CONSELHOS SOBRE A VOCAÇÃO
CAPÍTULO II
ESTUDO DA VOCAÇÃO
Padre J. Guibert
(Superior do Seminário do Instituto Católico de Paris)
edição de 1937
Necessidade
de tomar conselho
38.
— Em qualquer negócio é alta sabedoria o tomar conselho. Grandes temerários são
aqueles que se metem, sem conselho de ninguém, em um negócio importante. A
razão indica muito claramente que nossas luzes são limitadíssimas, que o campo
alcançado por nossos olhares é estreitíssimo: quanto mais consultarmos, tanto
mais aumentaremos nossos conhecimentos e tanto mais igualmente diminuiremos as
possibilidades de erro. Se
houver uma questão que exija prudência, onde a luz deve acrescentar-se à luz,
em que sejamos obrigados a consultar os pareceres de pessoas prudentes e
esclarecidas, é certamente a questão de nossa vocação. Perder o dinheiro é
muito para lastimar; perder toda a consideração diante de nossos semelhantes é
mais lastimável ainda; mas perder nossa vida, dirigindo-a para um caminho
errado, seria para nós a maior das desgraças.
É
por isso que a sabedoria humana nos impõe a obrigação de pedir conselho. A
vontade de Deus nos impõe a mesma obrigação, com maior rigor ainda: porque Deus
costuma revelar seus desígnios, por intermédio de seus representantes. Vive, encarna-se
de algum modo na pessoa de nossos pais, mestres e confessores; dirige- nos,
educa-nos por meio deles: quando os interrogamos, a resposta é o mesmo parecer
de Deus. Salvo alguns casos muito excepcionais, o próprio Deus se exprime por
boca deles.
Os
pais.
39.
— De ordinário os primeiros confidentes de vossos segredos hão de ser os pais.
Contudo, dois casos podem apresentar-se: vossa família é religiosa e podeis
acreditar que gostará de ouvir tudo quanto falardes a respeito de vocação; ou
ainda, ela é indiferente, e estais com medo que se oponha à execução de vossos
desígnios.
No
primeiro caso vosso procedimento é muito evidente. Não tereis gosto em abrir
vosso coração a vossa mãe, em primeiro lugar? Se tiverdes qualquer reserva,
acanhamento com vosso pai, vossa mãe falará em vosso lugar. Como supomos que
vossa família é religiosa, vossa vocação será, para todos, uma causa de grande
alegria. Talvez vossos pais, desde muito tempo, desejassem vossa vocação
religiosa, sem ousar, porém, declarar-vos suas esperanças, com receio de
antecipar a ação da graça em vós. Apenas vossa mãe, e só de vez em quando,
tratou de indagar os sentimentos de vosso coração por meio de palavras muito
discretas. Agora que seus mais caros votos estão atendidos, agora que todos se
ufanam pela escolha que Deus fez na família, cada um há de falar mais
claramente convoco a respeito de vossa vocação. Os pedidos e informações para o
Seminário ou o Noviciado, qualquer membro da família os fará com gosto; os
sacrifícios de tempo, de dinheiro que vai custar vossa vocação, serão feitos
com grande prazer; os bons conselhos, as tenras exortações e outros auxílios morais
de que precisais para marchar resoluto em vosso caminho novo, vos serão
prodigalizados por todos.
40.
— Encontram-se, contudo, famílias cristãs que recebem com desgosto a notícia de
uma vocação religiosa para um de seus filhos. Às vezes, é o efeito de um
preconceito instintivo; outras vezes, é o efeito da decepção de esperanças
humanas que se nutriam a respeito de futuro de tal filho. Desde muito tempo os
pais vos preparavam em segredo um brilhante futuro no mundo: de repente a
vocação deita abaixo o edifício deste projeto; a pena que os pais sentem, se
compreende facilmente. — Neste caso, o menino deve evitar de magoá-los por uma
proposição direta: por si mesmas as dificuldades desaparecerão se o menino
proceder com prudência. No começo, que não faça insistência alguma para ter uma
resposta favorável, mas que deixe à graça o tempo de persuadir os pais. Se o
procedimento do menino revelar um desígnio firme, se a todas as perguntas, ele
der a mesma resposta, modesta e convencida, há de ganhar, com toda a certeza, o
consentimento que deseja; embora fossem precisos vários anos de paciência, um
dia, o menino há de triunfar.
41.
— Bem que Deus tome de preferência as vocações nas famílias cristãs, gosta
todavia de escolher almas de elite nos meios indiferentes ou mesmo hostis à
religião. O menino encontra, então, na maior parte do tempo, vivas oposições;
para triunfar, precisa de fervorosas orações e grande prudência.
A
prudência não lhe permite manifestar seus desígnios antes que tenha a total
certeza da vocação. Com efeito para que irritar-vos pais e provocar questões de
família, se as provas ainda não garantiram o apelo divino? Por isso, o
procedimento mais prudente é que o menino fale primeiro aos mestres e ao confessor:
que examine com eles se o atrativo que sente vem do céu, se possui bastante
virtude para carregar o peso da vida religiosa.
Depois
de ter amadurecido sua resolução, poderá descobri-la à família.
Já
seu procedimento ótimo, cheio de piedade, muito diferente do comportamento dos
companheiros, será um primeiro modo de falar; a santidade de sua vida mostrará
aos pais que desejos elevados lhe fermentam na alma, que suas aspirações não
são para o mundo.
