A grandeza do homem não consiste em brilhantes façanhas, mas deriva do fundo do coração, manifestando-se por uma eflorescência maravilhosa de virtudes: ela é o fruto da vida interior, raiz oculta de tudo que é belo e perfeito. Sob o invólucro da nossa natureza decaída, há um gérmen celeste, um ser sobrenatural, um homem novo, no dizer de São Paulo; e este homem novo é um novo Jesus Cristo. Assim a vida interior é a própria vida de Jesus Cristo que se comunica misteriosamente a seus discípulos: “Ego in vobis, et vos in me”. “Eu estou em vós e vós em mim”.
Como se forma o fruto e a flor, no coração do cristão se forma a
vida de Jesus Cristo; e esta vida celestial é o amor. Tombam a casca e os
envoltórios; mas o fruto é imortal. A fé passará, desaparecerá a esperança; mas
a caridade subsistirá eternamente: “Caritas numquam excidit”. Ó
mistério incompreendido! Mistério difícil de compreender! Porque nós vivemos
mais pelos sentidos, perdemo-nos em sombras fugitivas e habitualmente nos
conservamos tão apartados do coração que a inteligência das coisas divinas nos
escapa: de maneira que os ensinamentos mais sublimes do Evangelho, nós os lemos
sem os aprofundar. “Não sentis – brada o Apostolo – que Jesus Cristo está em
vós?” (Cor. cap. XIII, 5)Os mistérios da vida interior, foi o próprio Senhor quem nos revelou. “O reino de Deus está dentro de vós. Permanecei em mim, que eu permanecerei em vós. Aquele que permanece em mim e no qual eu permaneço, dará fruto” (S. João cap. XV)
Assim o Verbo encarnado habita em nós; “incorpora-se em nossa natureza”, como diz São João Crisóstomo; cresce em graça e sabedoria em nossas almas, como ainda diz um outro doutor (São Paulino in epist. III ad Server.), e progride até a plenitude do homem perfeito. Ele absorve pouco a pouco a nossa própria vida, para nos penetrar da sua, e de tal modo que o grande apóstolo, devidamente transformado, pôde dizer: “Eu vivo, mas já não sou eu que vivo; é Jesus Cristo que vive em mim”.
Esta doutrina nos patenteia o caráter augusto do cristão. Jesus Cristo é a vinha e nós somos os ramos; da seiva divina nos nutrimos. O cristão é um outro Jesus Cristo, “alter christus”, diz São Gregório de Nazianzo; ele é, segundo a acepção da palavra, um cristo, isto é, um membro de Jesus Cristo, “a carne de sua carne, os ossos de seus ossos”, “ossa de ossibus” (Ef. Cap. V, 30).
Entre o chefe e os membros deve existir uma incessante comunicação de espírito e de vida, um perpétuo fluxo e refluxo de graça e de amor. Assim como os múltiplos ramos da árvore, nutridos de uma mesma seiva, não constituem no seu conjunto senão uma só unidade, assim as almas radicalmente vinculadas no amor de Jesus Cristo frutificam sobre a árvore da vida e reproduzem na Igreja Católica todas as magnificências da santidade.
Oh! Que felicidade inestimável viver interiormente unido a Jesus Cristo! Poder conversar com Ele a toda hora e em todo o lugar e colher nesta santa intimidade a graça que fortifica, ilumina e consola! Quem achou o segredo deste céu interior possui o tesouro oculto do Evangelho; não mais será levado a procurar fora de si consolações passageiras, pois no fundo do coração, como sobre o altar dos perfumes sagrados, arde um incenso inalterável; e a sua vida exterior, misteriosamente sustida e alimentada, se distinguirá pela paz, pela mansidão, pelo amor do próximo e pela igualdade e integridade de uma virtude sempre forte e tranquila.
A frutificação das boas obras glorifica o Pai celeste, mas não é possível sem a adesão íntima e perseverante Àquele que vivifica e fertiliza nossas almas. “Sem mim nada podeis”, diz o Senhor: e os esforços do homem são inúteis. “Mas eu posso tudo nAquele que me fortifica” acrescenta São Paulo.
