quarta-feira, 22 de maio de 2013

Amor da família - Parte Final

Nota do blogue: Acompanhar esse Especial AQUI.
Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950

Vocação

            Que é a vocação?
            A vocação é o chamamento de Deus.
            Quantas espécies há de vocação?
            Há duas espécies principais de vocação: A vocação que consagra a vida ao serviço de Deus, e a vocação para a vida cristã no mundo.
            1.º A vocação para o serviço de Deus é susceptível de três formas:
            — A vocação religiosa acrescida da vocação para estado eclesiástico: é a dos religiosos.
           — A vocação religiosa sem a vocação para o estado eclesiástico é a das religiosas e dos religiosos não padres.
            — A vocação para o estado eclesiástico sem a vocação religiosa é o do clero secular.
            2.º A vocação para a vida cristã no mundo é o estado de celibato no mundo, é o das almas chamadas à virgindade para se entregarem mais facilmente aos exercícios de piedade e à prática das obras de misericórdia, e o estado do matrimônio.

            1— Princípios que esclarecem a questão da vocação

            1.º Deus é o autor da sociedade. Formou-se, diz Pichenot, de condições variadas e de estados diferentes cuja reunião constitui um todo harmonioso que corresponde às necessidades de todos e de cada um.
            2.º Deus destina e chama os homens a ocupar os diversos lugares cujo conjunto constitui a sociedade e é necessário para o seu bom funcionamento.
            3. ° Deus, que proporciona os meios aos fins, distribui os seus dons segundo o destino de cada um. Reparte os talentos, as qualidades próprias ao estado que nos destina, prepara-nos também as graças, as luzes, os auxílios próprios deste estado para vencermos as dificuldades e cumprirmos todos os deveres.

            — Consequências práticas destes princípios. Há três grandes acontecimentos na vida. — O batismo pelo qual nos tornamos filhos de Deus e herdeiros do Céu: é o chamamento gratuito ao Cristianismo; — a boa-morte que é o chamamento para a felicidade perfeita e eterna; enfim, entre o batismo e a morte há escolha de um estado de vida que nos coloca no plano providencial e nos assegura as graças especiais de salvação.
            O grande negócio da salvação eterna, diz santo Afonso, depende principalmente da escolha de um estado. Frei Luiz de Granada chama à escolha de um estado, a estrada real da vida. Por isso, da mesma maneira que se transtorna o movimento de um relógio deteriorando nele o volante, assim também no dizer de são Gregório Nazianzeno, prejudica-se uma vida inteira por um erro inicial, sobre a escolha de um estado.
            E, pois, da máxima importância abraçarmos o estado a que somos chamados: Porque é aí e somente aí, que as nossas aptidões serão exercidas com proveito, os nossos gostos satisfeitos, e temos a certeza de encontrar todos os recursos que nos são necessários para a salvação.

            II. — Meios para cada um chegar a conhecer a sua vocação

            Esses meios são três os principais.

            1.º Recorrer a Deus na oração. — Foi Deus quem escolheu o estado que devemos abraçar; é Ele só que no-lo pode fazer conhecer; daí a obrigação de O consultar.
            É preciso orar com fé, com docilidade e recolhimento. «Falai, Senhor, porque o vosso servo escuta.» Devemos repetir como São Paulo: «Que quereis, Senhor, que eu faça?» Como ele devemos pedir luz a fim de que a face do Salvador ilumine o nosso caminho; como ele, sobretudo, devemos pedir força, porque a nós, como a ele, o Senhor terá de mostrar tudo o que devemos sofrer por Ele.
            2.º Consultar. — Nosso Senhor disse a Paulo: Vai ter com Ananias e ele te dirá o que tens a fazer.
            A respeito da nossa vocação devemos dirigir-nos àqueles que estão em lugar de Deus, quer dizer, primeiramente aos pais; ao diretor que tem a graça de estado para explicar e resolver o problema, com a condição de lhe ser exposto sinceramente em todos os seus aspectos.
            3.º Estudar-se e consultar-se a si mesmo.
Deus, que proporciona os meios ao fim, estabeleceu uma harmonia entre o destino, de uma parte, e os gostos, as aptidões e o caráter, da outra parte. Pertence ao homem ver bem, à luz da razão e da fé, de que é capaz e o que deseja fazer.

