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A Mãe segundo a vontade de Deus ou Deveres da Mãe Cristã para com os seus filhos,
do célebre Padre J. Berthier, M.S
Edição de 1927
O
zelo
Os
deveres que expusemos até aqui para a mãe, embora graves e importantes, são bem
menos graves e importantes do que os de que nos resta a tratar. Até qui efetivamente
só nos ocupamos dos cuidados que têm por objeto o corpo e a vida natural da
criança, e daqui por diante vamos ocupar-nos da cultura da sua inteligência e
da vida sobrenatural da sua alma.
Divino
Salvador, Palavra eterna do Padre, Luz incriada, falai ao ouvido do coração de
todas as mães, e iluminai o seu espírito, para que todas compreendam e sintam
de que tesouros são depositárias, e quais os cuidados que devem ter, para
vo-los conservar. Concedei-lhes essa graça, para que elas, deixando este mundo,
possam dizer, com verdade, o que Vós dizíeis a Vosso Pai, na véspera do dia em
que derramastes o Vosso sangue pela salvação dos homens: Meu Pai, cumpri a
missão que me confiastes: guardei os que me destes, e nem um só de entre eles
se perdeu.
Não
há nada, debaixo do Céu, que seja comparável à beleza da alma humana. — «O
mundo inteiro, e todos os milhares de tesouros que ele encerra, não podem
sequer aproximar-se do seu preço» diz S. João Crisóstomo. Suponde uma balança
imensa. Colocai num dos seus pratos todas as riquezas da terra, e todas as
criaturas privadas de razão, embora fossem transformadas em ouro, e noutro
prato colocai uma única alma. Esta alma pesará mais que todas as riquezas
amontoadas. É que, segundo o pensamento de Santo Tomás, a alma humana é a mais excelente criatura que há na terra; é o ornamento, a beleza do mundo, a obra
prima saída das mãos de Deus, e a sua imagem viva [1], a irmã dos anjos,
destinada a partilhar da sua glória. Para resgatar as almas, foi necessário o
sangue de Jesus Cristo, o sangue de um Deus! Qual não é pois o seu preço?
Eis
a razão por que todos os santos têm dedicado um generoso amor para com as
almas. —«Por elas, exclamava S. Paulo, de boa vontade me entregarei, me
dedicarei todo inteiro.» — «Ó meu Padre, dizia a um religioso, Santa Catarina
de Sena, se soubesseis quanto uma alma é bela e qual é a perfeição dessa obra
prima, não duvido que, para a ganhardes para Deus, desseis de boa vontade cem
vidas, se as tivesseis.» —Santa Madalena de Pazzi, exclamava com todo o ardor
do seu zelo: «Oh! se me fosse possível voar às Índias, ou por entre os Turcos,
para converter as almas, como todos os trabalhos e todos os sofrimentos me
pareceriam doces!»
Se
pois os santos têm tanta dedicação pelas almas, que lhes eram por assim dizer
estranhas, qual não deve ser o zelo da mulher cristã, para com a alma de seus
próprios filhos! Uma beleza passageira que notais no rosto do vosso filho, ou
da vossa filha, ó mãe, faz nascer tanta ternura no vosso coração, e tomais
tanto a peito conservar a vossos filhos essa vida que de vós tiveram: de que
caridade não deveis ser abrasada, para com as suas almas, de quem a fé vos
descobre a excelência? Com que infinito cuidado não devereis preservá-las de
tudo o que poderia desfigurar a sua sobrenatural beleza, e extinguir nelas a
imagem de Deus? O que não deveríeis tentar para as retirardes do medonho perigo
duma perda eterna, quando o pecado a tanto as condenasse?
Santo
Agostinho teve a infelicidade de esquecer-se de Deus, durante a sua mocidade.
Eis o que depois da sua conversão ele próprio escreveu, acerca de sua mãe: «No
tempo dos meus erros,[2] ela chorava-me bem mais amargamente, do que outra
qualquer chora um filho sepultado. As suas lágrimas corriam com abundância...
e com elas regava a terra por toda a parte, onde erguia para vós as suas preces,
ó meu Deus; a todas as horas do dia Vos dirigia súplicas e gemidos, por minha
intenção... Viu-me partir para Roma, e o seu coração parecia despedaçar-se,
seguindo-me até à beira-mar. Obstinava-se em não me deixar, pedindo-me que
consentisse me fizesse companhia.
