TRATADO DO DESÂNIMO NAS VIAS DA PIEDADE
Obra póstuma do Padre J. Michel - 1952
DEUS NUNCA ESTA MAIS PERTO DE NÓS, PARA NOS
SUSTENTAR NO COMBATE, DO QUE QUANDO O ACREDITAMOS MAIS DISTANTE. ELE SÓ PARECE
OCULTAR-SE PARA QUE O PROCUREMOS E INVOQUEMOS.
Às vezes Jesus Cristo não se faz esperar muito
tempo: experimentamos sensivelmente o seu socorro mal O invocamos. Apenas Pedro
Lhe diz: “Senhor, vou perecer, salvai-me”, Jesus Cristo estende-lhe a mão e o
salva. Às vezes esse divino Salvador age de maneira mais oculta. Testemunha
dos combates de uma alma cristã sem se deixar perceber, Ele nunca está mais
perto dela, mais disposto a socorrê-la, quando ela O invoca, do que quando o
perigo é maior e mais premente. Pelo fato de não experimentar uma força
sensível, essa alma desanimada julga o seu Salvador bem distante; e Ele está no
coração dela para sustentá-la. Ela acredita-o como que adormecido sobre as
suas necessidades; e é Ele quem vela pela conservação dela, moderando as ondas
das paixões que a põem em perigo: diz-lhes:
“Ireis até
aqui, e não passareis destes limites” (Job, 38, 11).
Jesus Cristo, que nos instruiu por Suas ações tanto
como pelas Suas lições, dá-nos sobre este assunto uma instrução tão sensível
quanto consoladora. Ele está na barca de Pedro, batida por uma furiosa tempestade
que a ameaça de pronto naufrágio. Parece adormecido e não tomar parte alguma
na triste situação dessa barca; mas nem por isso dirige menos a manobra dos
discípulos para os impedir de se perderem. O perigo e o trabalho duraram
enquanto eles não pensaram em recorrer ao seu divino Mestre com essa confiança
que alcança milagres. Mal o despertam pelos seus rogos, Jesus se levanta (Mt 8,
25), manda aos ventos e às ondas; e a tranquilidade é imediatamente restabelecida.
O que se passou então, quantas vezes a alma fiel não
o experimenta? Em certos tempos, a braços com mil tentações, que Deus permite
para a manterem na humildade e na vigilância, ela se vê incessantemente à
beira de um precipício que lhe faz horror. Parece-lhe estar sem força e a pique
de sucumbir. Porém, mau grado os esforços do inimigo, ela conserva a sua boa
vontade, embora a todo instante receie perdê-la: resiste; continua a cumprir
os seus deveres.
Nessa situação tão penosa, que força a sustenta? Ela
não terá a presunção de pensar que resistiu por suas próprias forças, pelas
suas resoluções, que eram tão vacilantes. Deve compreender que só uma força
divina terá podido impedi-la de naufragar. Jesus Cristo agia secretamente no
coração dela: esse socorro não lhe era sensível, a ela, mas nem por isto era
menos real: o braço que a amparava não se deixava perceber; mas nem por isto
era menos forte. Sem saber como, ela resistiu, saiu vitoriosa do combate pela
graça de Jesus Cristo, que nunca a abandonou, e que finalmente restabeleceu
nela a paz perturbada pela tentação. É nessas ocasiões que uma alma deve
esperar com toda esperança (Rom 4, 18); e será sempre sustentada.