos Apóstolos, disse o Mestre aos Seus discípulos, antes
da Ascensão: “Dareis testemunho de mim até aos confins do mundo” (At 1, 8). E a
célebre palavra de ordem: “Ide por todo o universo, pregai o Evangelho a toda
criatura” (Mc 16,15).
Os
apóstolos cumpriram sua missão e, selados seus lábios pela morte, continuaram
os sucessores — o Papa, os Bispos, os Sacerdotes, os missionários —
firmando-se mais e mais a convicção de que, realmente, a Igreja fundada pelo
Cristo é católica, isto é, universal.
Nota:
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[1] Apud Tanquered, "De Catholicitate Eccl." - nº 133 - Quarta edição.