Durante a minha ausência, continuou a orar
por mim, e Vós, o Deus, que estáveis presente, em toda a parte, onde quer que
ela estava a escutáveis; e também para onde eu estava, voltáveis os Vossos
olhos piedosos, restituindo-me a saúde ao meu corpo enfraquecido após uma
grave doença... E não permitistes que eu morresse nesse estado, o que seria para
mim uma dupla morte, e para o coração de minha mãe uma ferida de que não
poderia restabelecer-se, porque não sei exprimir em que elevado grau por ela
era amado, nem quantas dores a dilaceravam. Sem dúvida que também havia de
sentir a morte dum filho que muito amava, e esse fato seria um golpe profundo
no seu coração. Um dia pediu a um bispo o favor de falar algum tempo comigo, a
ver se me convencia a voltar para Deus, (o que ela fazia a todas as pessoas
que julgava terem alguma autoridade, para me demoverem a isso). — «Pois, minha
filha, respondeu o bispo, continuai a orar, porque não é possível que o filho
de tantas lágrimas se possa perder.» Com efeito, Deus das misericórdias,
teríeis Vós humilhado o coração duma viúva casta, de costumes severos e
rígidos, generosa para com os pobres... que nunca deixava de freqüentar o
templo, de manhã e de tarde, para aí ouvir a Vossa palavra, e ser ouvida por Vós,
nas suas orações? Teríeis podido, ó meu Deus, desprezar as lágrimas da mulher
que não Vos pedia ouro nem prata, nem alguns dos bens passageiros e mortais,
mas a saúde da alma de seu filho?... Minha mãe, continua ele, a quem a piedade
dava uma grande força da alma, veio ter comigo a Milão, tendo-me seguido por
mar e por terra, sempre tranquila, nos maiores perigos, pela confiança que
tinha em Vós, e não tinha cessado de me chorar noite e dia, como se eu tivesse
morrido, e a quem Vós devíeis ressuscitar.»
Chegada
a Milão, pôs-se Santa Mônica em relações com Santo Ambrósio, de quem o filho
admirava a eloqüência, e procurou tornar freqüentes e íntimas as relações do
filho com o santo bispo. Muitas vezes levava consigo o filho, quando visitava
o prelado, e algumas vezes o mandava só, ora com um pretexto, ora com outro, aparentemente
para lhe pedir conselhos sobre um ponto que lhe dizia respeito, mas na
realidade, para fornecer ao filho ocasião de conversar com o santo doutor.
Enfim, depois de vinte anos de gemidos e de súplicas, teve Santa Mônica a
ventura de ver seu filho receber o batismo e abraçar uma vida de desinteresse e
de sacrifício.
Algum
tempo mais tarde, chegando com ele à praia, decidida a embarcar para África, no
fim de uma sublime conversa, acerca do Céu, pelo qual só viviam essas duas
grandes almas, disse Santa Mônica a Santo Agostinho: — «Meu filho, nada agora
me retém sobre a terra; já não sei porque aqui me conservo, visto que já realizei
todas as minhas esperanças. Só desejava viver, para te ver cristão e católico,
antes da minha morte. Deus fez mais, pois que te vejo desprezar toda a
felicidade terrestre para O servir. Que faço, pois, aqui agora?» [3] E
catorze dias depois, Santa Mônica exalava o último suspiro, nos braços de seu
filho.
Leonor
de Bergh, princesa católica, tinha desposado Frederico Maurício de la
Tour-d’Auvergne, duque de Bouillon, à maneira dos fiéis da primitiva igreja,
com a condição de que, abjurando a heresia, entraria no seio da Igreja; o que ele
efetivamente cumpriu, desprezando as sugestões do sua família e dos seus interesses
temporais mais manifestos.
Prematuramente
viúva, a duqueza de Bouillon mostrou pela salvação de cinco filhos e de cinco
filhas que seu esposo lhe tinha deixado, uma solicitude, cujos testemunhos são
tão brilhantes e tão extraordinários, que de certo não seriam acreditados, se
não fossem atestados por monumentos de que se não pode duvidar. A perseverança
de seus filhos na fé verdadeira, que ela teve a glória de restabelecer na casa
de Bouillon, foi desde então a única ocupação da sua vida.
Mas,
pressentindo, ao que parece, que também morria prematuramente, e assustada com
o pensamento de deixar os tenros órfãos, sob a temível influência dos
parentes do finado duque, todos calvinistas ardentes, tomou, por meio do
testamento, disposições tais, que se pode afirmar que nunca, pelo menos por semelhante
forma, se fez tão assinalada e tão admirável profissão de fé. Neste ato das
suas últimas vontades, Leonor de Bergh não trata senão duma coisa, — a fé de
seus filhos. Institui o rei, o parlamento, os bispos, os senhores católicos,
seus tutores honorários, implorando com lágrimas ao monarca, aos magistrados e
aos prelados, que vigiassem não pelos bens temporais ou pelo seu futuro no
mundo, mas única, mas simplesmente pela pureza da sua alma, pelo interesse da
sua salvação, único ponto que ela tomava a peito.
Ordena
aos cinco irmãos, e às cinco irmãs, que ficavam órfãos na terra, que lessem
freqüentemente, durante toda a sua vida, este testamento, onde se expande com
efusão o amor do seu zelo pela religião católica, a fim de se afervorarem cada
vez mais por esta leitura na sua fé. Tendo tido a precaução de fazer escrever e
de assinar, na sua presença, por cada um de seus filhos, a promessa de morrer
católico, ordena que imediatamente depois da sua morte essa promessa seja
posta entre os seus dedos gelados, para ficar com ela encerrada na sepultura.
