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Fr. Manuel Sancho,
Exercícios Espirituais para Crianças
1955
PARTE PRIMEIRA
A conversão da vida do pecado à vida da graça
(Vida Purgativa. — 1.ª semana)
7.
— O pecado é de duas maneiras: mortal e venial. Que será pecado mortal? Diz o
catecismo que “é uma infração da lei de Deus em matéria grave”. Uma pessoa que
diz uma blasfêmia contra Deus comete um pecado grave, porque viola o primeiro
mandamento em matéria grave.
E
que é pecado venial? É violar a lei de Deus em matéria leve, ou, violando-a em
matéria grave, não o fazer com plena advertência ou consentimento, como
acontece aos semi-dormidos.
Quem
prega uma mentira que não causa dano ao próximo comete um pecado venial, porque
viola o oitavo mandamento em matéria leve. Mas quem roubar uma boa soma de
dinheiro cometerá um pecado mortal, por violar em matéria grave o sétimo
mandamento, que manda não furtar; porém, roubando uma quantia pequenina
cometerá um pecado venial, por ser leve a matéria do furto. Faltar à missa
inteira ou a parte considerável dela nos dias de festa de guarda, será pecado
mortal; faltar voluntariamente somente ao introito e à epístola será pecado
venial.
Creio
que tereis entendido esta matéria.
8.
— Perguntará talvez algum de vós: Mas será possível que o pecado seja coisa
assim tão grave? Afinal de contas é uma ação humana. — Sim, é uma ação humana,
mas que traz consigo uma injúria a Deus, e neste sentido pode-se dizer que é um
mal infinito, porque com ele se,ofende a um Deus infinito, visto a injúria
crescer com a dignidade da pessoa injuriada. Se um menino falta a outro menino
da sua condição, isso é um pecadinho de pouca monta; mas, se falta a um
cavalheiro digno, a injúria já é muito maior; e, se falta ao rei, então é uma
ofensa muito grave. Que será, pois, ofender a Deus por um pecado mortal?
Ponderai bem, no pecado, esta diferença entre o ofendido e o ofensor. O
pecador, aquele que ofende, é um homem, uma criança, uma mísera criatura feita
por Deus; o ofendido é esse mesmo Deus criador daquele que o ofende,
sapientíssimo, santíssimo, infinito nas Suas perfeições. E que foi que Deus fez
ao pecador? Só bem. E como o pecador Lhe paga? Com o pecado. Será que Deus não
o advertiu de quão terrivelmente ele O ofende pecando? Advertiu-o sim, e ele o
sabe pelo catecismo, por seus mestres, pelo sacerdote, como eu vo-lo ensino
agora, e pela própria consciência. E Deus pode matá-lo no momento de pecar?
Pode. E lançá-lo no inferno? Sim, imediatamente. Como, pois, esse homem, esse
menino, se atreve a pecar? Devem estar loucos. Com razão a Sagrada Escritura
chama loucos os pecadores.
Havia
um rei magnífico que só fazia bem aos seus súditos. Um dia, indo pela cidade,
encontrou-se com um menino farrapento, atirado na sarjeta, e, compadecido dele,
fez que o lavassem e o vestissem com as vestes do Príncipe; levou-o consigo para
o palácio, adotou-o como filho, e o Príncipe, filho do rei, amou-o como irmão.
Assim amimado, o menino da sarjeta cresceu no meio da abundância e da graça do
rei, pois deste só favores recebia. Mas um dia ele esbofeteou o Príncipe, que
tanto o amava, e, se não o matou, foi por não ter podido. Irado, o rei disse:
“Queimem-no numa fogueira”. E assim teria sido feito, se o príncipe não
houvesse intercedido por aquele miserável.
