Padre Júlio Maria de Lombaerde
Em Nazaré, Jesus era visível, e Jesus era Deus. Entretanto, há outras lições neste mistério de um Deus que se tornou visível a todos. Jesus é um modelo, e um modelo que permanece sempre! E teria sido esta presença da divindade um privilegio reservado unicamente ao século de Augusto, ao alcance somente dos habitantes de Nazaré ou da Palestina?
E nós que vivemos vinte séculos depois desta divina aparição, e cuja alma ardente tem sede de ver e de ouvir Aquele que tem as palavras de vida, estaríamos condenados a nada ver e a nada ouvir?
Ó Jesus, nosso modelo, que mistério é este?
Hoje Deus não seria mais visível? Não o poderíamos ver mais?
Sim, há um meio de tornar visível o bom Deus.
Basta pôr-se em suas mãos, deixar-se formar por Ele. Nós, pobres criaturas faremos o bem, mas é Deus quem nos impelirá. É Deus quem nos sustentará, quem se servirá de nós, e quem, de certo modo, não podendo amar materialmente a sua criatura, nos escolherá para substituí-lo. E nós seremos então “o bom Deus feito visível.”
Oh bom e confortador pensamento! Ele foi ingenuamente expresso por uma mulher do povo, da qual cuidava um membro das conferências de São Vicente de Paulo. No auge do seu reconhecimento, em face das atenções, dos cuidados e da bondade de que este a cercava, e não sabendo como exprimir o que sentia, disse ela: “Ó meu Senhor, se existissem dois bons deuses, vós serieis um deles!”
Oh! Esforcemo-nos por ser um pouco “um bom Deus”, para com aqueles que nos cercam. É com a Sagrada Família que devemos aprender este segredo.
O amor é o característico de Deus. “Deus caritas est”. E que é o amor senão o dom de si mesmo? Amar é pôr à disposição dos outros, para seu alívio, sua instrução, sua felicidade e sua santificação, tudo o que Deus nos emprestou.
E não era isto o que fazia a Sagrada Família?
Jesus punha-se à disposição de seus queridos pais, dos que o cercavam ou frequentavam, e sobre todos espargia o seu sorriso e a sua benevolência.
Ele os consolava nos sofrimentos e os reconfortava nas horas de acabrunhamento.
Não julguemos que Ele tenha feito milagres continuamente, para ganhar os corações, para prestar-lhes serviços, para fazer-lhes prazer e para levá-los a Deus.
Não foram anjos que cumpriram junto a Maria e a José estes pequeninos deveres de um filho submisso e laborioso, os quais exigem fadiga material; foi o próprio Jesus quem se fatigou realmente.
A união da natureza humana à natureza divina não impedia que o coração de Jesus se sentisse magoado pela falta de atenção, que sofresse por causa de uma palavra pouco respeitosa, que se sentisse ferido por um ato de ingratidão. Entretanto nem a grosseria dos seus companheiros, nem a falta de atenção dos que abusavam da sua bondade, nem o ódio dos que não podiam suportar uma virtude que lhes condenava as desordens, arrefeciam um só instante o seu amor.
Depois, Maria e José, nutridos por tais exemplos, penetrados do amor que se irradiava em torno do divino Filho, tinham um só desejo: aproximar-se d’Ele tanto quanto possível.
Se porventura a divindade já se deixou transparecer através duma criatura, fê-lo, sem dúvida, em Maria e José.
De fato, não se aproximavam ambos da divindade tanto quanto o pode um mortal?
Eles sentiam a necessidade de dedicar-se; e Jesus queria tornar-se visível por eles.
Se vinha alguém pedir um serviço a José, ele deixava logo o trabalho mais urgente, para voar em auxílio dos que a ele haviam recorrido.
Se havia um trabalho urgente, ele labutava dia e noite para agradar ao seu cliente.
Aconteceu-lhe talvez, como aos outros trabalhadores, ser repreendido por causa do seu trabalho. Mas para todos José tinha o seu sorriso e o seu bom coração; a todos oferecia os seus serviços, para todos teria sacrificado o seu repouso e a sua vida. É que amava com o amor de Jesus, e, pela virtude, Jesus fazia-se visível nele, por assim dizer.
E Maria! A igreja a chama o espelho de Jesus – Speculum justitiae!
Muitas vezes vinham interrompê-la a pedir-lhe um conselho ou qualquer serviço.
Ela nunca hesitava... dava, dava-se a si mesma... e chegará a dar o seu Jesus para a salvação do mundo!
Em Nazaré havia doentes, havia pobres e órfãos. Maria era para eles a providência visível. De pé, ao romper do dia, depois de ter acabado os trabalhos domésticos, à meia obscuridade ainda, tomava uma cesta, e ia com diligência dividir a sua pobreza com outros mais pobres do que ela.
Sentava-se à cabeceira dos doentes e, consolando-os, falando-lhes do céu e do mérito do sofrimento generosamente aceito, prestava-lhes todos os serviços materiais que lhe estavam ao alcance.
Lavava as chagas, curava as feridas de que outros fugiam e não queriam cuidar. Suavizava pela sua presença, e curava os corpos e as almas.
Os pobres também estavam certos da sua visita.
Cada manhã levava-lhes o seu meigo sorriso e sua palavra mais meiga ainda; dividia com eles o fruto dos suores de seu esposo, e fruto também das suas vigílias e das suas fadigas.