E isto ainda não é tudo. Exige que os filhos que se conservarem fiéis, reneguem
e nunca mais conheçam aquele que dentre eles tiver traído a sua fé e a sua
assinatura.
«No
dia — dizia ela depois, — em que nós ressuscitarmos todos juntos, voltarei
meus olhos para vós; e se houver algum que se tivesse desmentido da sua
palavra, dir-lhe-hei: — «Vai, maldito e desgraçado! Vai, pérfido e desleal, não
te reconheço por meu filho; tu foste falso à fé de Deus, à Sua Igreja, a tua
mãe, à tua própria assinatura; vai-te!... »
Pelo
que fica exposto, julgar-se-á, sem dúvida, que todos os recursos da ternura
maternal ficaram esgotados, e que, para ter a certeza de que a fé seria
conservada no coração de seus filhos, nada mais podia fazer a duquesa de
Bouillon. Pois enganar-se-ia quem tal pensasse.
Convencida
de que a fé católica é um bem superior a todos os bens, essa incomparável mãe
ainda vai encontrar um supremo recurso, — o de se oferecer ela própria como
vítima. Na sua indizível apreensão de que um só de seus filhos, um só,
pudesse, em assunto religioso, vir a vacilar uma única vez, implorava de Deus,
como um insigne favor, de ficar até ao juízo final no Purgatório, se Deus assim
o quisesse, e por esse único prêmio, conceder-lhe a inabalável perseverança de
todos os seus filhos na fé católica. Já era amor de mãe!
Os
filhos da ilustre e virtuosa princesa não foram, nem podiam ser, indignos de tão
admirável solicitude. Um deles foi cardeal da santa Igreja Romana; duas de
suas filhas, apesar de todo o esplendor da sua posição, beleza e imensa
riqueza, abandonaram as felicidades e grandezas humanas, e foram procurar o
paraíso na terra, nos sofrimentos e na obscuridade do convento das carmelitas;
— todos enfim perseveraram...
Felizes
as mães, que, para com seus filhos, são animadas do mesmo zelo, que as mulheres
admiráveis, cujos exemplos acabamos de citar! Terão, neste mundo a consolação
de ver os seus filhos amar e servir a Deus. Disse de Maistre, com razão: «Se a mãe
souber cumprir os seus deveres, imprimindo profundamente na fronte de seu
filho o caráter divino, pode estar certa de que a mão do vício nunca mais o
apagará. O jovem poderá desviar-se do seu caminho, mas descreverá, se me
permitis esta expressão, uma curva reentrante, que o trará ao ponto donde
tinha partido.» E, acrescentamos nós, até mesmo nos seus erros e desvios,
conservará tristezas e remorsos, sinais dum próximo arrependimento.
Mas
porque será, que, num século em que a caridade tanto se esfriou, esteja extinto
o zelo no coração de algumas mulheres mundanas? Porque, prodigalizando sem
cessar a seus filhos sinais de ternura, não amam neles, senão o corpo, visto
que a fé deixou de existir nas suas afeições naturais, por onde se colige, que
elas não amam. Sócrates dizia a Aleibíades: —«O que não ama se não o vosso
corpo, não ama Alcibíades; porque o que vos ama verdadeiramente, ama a vossa
alma». — Queridas crianças, que apenas sois amadas, dum modo natural, vós não
sois amadas por vossa mãe! Que horrível desgraça! Semelhante a essa ave cruel,
que mete os ovos na terra, e os abandona, vossa mãe não trata senão de vos
procurar os gozos do mundo, e soterrando-vos também, não prepara a vossa
felicidade no Céu. Preservando-vos, com uma atenta solicitude das quedas, que
poderiam comprometer a vossa vida, não receia os abismos, em que se pode
precipitar a vossa alma!
Ó
infelizes mulheres, para que fostes vós mães? Seria somente para dar aos entes,
que fizestes colocar na terra, a vida corporal, que os animais dão ao seu
fruto? Antes as vossas entranhas ficassem, para sempre estéreis! Foi uma
verdadeira desgraça o nascimento do vosso filho, pois que, por vossa negligência
viestes chamar a desgraça sobre a vossa cabeça, e sobre a cabeça de vossos
filhos! Quando, no tribunal de Deus, as infelizes vítimas da vossa negligência
gritarem contra vós mais eloqüentemente que o sangue de Abel gritava contra
Caim, que haveis vós de responder?
Ó
Maria, ó Vós a quem a sede das almas fez descer do Céu sobre uma montanha dos
Alpes, para derramardes sobre os vossos filhos, que se perdem, lágrimas
abundantes de graça, deixai cair no coração de todas as mães uma centelha desse
zelo que abrasa o Vosso!
Notas:
_________________
[1]
Citado pelo Padre Sainte-Jure, de quem extraíamos algumas das reflexões
contidas neste artigo.
[2]
O Santo Agostinho — Confissões.
[3]
Abade Bougaud.