Escutai
a aplicação desta parábola. O rei, quer dizer, Deus, tira o homem da sarjeta
deste mundo, do pecado original; a Igreja lava-o na pia batismal, veste-o com a
veste da graça; Deus leva-o para o seu palácio, para a Igreja. O Príncipe,
Jesus Cristo, acolhe-o como irmão; ele cresce no seio da Igreja no meio da
abundância de graças pelos sacramentos... E o grande ingrato peca, o que quer
dizer esbofetear a Jesus Cristo e crucificá-lO de novo. Ante essa ofensa, que à
consideração se oferece desmedida, pela grandeza de Deus ofendido e pela vileza
do ofensor, o Rei, Deus, condena-o às chamas do inferno. Intercede por ele o
Príncipe, Jesus Cristo, e o pecador, arrependido, recupera a graça de Deus
ofendido. Esta é, meus filhos, a história de todos os dias.
Este
exemplo que vos ponho diante dos olhos para excitar a vossa imaginação e para que
pausadamente lhe mediteis a aplicação, far-vos-á vislumbrar e sentir a
horribilidade do pecado mortal. É um mal tão terrível que, para lhe apagar as
consequências, o próprio Deus teve de Se encarnar e de padecer e morrer por
nós. Só assim o homem pecador pôde saldar a conta infinita que, pelo pecado,
havia contraído com Deus.
Sendo
este o único mal verdadeiro que se nos opõe para a consecução do nosso fim
último, segue-se que devemos aborrecê-lo e evitá-lo sobretudo. O resto é
insignificante em comparação com o pecado, e devemos evitá-lo na medida em que
nos leva ao pecado e devemos procurá-lo na medida em que nos afasta do pecado.
Eis aqui o único mal que deveis evitar: o pecado.
Estais
lembrados do automóvel em que fazíamos uma viagem ao sítio ameno? Pois bem: de
repente, quando ele melhor vai subindo, seguindo as curvas da estrada, topa com
um tronco atravessado que o impede de prosseguir. Os viajantes, e com eles o
motorista, descem do auto e examinam-lhe todo o complicado mecanismo; um aperta
um parafuso, outro enche mais os pneumáticos, outro põe mais gasolina no
depósito: fazem tudo, menos tirar o pau. O auto quer prosseguir, tropeça no
tronco, e torna a parar, e eles voltam a examiná-lo detidamente, peça por peça:
em tirar o tronco ninguém pensa. Que diríeis de toda essa gente? Que são uns
refinados tolos, pois não tiram o único obstáculo verdadeiro, o tronco que os
impede de seguir seu caminho.
Da
mesma maneira, os que, em vez de tirarem o pecado, único obstáculo verdadeiro
que os impede de se achegarem de Deus, se entretém em outras ninharias deste
mundo, como estão longe de alcançar a verdadeira felicidade! Como estão longe
de Deus, fim único da alma! Não percais, pois, totalmente o vosso tempo em
brincar ou em fazer bulha; pensai amiúde em Deus, procurai servi-lO, e para
isto tirai o único obstáculo verdadeiro, que é o pecado. Desterrai de vossas
almas a inveja, a preguiça, os pecados feios, a vingança, e, para conseguir
isto, começai por limpar vossas almas desses obstáculos por meio de uma confissão,
e este será o primeiro passo para começardes a servir a Deus. Depois, limpas já
as vossas almas por este sacramento, podereis andar e mesmo correr pelo caminho
que a Deus conduz, como o auto seguiria veloz o seu caminho se tirassem o
tronco atravessado na estrada.
Preparai-vos,
pois, meus filhos, para fazer uma boa confissão. Mas disto trataremos em
breve.
Agora,
recorrei à Virgem Maria, para que vos ajude nos vossos propósitos, e dizei-lhe:
“Mãe nossa, somos crianças inconstantes e fracas: supri, Vós, Senhora, aos
nossos defeitos. Estamos certos de que, com o Vosso auxílio, começaremos a
caminhar desde já pela trilha da salvação”. Ficai certos de que Ela vos ouvirá,
e reforçará nos vossos corações estes primeiros propósitos.
Pedi-lho
comigo de joelhos, rezando-lhe três Ave-Marias.
Continuará com o capítulo: Inimigos da alma...