CONSELHOS SOBRE A VOCAÇÃO
CAPÍTULO II
ESTUDO DA VOCAÇÃO
Padre J. Guibert
(Superior do Seminário do Instituto Católico de Paris)
edição de 1937
A
vocação segundo o Direito Canônico
58.
— Doutrina de Roma sobre a vocação. — Em 1910, o cônego Lahitton, da diocese de
Dax, na França, publicou um livro de alta importância sobre a vocação
sacerdotal ou religiosa. Após
certa polêmica, este livro foi examinado por Roma e aprovado com grande louvor. Baseando-se
na Escritura e na tradição, o digno teólogo afirmou as três teses seguintes:
1.º
Antes de ser o seminarista chamado pelo Bispo para receber a ordenação
sacerdotal, nenhum direito tinha a ela, por mais que lhe dissessem os
confessores ter ele vocação ab eterno;
2.º
Da parte do ordinando, o que se chama propriamente «vocação sacerdotal», não
consiste (ao menos, não é necessário, nem é de lei ordinária) num tal atrativo
ou convite do Espírito Santo para abraçar o sacerdócio;
3.º
Mas, para que o ordinando possa, com razão, ser chamado pelo Bispo, é
necessário e suficiente que ele possua: a) reta intenção, b) e idoneidade, isto
é, tais dotes da graça e da natureza, tal probidade de vida e suficiência de
doutrina, que inspirem ao Prelado fundadas esperanças que, no futuro, venha a
ser um sacerdote modelar, cumpridor das obrigações do seu estado.
Estas
teses foram aprovadas e louvadas por Roma; não indicam o atrativo sensível como
base da vocação mas apenas a reta intenção e a idoneidade da parte do aspirante
e a aceitação para a ordenação da parte do Sr. Bispo.
Com
leves mudanças outro tanto se pode dizer da vocação ao estado religioso.
59.
— A VOCAÇÃO À VIDA RELIGIOSA SEGUNDO ROMA.
Para
a vocação à vida religiosa, o cânone 538 do Código de Direito Canônico enuncia
claramente quatro sinais que deve possuir o aspirante; eis o texto deste artigo:
Na
Religião, pode ser admitido — qualquer católico, não ligado por algum
impedimento, — que seja movido por reta intenção, — e pareça idôneo para
suportar a vida religiosa.
Como
se vê, nada de atrativo sensível, nada de voz interior misteriosa para chamar o
candidato; contam-se numerosas e excelentes vocações que se decidiram apenas
por motivos de razão, de juízo e não de sensibilidade.
Portanto,
as condições necessárias e suficientes para se conhecer se alguém tem ou não
tem vocação para a vida religiosa, são quatro, a saber: 1.° ser católico; 2.°
não ter impedimento; — 3.° ter reta intenção; — 4.° ser idôneo.
1.ª
Condição. —A condição que seja católico qualquer aspirante à vida religiosa,
está muito clara e dispensa comentários.
2.ª
Condição. — Os impedimentos canônicos que fecham as portas da vida religiosa,
são indicados pelo cânone 542 e divididos em duas categorias: 1.° os
dirimentes, que anulam o noviciado desde a entrada; 2.° os impedientes, que não
anulam o noviciado mas o tornam ilícito, de modo que um pretendente que tivesse
um destes impedimentos e começasse o noviciado calando-o, cometeria pecado.
Os
impedimentos que anulam a entrada no noviciado são 8, a saber:
1.º
ter aderido a uma seita acatólica;
2.º
não ter a idade requerida para o noviciado (em geral, 15 anos completos);
3.º
entrar no noviciado, forçado (por medo, por violência ou por engano); — igual
nulidade se o superior fosse forçado a receber o noviço;
4.º
ser casado (enquanto vive o outro cônjuge);
5.º
ter já feito profissão em outra ordem religiosa;
6.º
ser criminoso ameaçado de sentença judiciária;
7.º
ser bispo, mesmo que apenas fosse preconizado;
8.º
para um clérigo, ter compromisso com seu bispo, de servir na diocese.
Quem
tiver qualquer um destes 8 impedimentos tem recepção nula em qualquer noviciado;
se for descoberto terá que retirar-se.
