segunda-feira, 3 de junho de 2013

O Grande Preceito - Por Padre Júlio Maria de Lombaerde

Nota do blogue: Agradeço a generosidade do amigo e leitor Fabrício pela transcrição. Deus lhe pague e fique à vontade para enviar-me textos bons como esse.

Os Ensinamentos de Nazaré, 1941, O Lutador, p. 152-159


Lembro-me de ter lido em alguma parte esta simples suposição: “Se na família, em cujo meio vivo, todos nós amassemos o bom Deus de todo o nosso coração e acima de tudo, e se nos amássemos uns aos outros, como quer o Evangelho, que aconteceria?” Não passava isso de uma suposição, mas assim mesmo, quanta satisfação, quanto reconforto encerra! Considerando-a, não vos sentis como cercados por uma atmosfera aprazível, luminosa, cheia de promessas e de santas satisfações? Não vos parece que estais como penetrados de alguma coisa que põe o vosso coração, a vossa alma, todo o vosso ser como no meio duma natureza impregnada de paz e felicidade?

A razão é que é tão doce amar e sentir-se amado. Eis porque Nosso Senhor fez do amor o grande preceito da nova lei. Preceito, infelizmente, tão pouco observado, e que não é, geralmente, mais que uma suposição ideal. Pois bem, esta suposição, que desperta no coração, na alma e no espirito daquele que nela reflete um sentimento suave de paz e de felicidade, já existiu em realidade.

Um dia o céu e a terra puderam contemplar o espetáculo deslumbrante duma família, cujos membros amavam a Deus de todo o seu coração e ao próximo como a si mesmos.

É Nazaré!

É por isso que o lar de Nazaré é o ideal da família cristã, o ideal da felicidade terrena, duma felicidade, porém, que não terá fim, pois é baseada em Jesus Cristo.

Amar a Deus e amar ao próximo – eis, de fato, a fonte de todos os bens, a base de toda felicidade – É a religião em suma! E toda esta religião de amor, pela qual Jesus Cristo vinha substituir a religião do temor, professada pelo povo hebreu, concentrava-se em Nazaré; na Sua pessoa divina como na fonte, e d’Ele dimanava sobre o mundo por estes dois canais venerandos: Maria e José.

Nazaré era verdadeiramente algo do céu aqui na terra. Ali amava-se e amavam-se como no céu, sem interesse egoísta, sem interrupção, unicamente em Deus e para Deus.

Os corações de Jesus, Maria e José pulsavam uníssonos, possuídos dum mesmo amor. As suas almas suspiravam pelo mesmo ideal. Na realidade, eles não formavam senão um coração e uma alma, cujo centro, cujo liame e cujo ardor eram o Coração e a Alma de Jesus.

E como irradiava este amor em suas palavras, em seu olhar, em seus gestos e em todo o seu proceder! Tratavam-se com o sorriso nos lábios e a benevolência no olhar.

Quando se separavam, fosse apenas umas horas, sentiam a necessidade de rever-se. Não o diziam sempre, mas o sentiam e deixavam-no transparecer.

A palavra era meiga e polida; e com esta delicadeza, tão própria ao coração, revestia-se, ora das formas da piedade, da ternura, da comiseração; ora do conselho, da paternidade, e mesmo da alegria, segundo as circunstâncias; jamais, porém, provocava altercações, nem resvalava em adulação.

Faltando palavras, o olhar e o sorriso falavam e traduziam os sentimentos de ternura de que transbordava o coração. E sobre tudo isso, resplandecia o amor de Jesus sobrenaturalizado e divinizando tudo.

Oh como é suave o amor a Jesus e amar ao próximo n’Ele e por Ele!

Durante o seu labor exaustivo, São José parava algumas vezes e fixava o olhar, ora sobre o divino Infante, que, perto dele se esforçava por fazer algum pequeno trabalho, ora sobre a Virgem sua esposa tão meiga, tão bela, tão amável. Erguia-se o seu peito e, virando a cabeça, enxugava uma grossa lágrima que lhe brilhava sobre a face crestada, como uma gota de orvalho sobre o solo tisnado pelo calor do dia. E a Virgem, vendo o labutar continuo e exaustivo do esposo, não sabia como testemunhar-lhe o seu reconhecimento. Muitas vezes, sentada perto dele, enquanto os Seus dedos ágeis manejavam o fuso, ela se entretinha com José, falava-lhe do Seu filho... do céu... do amor de Deus... da ingratidão dos homens, e isto, com uma suavidade que arrebatava o santo patriarca e fazia-lhe esquecer o excesso das fadigas e dos sofrimentos.

E depois, a noite, quando o sol já havia desaparecido por detrás e a brisa noturna convidavam ao repouso, sob a verde palmeira que, durante o dia, obrumbrava a pequenina ermida, e que a tarde agitava ao vento às suas folhas palmiformes como um murmúrios d’além, - após a modesta refeição que havia reconfortado a Sagrada Família, eles vinham sentar-se juntos, para se edificarem mutuamente e contar as consolações e os sofrimentos do dia.

Então, Maria e José, fitando ora Jesus, sentado aos seus pés, ora o céu, e esquecendo-se do mundo por alguns instantes para deixar pairar a sua alma acima do visível, conversavam com Deus, como Moisés, “face a face”, “coração a coração”.

Provavelmente, durante este tempo, Jesus erguia ante os olhos dos seus pais o véu do futuro e fazia-lhes entrever os sofrimentos futuros, o seu triunfo sobre o inferno, e o papel que Maria e José deviam desempenhar no mistério da Redenção.

***

Oh doce vida de família, em que Deus é amado e tudo é amado em Deus!

A vida da Sagrada Família era toda uma irradiação de amor; tudo partia do amor e voltava ao amor.

