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Fr. Manuel Sancho,
Exercícios Espirituais para Crianças
1955
PARTE PRIMEIRA
A conversão da vida do pecado à vida da graça
(Vida Purgativa. — 1.ª semana)
A MORTE
1.
A morte é certíssima e é castigo do pecado — 2. É término dos prazeres da vida.
— 3. — O que é a morte. — 4. O temor das contas. 5. Propriedades da morte. — 6.
O juízo particular
que segue a morte.
1.
— Terrível mal é o pecado: creio que já haveis meditado profundamente esta
verdade. Uma das consequências do pecado original é a morte. Se Adão e Eva não
houvessem pecado, teriam vivido, por graça, imortais; pecaram comendo do fruto
proibido, e ficaram sujeitos a morrer, e todos os seus descendentes a morrer do
mesmo modo que eles. Quanta gente tem morrido desde o princípio do mundo! E
quanta ainda há de morrer! Se pudéssemos reunir todos os corpos mortos, que
montão de cadáveres não cobriria a face da terra! Oh! pecado, que terrível mal
és, já que tal mortandade produzes!
Ninguém
escapará de morrer: eu, vós, todos nós havemos de morrer. Um dia chegará em que
se dirá a cada um de vós: “Conheces, fulaninho? Pois olha, já morreu. É esse
que vai passando por aí no ataúde, levam-no a enterrar”. Muitas vezes tereis
visto pela rua um ataúde num coche puxado por uns cavalos negros. O corpo morto
que há dentro do ataúde é um homem, uma mulher, uma menina, que andava e
conversava como vós. A cada um de vós acontecerá o mesmo. Entre as quatro
tábuas do ataúde pregar-vos-ão bem pregados; levar-vos-ão ao cemitério,
enterrar-vos-ão na cova e... acabou-se tudo. Tudo? Ah, não! Terá acabado este
mundo, mas terá começado a eternidade.
—
Como é triste isto que o Padre nos diz! direis vós. — Sim, é triste, mas
necessário que suceda e proveitoso de considerar-se. Menino teimoso e
preguiçoso, pecadorzinho precoce, tua vida se acabará; menina vaidosa, teus
vestidos, esses trapinhos que tanto amas, tuas tolas vaidades se acabarão,
porque tu também acabarás, pela morte. Mal inevitável: todos nós havemos de
morrer!
2.
— Uma das considerações que a morte sugere e que vos acabo de apontar é que,
com ela, se perde tudo da vida. Há meninos e meninas insaciáveis: aqueles
querem todos os brinquedos, bolas, arcos, cavalos, espadas, espingardas...;
estas querem bonecas de todos os estilos, grandes, pequenas, louras, rosadas,
pianinhos, uma minúscula bateria de cozinha. . . Tudo é pouco, e, se no Natal
não os recebem, choram e batem com o pé. Por quê? Não sabeis que tendes de
deixar tudo com a morte? Bem sabem desta verdade vossos pais, e por isso não
satisfazem todas as vossas ambiçõezinhas, e costumam dar-vos de preferência
coisas úteis, em vez dessas frioleiras. Oh, meus filhos! ambicionai as riquezas
que nunca morrem, ambicionai as virtudes que vivem eternamente e que entrarão
convosco no céu; mais desprezai as coisas deste mundo, que haveis de perder com
a morte.
Havia,
uma vez, uma menina que estava morrendo. O seu rostinho, antes fresco e rosado
como um botão de flor, estava murcho e pálido pela agonia que agitava aquele
peitinho inocente, pois era inocente e pura como um anjo a pobre menina. A
mamãe trazia-lhe ora um cachipô bonito, ora uma boneca linda, ora um livro com
gravuras. A menina movia brandamente a cabecinha, dizendo “não, não” a cada
brinquedo que a mamãe desolada lhe trazia.