E, quando na estação invernosa, quando o frio enregelava os doentes e os pobres, a compassiva visitante achava sempre, apesar da sua pobreza, que tinha mais do que os outros e que em casa havia supérfluo, objetos de luxo de que em rigor podia privar-se.
Aproveitando as trevas, depressa tomavam estes objetos o caminho das pobres mansardas, para ali levarem um pouco de alegria, um pouco de alívio e um pouco de amor.
Os órfãos de Nazaré não estavam sem mãe. A Mãe de Jesus velava por eles. Não podendo dar a si mesma, ou abrigá-los sob o próprio teto, intercedia por eles junto às famílias mais afortunadas. Abrigava-lhes o corpo, e sobretudo fornecia-lhes os meios de cumprirem os seus deveres para com Deus.
Oh! Seria exagero dizer que às vezes, a horas impróprias, pobres e enfermos vinham bater à porta do carpinteiro José, para ali encontrar com que saciar a fome que os devorava e com que aquecer um instante os membros enregelados, sofredores ou fatigados?
A Sagrada Família, sem dúvida, recebia-os, consolava-os, e deles cuidava. Certamente, nunca julgava fazer demais para alívio destes infelizes.
Quantas vezes, depois de cenas deste gênero, os doentes, os pobres, os órfãos tiveram que repetir, senão com os lábios, ao menos com o coração, o brado desta mulher que citámos ao começar: - Ó mulher, se houvesse dois bons Deus, vós serieis um deles!
Sim, ela era um bom Deus. Deus se refletia na vida de cada um dos membros da Sagrada Família. Vê-los, era ver Deus, que operava neles e por eles. E mesmo quando não se via Jesus, bastava ver Maria e José, que eram como Deus feito visível aos homens!
Ó meu Deus, concedei-me a graça de mostrar-vos aos homens – Vós em mim e eu em Vós. Fazei, entretanto, com que só Vós sejais visto!
Experimentemos, experimentemos, sejamos um pouco, para aqueles que nos cercam, ou que de nós se aproximam, o bom Deus feito visível.
Que suave, que sublime missão!
Procurai amar como a Sagrada Família amava e como ela amaria se estivesse em nosso lugar, cercada das mesmas pessoas, dispondo dos mesmos meios de que dispomos.
Não há perto de nós alguém que sofra e que tenha necessidade de um sorriso ou de uma boa palavra?
Não conheceis algum pobre ao qual o vosso supérfluo levaria um pouco de alegria, um pouco de felicidade, um pouco de bem estar?
Não há em vossa aldeia algum órfão, que chora sua mãe ou seu pai, que procura em vão algum consolo ou um pouco de ternura?
Não conheceis alguma alma dilacerada, que vegeta tristemente abandonada, rejeitada talvez, e a quem uma boa palavra aproximaria do bom Deus, e a salvaria talvez?
Ó jovens, ó homens de coração, hoje, hoje mesmo, sede um pouco São José.
Ó vós, moças cristãs, hoje, hoje mesmo, sede um pouco a Santíssima Virgem.
E vós, queridas crianças, hoje, hoje mesmo, sede um pouco o pequeno Jesus.
Vós todas, ó almas generosas, por vosso procedimento e por vossa dedicação tornai visível o bom Deus.
Sim, meu Deus, eu quero que possam dizer também de mim: se houvesse dois Deuses, tu serias um.
RESOLUÇÃO: Por nossa benevolência e dedicação, sejamos um pouco “um Deus visível” para aqueles que nos cercam, para aqueles sobretudo que não nos são simpáticos.
EXEMPLO
Uma cura miraculosa
A 13 de novembro de 1856, adoeceu gravemente uma piedosa mãe de família, vítima de febre perniciosa. Durante três semanas, o médico empregou sem sucesso os remédios mais enérgicos. Declarou, enfim, que não havia mais esperança de cura. Em tão dolorosas circunstâncias, uma só consolação restava aos amigos da doente: muitas vezes, quando uma crise mais violenta fazia crer que chegara o último momento, reuniam-se todos os membros desta família aflita diante de um quadro da Sagrada Família, suspenso à parede, para recitarem as suas ladainhas. Por sua vez, a doente, fixando a imagem, unia-se às preces que subiam ao céu pela sua cura.
A sete de dezembro, a piedosa mulher, sentindo esgotadas as suas forças, reuniu os filhos em torno do leito para dirigir-lhes os últimos e maternais avisos.
Todos os corações eram presa da mais viva dor. A noite seguinte não foi mais que uma longa agonia. No dia 8 de dezembro, a família desolada terminava um novena em honra da Sagrada Família.
De repente, a doente experimenta uma dor aguda. Mas esta crise era o momento escolhido pela Sagrada Família para fazer resplandecer a sua virtude onipotente, pois a enferma levantou-se exclamando: “Eu estou curada!”
As pessoas que dela cuidavam creram a princípio estar em delírio; ela, porém, apenas vestida, vai lançar-se de joelhos ante o quadro da Sagrada Família, repetindo sem cessar: “Eu estou curada!”. A todos os visitantes que se sucederam sem interrupção, a feliz miraculada mostrava o quadro de Jesus, Maria e José, dizendo: “Foram eles que me curaram”.