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Fr. Manuel Sancho,
Exercícios Espirituais para Crianças
1955
PARTE PRIMEIRA
A conversão da vida do pecado à vida da graça
(Vida Purgativa. — 1.ª semana)
3.
— Se o vosso fim é Deus, deveis resolver-vos a servi-lO, e isto por várias
razões.
a)
Em primeiro lugar, Deus vos criou, e, como vosso Criador, tem direito a que O
sirvais e Lhe obedeçais. Há vinte anos, nenhum de vós existia, e Deus disse:
“Quero que exista fulaninho; quero dar vida a tal menina”. E deu-vos a vossos
pais e vos trouxe ao mundo. De modo que tudo quanto sois, por Deus o sois: se
viveis, por Deus viveis. Poder-me-eis dizer: “Sim, mas nossos pais nos têm
criado e nos mantêm”.
Perfeitamente, mas quem foi que criou e manteve vossos
pais? — Os pais deles, dir-me-eis, e àqueles pais outros pais, e assim
sucessivamente. Mas, afinal, havemos de chegar ao primeiro homem, chamado Adão,
e à primeira mulher, chamada Eva, que não tiveram pais, mas saíram
imediatamente das mãos do Onipotente. Logo, todos os pais foram criados por Deus,
pois vêm de Adão e Eva, que foram criados por Deus. Ademais, Deus cria
diretamente a alma de cada um de nós. Além disto, Deus podia matar-vos
pequeninos ou impedir que viésseis ao mundo... Logo, também vós fostes criados
diretamente por Deus, pois Ele vos deu o necessário para que vivêsseis.
Considerando isto, como é possível que haja uma criança tão perversa que diga:
“Não quero servir a Deus, não quero ser completamente d’Ele?” Já sei que vós
não direis isto, porque, embora às vezes sejais revoltosos e travessos, não
sois tão maus que digais ou façais semelhantes desatinos. Não quererdes servir
ao Nosso Criador! Não pertencerdes ao bom Deus que vos tirou do nada! Não, isto
não pode ser.
Já
vistes alguma vez como a galinha tira seus pintinhos? Primeiro põe uma boa
porção de ovos; depois, bem colocados sobre palha, ela se deita em cima deles e
choca-os dias e dias. Assim a vereis sem se arredar dos seus queridos ovos que
hão de converter-se em pintos; e tão afeiçoada está ela a aquecê-los e a
vivificá-los, que, se não a tirarem de cima deles, ela não se moverá dali e
talvez morra de fome, pois nem de comer se lembra. Finalmente, chega um bom dia
em que já os pintinhos se formaram com o calor da mamãe-galinha, e, dentro do
ovo, eles começaram a picar a casca: abrem um buraquinho, põem para fora o
biquinho, empurram a casca com a cabeça, abre-se o seu cárcere, e eles saem ao
mundo piando, cheios de vida... É de ver então como mãe-galinha sacode e arrasta
as asas! Como os chama! Como os abriga! Como os alimenta!... Que diríeis, pois,
se vísseis os pintinhos, em vez de rodearem a mamãe, e acariciá-la com o biquinho, e se lhe meterem por debaixo
das asas, deitarem a correr e abandonarem-na, desatendendo aos seus cacarejos
maternais? Pois bem, meus filhos, assim como os pintinhos saem para a vida de
debaixo das asas das galinhas, assim também vós saís para a vida das mãos de
Deus. Ele dá a vida a vosso pai e aos vossos antepassados e a vós mesmos, como
a galinha dá a vida a seus pintinhos; Ele vos tirou do não ser para o ser, e
lançou-vos no mundo para que O sirvais e ameis. Que ingratidão seria a vossa se
deitásseis a correr atrás das vossas paixões e caprichos, como os pintos maus
de que vos falei, em vez de vos acolherdes sob as asas do vosso Criador,
debaixo da Sua obediência e dos Seus santos mandamentos! Ai! que dor a da
galinha se visse desaparecer seus filhotes! Que desespero! Que gritos
chamando-os! — E que vozes, que angústia do nosso Deus, que sofrimentos, se
Ele sofrer pudera, vendo que os homens, que as crianças se negam a segui-lO
pelo caminho da cruz, se negam a obedecer-Lhe, são maus, são insubordinados! O
próprio Jesus Cristo, nosso Deus humanado, quando andava no meio dos homens,
dizia-lhes, e diz-nos ainda do Sacrário: “Meus filhos, crianças que ouvis o
sacerdote, quantas vezes eu quis reunir-vos debaixo das minhas asas, como a
galinha reúne os seus pintinhos, e não quisestes!” Muito ingratos seríeis se
não vos resolvêsseis a servir a Deus Nosso Senhor.
