Nota do blogue: Agradeço ao Fabrício pela transcrição.
Padre Júlio Maria de Lombaerde, Comentário Dogmático,
1958, Ed. O Lutador, p. 97-102
DOMINGO DA QUINQUAGÉSIMA
(Lucas XVIII, 31-43)
31. Naquele tempo, tomou Jesus à parte os doze e lhes disse: eis que vamos a Jerusalém, e cumprir-se-á tudo o que foi escrito pelos profetas sobre o Filho do Homem.
32. Porquanto, será entregue aos gentios, escarnecido, açoitado e cuspido.
33. E, depois de o terem açoitado, matá-lo-ão; e ressuscitará ao terceiro dia.
34. Mas os Apóstolos nada disto compreendiam, e era-lhes obscura esta
linguagem e não entendiam o que se lhes dizia.
35. Ora, aconteceu que, quando Jesus ia chegando a Jerusalém,
um cego estava à beira do caminho, pedindo esmola.
36. E, ouvindo o tropel da gente que passava, perguntou o que era aquilo.
37. Disseram-lhe que era Jesus de Nazaré que passava.
38. E logo ele se pôs a clamar: Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim!
39. Parando, então, Jesus mandou que lh’o trouxessem.
40. E, havendo chegado, interrogou-o, dizendo: que queres que eu te faça?
41. E respondeu: Senhor, que eu veja.
42. E Jesus lhe disse: pois fica vendo, e o seguiu, glorificando a Deus. E todo o povo que isto viu, deu louvores a Deus.
OS MISTÉRIOS
O evangelista diz dos Apóstolos: nada disto compreenderam e era-lhes obscura esta linguagem e não entendiam o que se lhe dizia.
Eis uma tríplice afirmação que parece uma simples repetição, mas que contém a doutrina do mistério.
Não compreendiam – era-lhes obscura – não entendiam.
Na Religião há coisas incompreensíveis – há outras obscuras – há outras que não se entendem – isto é, dito em outros termos, na Religião há mistérios.
1. A RAZÃO DE SER dos mistérios.
2. A razão porque DEUS OS REVELOU.
I. A SUA RAZÃO DE SER
Deve haver mistérios numa religião divina.
Uma religião sem mistérios seria uma religião humana.
Se Deus não compreendesse nada mais do que nós, seria uma prova que não é maior do que nós, logo que é como um de nós, não é Deus.
A nossa inteligência é pequenina, limitadíssima; a de Deus é infinita.
É, pois, natural que esta inteligência infinita compreenda muitas coisas que nós não podemos compreender.
E tais coisas incompreensíveis para nós são os mistérios.
São verdades acima de nossa inteligência, ultrapassando o nosso espírito, que são compreendidas por Deus e ficam incompreensíveis para nós.
Neste mundo, nas ciências profanas, há três espécies de verdades:
1. As compreensíveis para todos. – Todos compreendem, por exemplo, que não há efeito sem causa.
2. As incompreensíveis para uns. – As pessoas de estudo compreendem muitas verdades que ficam mistérios para os que não estudaram. Quem estudou geometria compreende logo a proposição seguinte: a soma dos ângulos de um triângulo é igual a dois ângulos retos.
Para quem nunca estudou geometria, tal proposição é misteriosa.
3. As incompreensíveis para todos. – Há milhares de fatos, cujos princípios nos escapam completamente. São os mistérios para todos. À medida que a ciência se estende, em vez de resolver, ela multiplica os mistérios.
Passando do profano ao sagrado, encontramos a mesma divisão. Há verdades claras, há verdades obscuras, há verdades incompreensíveis, ou mistérios.
Deus é infinito e nós somos limitados.
Compreender é conter em si uma verdade.
Ora, o finito não pode conter o infinito.
Logo, deve haver coisas incompreensíveis ou mistérios.
II. POR QUE DEUS NOS REVELA OS MISTÉRIOS?
É uma objeção dos incrédulos. Por que revela ao homem verdades que ele não pode compreender?
Por que?
Porque se não compreendemos o como do mistério, compreendemos a verdade que revela.
Não compreendemos a eletricidade, mas a iluminação e a força que nos proporciona esta eletricidade são compreendida e utilizadas.
Assinalemos apenas três razões de tal revelação:
1. Os mistérios aumentam os nossos conhecimentos. De fato, se não compreendemos, sabemos, e isto é o mais importante.
2. Os mistérios ativam a nossa fé. Acreditamos nas palavras dos homens; por que não acreditaríamos na palavra de Deus?
Em acreditar no que se compreende não há mérito; mas em acreditar o que não se compreende, presta-se homenagem à veracidade daquele que fala.
3. Os mistérios são um testemunho de amor. Os mistérios são o segredo de Deus. Ora, escondem-se os segredos aos estranhos, mas comunicam-se aos amigos. É, pois, uma prova de amizade que Deus nos dá.
Ele nos diz como aos Apóstolos:
“Já vos não chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor; mas chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo aquilo que ouvi de meu Pai.” (João X, 15)
III. CONCLUSÃO
A presença de mistérios numa religião, em vez de ser uma objeção, é uma prova da divindade desta religião.
Só Deus pode estabelecer mistérios.
Entre os homens não há nenhum que possa compreender uma verdade que outro não possa compreender também.
Uns compreendem com mais facilidade, outros com menos; porém com trabalho, estudo e perseverança, o que era misterioso no começo, é compreendido, porque a mesma penetração e agudez podem sempre nivelar-se.
Só Deus pode dizer: eis um mistério e nunca o homem o penetrará.
É o dedo, é o carinho de Deus.
As seitas religiosas, falsas, inventadas pelos homens, não possuem mistérios; só a Religião Católica, Apostólica, Romana, por ser a única divina, possui mistérios. É o selo divino, aposto sobre ela pelo próprio Deus.
Diante destes mistérios, o homem deve inclinar-se humildemente e dizer: Creio, Senhor, por que vós sois infinitamente grande, e eu infinitamente pequeno diante de vós. Creio porque vós o disseste, e a vossa palavra merece toda fé... Nos dá plena segurança da verdade revelada, por obscura ou incompreensível que me pareça.