Seria preciso entrar nas profundezas da teologia, para expor estas grandes e fecundas verdades. Limitemo-nos a tirar delas uma única conseqüência que diz respeito ao exercício prático da vida interior.
Na ordem moral, bem como na ordem física, os seres criados, para poderem subsistir, são obrigados a ir buscar a alimentação em um alimento análogo á sua natureza. Sem nutrição, não há força nem crescimento nem consistência.
O homem regenerado pelo evangelho não se desenvolve pois em sua plenitude, sem estar intimamente com o Deus do seu coração que o nutre da vida divina e transmite a graça pela via dos sacramentos. Só então, cristão completo, ele se torna apto para produzir os frutos da santidade, as obras da caridade e da justiça.
A Eucaristia, Maná do céu, é que é a substância nutritiva da vida interior. Mas para a Eucaristia é indispensável juntar a prece e a oração, veículo das comunicações entre o nosso coração e o coração de Jesus Cristo. “Eu abri a minha boca – dizia David, - e atrai o Espírito”. É esta atração ou esta aspiração de que fala Santa Teresa, que nos dá o verdadeiro sentido da prece interior; e, sob este ponto de vista, a prece ou oração é uma comunhão contínua e perpétua: ela une todas as forças do nosso amor ao Amor eternal. Como a aspiração e a expiração do peito, ela atrai e exala, faz descer do céu, como um balsamo, o orvalho vivificante que o coração de Deus goteja, e faz subir para esse Coração Divino o incenso que se queima no coração do homem.
Tal é o duplo impulso que põe em atividade as forças de nossa alma. Em vão, se descuidais deste exercício, reclamareis o amor de Jesus Cristo. O amor supõe relações vivas e mútuas fusões entre aqueles que se amam: “Admirabile connerciun!” Exclama a Igreja. O homem e seu Deus se aproximam, se fitam, se enlaçam nos amplexos de um inefável amor.
Só pela experiência própria se poderiam compreender estes mistérios. A piedade sem vida interior não lhes conhecem as consolações, está presente sim, mas não a experimenta; possui o incensório, mas não tem a brasa que lhe desprende os perfumes.
Não há nenhuma arte para ensinar os segredos da vida interior; a alma amante os aprende na escola do Espírito Santo; ela os penetra e os experimenta pelo exercício da prece, mais do que por meio de teorias.
Não digais: Eu não sei rezar mentalmente. Dizer isso seria o mesmo que dizer: Eu não sei amar. Rezar é amar, rezar é esperar, é chorar, é desejar, é render graças; rezar é contemplar a Deus em suas infinitas perfeições. Por acaso não sabeis conversar com as pessoas de vossa afeição, mesmo quando se acham ausentes? Ora, Jesus Cristo, nosso amigo do coração, não está ausente; está, ao contrário, presente a todos os que O invocam e particularmente àqueles que sofrem. Para O achardes não é preciso que galgueis até o céu, nem que percorrais os espaços da terra: “Ele reside em vós mesmas e o seu tabernáculo é o vosso coração”. É ai que Ele vos ouve e vos atende, vos fala e vos santifica.
Ditosa é a mulher cristã que, no outono da vida, sente amadurecer dentro de si mesma o fruto imortal que ela tem cultivado com felicidade. As graças exteriores se apagam e a beleza desaparece; e depois, que restará mais, se o coração estiver vazio?
A grande consolação da alma, na hora da morte, é a viva esperança que se justifica na eternidade. A vida interior, se desdobra à proporção que as amarrações terrestres se desatam e a alma comparece perante Deus com os traços de Jesus Cristo. “Meus bem-amados nós somos presentemente os filhos de Deus; mas o que seremos um dia, não se pode ver ainda: Nós sabemos que, quando Ele aparecer, haveremos de ser semelhante a Ele, porque então O veremos tal qual É.” – Diz São João, Epístola cap. IV.
Terminemos. Para compreender os castos segredos desta vida de amor, é preciso pô-los em prática. Ora, esta prática exige a comunhão freqüente, juntamente com a prece interior que se exerce pela oração e pela meditação. Consagrai em cada dia um tempo conveniente a este santo exercício. Os momentos para isto não vos faltarão, se os souberdes com prudência escolher.