Que
queres, minha vida? — dizia-lhe o papai, que sentia uma dessas grandes dores
que são vulgares porque passam sempre, mas que são tremendas porque perdemos
aquilo que mais amamos.
Que
queres, meu coração? — dizia-lhe a mamãe, que se matava por alegrar os últimos
momentos daquele pedaço de suas entranhas.
A
menina, que já recebera o viático e só pensava no seu amado Jesus, olhou para o
céu e disse apontando-o com o dedinho, enquanto sorria: — Lá, lá!
—
E por que não me levas contigo? — disse a mamãe, beijando-a num último beijo,
como se nele lhe desse a alma.
A
menina cerrou os olhos, e sua alma voou rápida, bela, aos céus... Os anjos
fizeram música quando ela entrava. Os papais, na terra, choravam sem consolo...
Comove-vos
esta cena? Eu quisera que todos vós morrêsseis assim. Aquela menina, que era
como uma pomba inocente, que aborrecia o pecado, que amava entranhadamente a
Jesus Cristo, desprezava as coisas da terra que ia perder com a morte: não
queria brinquedos, queria só o céu. Por isso dizia levantando o dedinho:
—
Lá, lá!
3.
— Que é a morte? É o findar desta vida, da vida deste mundo. A vossa bela vida
de brinquedos, de risos, de corridas..., vida de algazarra e de bulha, de risos
e de alegria, e também de choros de vez em quando, acaba-se no momento da
morte. Vede um menino morto. O cadáver ali está triste, hirto, imóvel como uma
pedra. Não vive, não sente; nem goza nem sofre... Antes brincava, agitava-se,
pulava como um cabritinho; agora está quieto como um tronco. Antes gritava e
cantava; agora está mudo. Acabou-se para ele tudo o que era deste mundo. Mas a
morte não é só acabamento desta vida efêmera; é começo da eterna. Esta vida é
um ponto, comparada com a eterna, e o prelúdio de anos infinitos. A morte é,
pois, a fronteira dos anos eternos; a linha divisória entre esta vida, que
passa como um sonho, e a vida eterna, que dura para sempre.
Mas
notai que esta vida eterna é de duas maneiras: inferno eterno, ou céu eterno.
Porquanto os que morrem em pecado mortal vão para o inferno para sempre; e os
que morrem em graça de Deus vão para o céu, para sempre. Terrível alternativa:
ao céu para sempre, ou ao inferno para sempre! Oh! como é tremendo o momento da
morte, quando se joga num instante a salvação eterna ou o inferno eterno!
Paulina
está fazendo exercícios. É uma menina já taludinha, um pouquinho vaidosa e
apegada às coisas deste mundo. Ao ouvir esta meditação da morte, e que tudo
finda com esta, ela mira o seu rosto, que se lhe antolha bonito: as mãos
belamente cuidadas, o cabelo frisado... A morte há de destruir tudo isso. E ela
se considera dentro do sepulcro, toda vermes e podridão; depois pó, um
esqueleto enfim, um esqueleto horrível de se olhar, num leito de pó e de vermes
mortos... Hedionda, sozinha, escura... Paulina cobre o rosto com as mãos. — Eu?
eu? hei de ser isso? — pergunta-se ela a si mesma.
Sim,
tu, — responde-lhe uma voz interior, a voz de Deus que lhe repercute na alma, —
tu, que és pus e pó; porque escrito está: “És pó e em pó te hás de tornar”. Ai!
a vaidade da pobre Paulina desaparece; as suas ilusões, pétalas murchas de uma
rosa, caem ao chão desfolhadas... e ela pensa na eternidade. Depois, mais doces
pensamentos a agitam. Por ser ela boa e amar a Jesus, Jesus aguarda-a do outro
lado da morte: até o juízo final, só a sua alma; depois, alma e corpo juntos,
gozando de Deus para sempre. Com estes pensamentos ela procura mudar de vida e
entregar-se a Jesus Cristo.
Continuará...