Uma
vez que a família tiver compreendido esta linguagem muda, será mais fácil ao
menino tentar um passo para diante: dá-lo-á suavemente, aos poucos, em várias
vezes, deixando, de quando em quando, cair palavras que acabarão por reunir-se
no espírito dos pais e formular um verdadeiro pedido.
É
evidente que nesta luta discreta contra a oposição sistemática da família, o
menino deve seguir constantemente os avisos de um diretor prudente e cheio do
espírito de Deus.
Os
mestres.
42.
— Haverá obrigação de falar aos mestres de vossas aspirações para a vida religiosa?
Distinguirei duas situações muito diferentes a respeito deles: ou a graça vos
leva a entrar na sociedade deles, ou estais inclinado para outra direção.
Se
aspirardes a entrar na família deles, a ser um dia como eles, muito cedo deveis
revelar-lhes vossos desejos. Prodigalizar-vos-ão então cuidados especiais, que
terão o resultado de uma cultura mais apropriada para vosso futuro, mais
proveitosa para vosso desenvolvimento intelectual e moral. Animar-vos-ão com
bons conselhos e iluminar-vos-ão com sábios avisos, de modo que não estareis mais
sozinho para lutar contra as dificuldades exteriores ou os desalentos
interiores. Incumbi-la-ão de organizar todos os preparativos de vossa próxima
admissão no Instituto deles.
43.
— Mas «há numerosas moradas na casa de Deus» podeis dar-vos a Deus sem incorporar-vos
na Sociedade de vossos mestres. São eles bastante esclarecidos para compreender
que Deus sopra para onde quiser e bastante delicados para não contrariar em vós
a ação divina. Portanto não temais em revelar-lhes vossos projetos e pedir-lhes
o que pensam neste ponto. Podeis estar na ilusão a respeito de vossas aptidões;
por meio deles sabereis o que podeis esperar de vós.
Mas
como falar-lhes? Aí está a dificuldade. Estais com tanto acanhamento! estais
embaraçado por uma espécie de vergonha e pelo medo. Eis dois modos de entrar em
relações com vossos mestres.
Em
primeiro lugar, comportai-vos tão perfeitamente, sêde tão aplicado e tão
piedoso que vossos mestres notem que alguma coisa especial está se passando em
vós. Interrogar-vos-ão então e tereis ocasião de revelar-lhes todo vosso
segredo. Os mestres têm tanto jeito para descobrir os meninos em que a graça
trabalha para a vocação religiosa!
Se,
por acaso, os mestres não vos fizerem nenhuma pergunta, tendes ainda o recurso
de comunicar-lhes, sob forma de carta, o estado de vossa alma. Logo que algumas
idéias estiverem trocadas neste assumpto, tereis apenas o trabalho de responder
ás perguntas que vos serão feitas e seguir o impulso dado.
O
confessor.
44.
— Mas o conselheiro por excelência no negócio da vocação, é o confessor. Podeis
resolver definitivamente vossos projetos sem falar nem aos pais nem aos mestres:
nada podeis decidir sem pedir os conselhos do guia de vossa consciência. Para
vós é ele o representante mais autorizado de Deus; é o juiz mais desinteressado
e mais competente ao mesmo tempo. Com efeito, ele não tem interesse próprio na questão:
para ele, o único negócio é colocar-vos no lugar que vos compete; esforça-se
apenas para descobrir a vontade de Deus. Aliás, para conhecer esta divina vontade,
dispõe de meios que não possuem nem os pais nem os mestres: lê em vossa
consciência, está a par do trabalho da graça em vós, pode comparar os recursos
e as insuficiências de vossa natureza, discerne vossas aptidões particulares.
Consultareis
portanto vosso diretor espiritual. É fácil para vós, depois de uma confissão,
declarar no segredo do santo tribunal: «Meu Padre, tenho que lhe dar parte de
uma idéia que me persegue desde algum tempo: uma força interior me excita a não
ficar no mundo; gostaria da vida de retiro e de abnegação que levam os
religiosos e os sacerdotes. Muitas vezes, porém, estes desejos são combatidos
por pensamentos contrários; estou com medo de não ser digno de entrar na casa
de Deus; estou com medo de ser muito fraco para cumprir as obrigações que esta
vida impõe; estou com medo que meus pais não queiram. Por isso, hesito e não
ouso falar.»
Muitas
vezes os confessores facilitam estas revelações aos penitentes. Provavelmente o
vosso já vos perguntou o que pensais ser mais tarde. Quem sabe se não vos disse
que Deus vos chama talvez para a dedicação religiosa? Esta pergunta vos
perturbou no começo e nada respondestes. Mas desde aquele tempo, esta palavra
germinou em vossa alma: vossos desejos saíram do estado confuso em que estavam
e tomaram uma forma precisa, uma firmeza cheia de vigor. Parece-vos agora que
vossa vocação é clara.
Veio
pois a hora de estudá-la com todo o cuidado. Dirigi claramente a pergunta a
vosso confessor: «V. Rvda pensa que Deus me chame à vida religiosa?» Para resolvê-la,
ele precisa de elementos ou sinais de vocação, os quais são geralmente dois na prática:
o atrativo divino e a aptidão profissional. Examinareis pois juntos si a
palavra que acabais de ouvir em vós, tem os caracteres da voz de Deus, e si
vossas aptidões são suficientes para que possais esperar o cabal desempenho dos
deveres de vossa vocação.