Parece-me que a oração que se elevava dos seus corações e dos seus lábios devia ser, em síntese, o que segue:

“Meu Deus, fazei que nós Vos amemos muito! Meu Deus, fazei que nós Vos façamos amar muito! Meu Deus, fazei que nós nos amemos muito! Meu Deus, fazei que nos ameis muito!”

Doce prece que corresponde tão bem ao grande preceito do amor, que dilata o coração e nos mostra, acima do que passa, o único digno do nosso coração, o único capaz de contenta-lo: Deus.

Porque não repetiríamos, nós também esta oração em nossa família?

Oh se ela estivesse nos lábios e sobretudo no coração de todos os membros de uma família! Isto não seria mais uma simples suposição, seria a realização do grande preceito.

Tornemo-la nossa, piedoso leitor, repitamo-la muitas vezes e façamo-la repetir pelos que nos rodeiam, pois ela é, verdadeiramente, um código de perfeição, o resumo de todos os nossos deveres, o quadro do que se passava em Nazaré.

***

Meu Deus, fazei que nós Vos amemos muito! Então, ficaremos de boa vontade sob o Vosso olhar, felizes de viver e trabalhar perto de Vós.

Então, visitar-Vos-emos venturosos, e todos os dias ver-nos-eis perto do vosso Tabernáculo, desabafar o nosso coração opresso, ou, livre de todo apego, enche-lo com o vosso amor.

Então, iremos a Vós, procurar um pouco de consolação em nossos sofrimentos, um pouco de conselho em nossas dúvidas, um pouco de força em nossos desfalecimentos, um olhar de misericórdia se tivermos tido a desgraça de cair.

Sim, meu Deus, fazei que, como em Nazaré, nós Vos amemos muito!
Meu Deus, fazei que nós Vos façamos amar muito!

Não tendes precisão de apóstolos, de auxiliares, de empregados, de servos? Oh, queremos ser tudo isso! Aceitai-nos como tais:

Seremos generosos para empregar no Vosso serviço a nossa inteligência, todo o nosso coração, todos os nossos bens e todo o nosso tempo, felizes por nos consumir por Vós e mesmo por morrer por Vós!

Seremos engenhosos para falar sobre Vós, para descobrir os meios de crescer no Vosso amor e de nele nos sobressair; e ainda para empregar estes meios com sabedoria, prudência e amabilidade.

Confiaremos na Vossa bondade paternal, certos de que sempre teremos a habilidade, o talento e os meios necessários para desempenhar a nossa missão e de que encontraremos sempre em Vós a palavra que soergue, que anima e que sustenta.

Oh, sim, meu Deus, fazei que, como em Nazaré, nós Vos façamos amar muito!

***

Meu Deus, fazei que nos amemos muito! Como devem amar-se os filhos de uma mesma família, designando-se com o nome suave de irmãos, e chamando-Vos, todos, com a mesma convicção: meu Pai.

Então, havemos de ajudar-nos, suportar-nos, defender-nos, perdoar-nos; julgar-nos-emos felizes por viver com os outros, estaremos fortes para a luta e conduziremos a Vós, ó Jesus, todos aqueles que o nosso zelo encontrar no caminho.

Oh! Vida admirável!

Meu Deus, Meu Deus, fazei que, como em Nazaré, nós nos amemos muito!

***

Meu Deus, fazei que Vós nos ameis muito!

Vós nos amais muito, não o duvidamos. Entretanto, fazei-nos sentir algumas vezes este amor. Pois, senti-lo é para a alma o êxtase da inocência; para o espirito, a iluminação da ciência; para o coração, o palpitar do afeto mais terno e mais durável.

É o esquecimento de todas as penas e a recompensa de toda uma vida de dedicação, de sacrifício e de martírio.

Oh meu Deus, fazei que Vós nos ameis muito... um pouco como amáveis a Sagrada Família de Nazaré, pois queremos reproduzir a tanto quanto possível.

Assim devia ser a prece de Jesus, Maria e José, porque assim era a sua vida.

A nossa vida não é ainda igual a esta. Porém, ao menos, que o seja a nossa oração da noite, para que, pouco a pouco, o seu perfume, o seu poder e a sua influência penetrem os nossos atos, presidam as nossas relações, inspirem a nossa vida, e, pela fiel observância do grande preceito, façam da nossa família uma pequena cópia de Nazaré.

Ó Família bendita, nós o quereríamos, nós vo-lo pedimos, nós o experimentaremos! Abençoai-nos e que o sucesso coroe os nossos esforços.

RESOLUÇÃO: Repitamos muitas vezes esta pequena prece: Meu Deus, fazei que nós Vos amemos muito! Meu Deus, fazei que nós Vos façamos amar muito! Meu Deus, fazei que nós nos amemos muito! Meu Deus, fazei que Vós nos ameis muito!

EXEMPLO

Um boa morte

Há quase cinquenta anos – conta um velho missionário – tivemos a dita de ver morrer uma mãe de família em sentimentos admiráveis. Depois de ter recebido os últimos sacramentos, com pleno conhecimento, consolava a seu marido, que chorava, dirigia as últimas recomendações aos filhos, que cercavam o seu leito, e não receava deixá-los ver com que paz arrostava a morte. Admirados desta confiança em Deus, desta generosidade no sacrifício, em uma mulher do povo, tomamos a liberdade de indagar dela o segredo de sua coragem. Ela nos respondeu:

- Há vinte e cinco anos que eu peço todos os dias à Sagrada Família que me dê a graça de uma boa morte, e eu sinto que ela me atendeu. Eis porque morro em paz.

Peçamos todos os dias a mesma graça a esta divina Família, e ela no-lo obterá.