Mas
como foi que Deus vos criou? Porque há várias maneiras de criar. Os montes, as
águas, as estrelas, as nuvens, as plantas, os animais, Deus também os criou,
por assim dizer, para criaturas secundárias. Explica-se que as criasse como
criaturas secundárias, porque
elas não O amam, nem têm para isso alma racional. Mas o homem, a criança, Deus
criou-os como criaturas privilegiadas saídas do Seu coração de pai, para
amarem, para serem amadas. O corpo do homem Ele o fez de barro; a alma, Ele a
fez com um sopro da Sua boca: “Inspiravit
in faciem ejus spiraculum vitae”. Assim cria Ele as nossas almas com um
suspiro de amor, e, é claro, pede-nos amor.
Desta
especial criação de Deus segue-se, para nós, que, de modo muito distinto das
demais criaturas, nós temos nosso Criador. Elas, as pedras, as plantas, os
animais, não podem amar, porque para isso não têm nem entendimento nem vontade.
São criadas por Deus, é verdade, e cumprem a vontade do seu Criador sem o saberem,
seguindo as leis naturais que Deus lhes impõe. Têm o seu fim nisso, em cumprir
essas leis sendo cada uma o que é, e fazendo o que fazem, para este mundo. Por
isso não apetecem nada mais. Dai a um cavalo a sua ração e ele é feliz. Não vê
nem quer mais do que isso; nem peca, nem pratica a virtude. Não sabe nem quer
saber disso: aqui na terra morre, e tudo se acaba para ele.
A
um homem, a uma criança, acontece coisa mui diversa. Como Deus lhe deu alma,
esta, apenas se dá conta da vida, suspira pela felicidade imensa, que só em
Deus está; quer o seu fim, que é só o seu Criador, e acha n’Ele a sua ventura
por toda a eternidade. Se se apartar deste fim, será eternamente desditosa: é o
castigo de Deus. Que criação diferente a do homem e a do animal! Como é diferente
o fim dos dois! Assim, Deus paga a cada um conforme este seu fim se cumpra ou
não se cumpra.
Vede
numa fazenda que afã de vida laboriosa. Estão ali os filhos do amo, uns
mancebos robustos e alegres; há mulas, vacas, galinhas, cordeiros... Todos servem
ao dono da fazenda. Todos ali nasceram. Todos cumprem a vontade dele, cada qual
à sua maneira. As mulas aram, as galinhas põem ovos, dão leite as vacas, carne
e lã os cordeiros ... O amo dá-lhes boas rações de aveia, cevada e feno. Os
animais não querem outra coisa; estão contentes; já têm cumprido o seu fim.
Os
filhos também trabalham fazendo com amor a vontade de seu amado pai. A eles,
que dará este? A eles dará suas riquezas, sua casa, suas propriedades. Ele
próprio se lhes dá porque os ama; eles são parte dele. — Oh! para meus filhos,
tudo, tudo — diz o pai, orgulhoso de tais filhos.
Mas
ele tem outro filho endiabrado, ruim, perverso. A este ele mantém encarcerado,
O pai está pesarosíssimo, mas diz: — Não, não, ele não sairá do calabouço
enquanto não me amar, cumprindo a minha vontade: então será como os outros.
Vede
nesta parábola como Deus é de modo especial nosso criador, e como nós somos filhos
do Seu coração, pois Ele nos criou para Seu amor, para que, diferentemente das
demais criaturas, O amemos e O gozemos eternamente no céu. E, assim como os
moços bons da fazenda serviam a seu pai e senhor com tanta vontade, e de
maneira mui diferente daquela como o serviam os animais domésticos, muito
melhor havemos nós de servir a Deus, nosso fim, nosso bem, nossa felicidade
eterna. Ai daquele que, como filho díscolo da fazenda, se aparta do seu fim, de
Deus e da Sua lei, para servir aos seus caprichos! Pior do que àquele filho mau
lhe aconteceria, pois, em vez de cair na prisão da fazenda, ele cairia no
inferno. Deveis, pois, servir a Deus, nosso fim último, porque Ele é nosso
amante criador.