Os
impedimentos impedientes são cinco, a saber:
1.º
para um clérigo, mesmo livre de compromisso com seu bispo, entrar no noviciado,
sem licença do seu bispo ou contra a sua licença;
2.º
ter dívidas a pagar;
3.º
ter que prestar contas complicadas, com perigo de comprometer mais tarde a
ordem religiosa;
4.º
ser o único arrimo de parentes (pai, mãe, avô, avó) gravemente necessitados; o
mesmo se dá para os pais que deixassem filhos menores sem alimento e sem meios
de educação;
5.º
os católicos de rito oriental não podem entrar em Religião de rito latino sem
licença de Roma.
Quem
tem algum destes impedimentos e entra no noviciado calando-se, comete um pecado;
mas o noviciado é válido apesar disto, porque estes impedimentos são apenas
impedientes.
3.ª
Condição. — A 3.ª condição exigida é a reta intenção. Cada aspirante deve
examinar-se e ver quais são os motivos que o levam a abraçar a vida religiosa.
Eis
alguns exemplos de intenção nobilíssima para entrar na Religião:
-
Fugir do mundo onde há numerosas ocasiões de pecar e perder a alma;
-
Progredir no amor de Deus e na santidade, o que é facílimo na Religião e muito
custoso no século;
-
Salvar as almas por meio da oração, do ensino ou de qualquer ramo de apostolado;
-
Reparar os próprios pecados ou as faltas alheias;
-
Obter a salvação de algum ente querido, como a do pai, da mãe, de algum parente
ou amigo;
-
Tratar de alcançar a palma do martírio, procurando ir a algum país de missão
onde os pagãos matam os cristãos.
Eis
casos de intenções não retas, condenáveis, sinais certíssimos de que o
pretendente não tem vocação:
-
Arranjar «vida cômoda»,— «sem muito trabalho» porque se pensa que na Religião a
gente passa bem;
-
Ter o intuito de fazer fortuna, — de avançar na vida, de alcançar dignidades
eclesiásticas.
4.ª
Condição. — A idoneidade é a 4.ª condição exigida do candidato à Religião;
consiste em tais dotes da graça e da natureza, em tal probidade de vida e suficiência
de doutrina, que inspirem aos superiores da Religião fundadas esperanças que o
pretendente venha a ser Religioso modelo, cumpridor dos deveres do seu estado.
Quem
é juiz da intenção reta é a própria consciência do candidato à vida religiosa.
Quem
tem qualidade para verificar a idoneidade, não pode ser o aspirante à vida
religiosa, pois que seus juízos são suspeitos de interesse pessoal; mas a
decisão, neste caso, compete em primeiro lugar ao confessor ou diretor
espiritual e, de modo definitivo e irrefutável, ao superior provincial do
instituto religioso escolhido pelo pretendente.
De
modo que, em definitiva, a vocação religiosa se resume em: ter aptidão e
vontade da parte do candidato aceitação da parte do superior.
Esta
doutrina é confirmada pelo catecismo do concilio de Trento que diz: Quem é
chamado pelos ministros ilegítimos da Igreja tem vocação legitima.
60.
— SINAIS DE IDONEIDADE. — Acabamos de ver que há dois tribunais competentes
para decidir da idoneidade de um aspirante à Religião: o confessor e o superior
provincial.
Para
um coração generoso, apresenta-se facilmente seguinte dúvida: «Quem sabe se
Deus não me chama à vida religiosa?”. Quem sabe se eu não deveria consultar os
cais tribunais competentes a respeito da minha idoneidade para a Religião? Se
eu fosse recusado, a humilhação seria tão grande que não ouso arriscar a
tentativa.»
Para
resolver esta dúvida a respeito da idoneidade, a mestres da vida espiritual
apontam alguns sinais ou rotas que permitem a um coração piedoso reconhecer com
grande probabilidade se é idôneo ou não o é.
Quando
verifica esta probabilidade, o interessado começa então a ter certa obrigação
moral em resolver totalmente o seu caso e consultar os dois tribunais
supracitados.
Depois
de refletir seriamente sobre o assunto, se o interessado não descobrir em si
vestígio algum de idoneidade, é evidente então que não tem obrigação alguma
para consultar.
Continua com o capítulo: SINAIS DE PROVÁVEL
IDONEIDADE.