            III— Vocação sacerdotal e religiosa

            Há tanta falta de sacerdotes na Igreja de Deus, tantas freguesias sem pároco, tantas terras de infiéis sem apóstolos para pregar o Evangelho! Agora, que é fácil e rápido o acesso a todas as partes do globo! De quem é a culpa?
            Será possível que Deus infinitamente bom e sábio — que semeou as estrelas no firmamento como botões de ouro; que ensinou as avezinhas a cantar o hino de reconhecimento; que toma ao Seu cuidado a florinha dos prados e as árvores gigantescas das florestas que não quer que um cabelo caia da nossa cabeça sem Sua permissão; será possível que Ele abandone, à mercê das circunstâncias, dos gostos e das preferências, como um emprego ou carreira humana, a vocação ao sacerdócio e deixe assim, por momentos, a Sua Igreja sem sacerdotes, mostrando-Se parcimonioso de vocações? Não, isto não é possível.
            Centenas de filhos, em todas as classes da sociedade, tanto entre as mais opulentas como entre as mais pobres, foram escolhidos por Deus para o sacerdócio; mas, a pouca estima das famílias por tão sublime estado, o meio em que o maior número dos jovens vivem, e, talvez, o nosso pouco zelo sacerdotal, tudo isto é a causa da perda do dom divino. Deus põe muitas vezes a vocação nos corações como um germe delicado; pertence-nos descobri-lo, recolhê-lo, cultivá-lo e fazê-lo amadurecer. Não se fala o bastante do sacerdócio às crianças dos nossos catecismos e dos nossos colégios. Não tendes pensado em ser padre? Não quereis ser padre. É bom ser padre.

            1 — Como devem encarar os pais a vocação sacerdotal e religiosa?

            1.º — Devem considerá-la como uma honra.
            A Igreja tem sempre preferido a virgindade cristã ou o celibato religioso ao casamento. «Se alguém, diz a Igreja pela voz do Concílio de Trento, sustentar que o estado do matrimônio deve ser preferido ao estado de virgindade ou do celibato e que não é melhor nem mais santo permanecer no estado de virgindade ou do celibato do que entrar no estado de matrimônio: seja anátema» (Sess. XXIV, 16).
            2.º Devem considerá-la como uma graça, ou antes como uma série ininterrupta de graças adquiridas pelo cumprimento dos votos e pela fecundidade das funções exercidas.
            3.º Devem considerá-la uma fonte de graças para eles mesmos.
            Deus, com efeito, nunca se deixa vencer em generosidade; e a esse pai e essa mãe que lhe sacrificam o que tinham de mais caro, Ele reserva favores cujos benefícios sentem durante a vida e, sobretudo, à hora da morte.
           
            2— O pai e a mãe têm o direito de impedir a seus filhos de seguirem a sua vocação?

            Não. Seria uma verdadeira usurpação oporem-se ao chamamento divino. Se Jesus na idade de doze anos fez chorar de inquietação a mais santa das mães, quando Lhe teria sido tão fácil adverti-la dos Seus desígnios, diz Charruau, foi para dar a vosso filho a coragem de vos ver chorar, e a vós, sua mãe, a de o oferecer generosamente. Há, infelizmente, pais que para fazerem perder a vocação a seus filhos os impedem de praticar os exercícios de piedade, impelem-nos para os prazeres e distrações do mundo e até os levam para o caminho do vício.
            Estes atos são criminosos.
            O meu filho e a minha filha farão maior soma de bens no mundo; são precisos bons pais, boas mães de família; e, depois, há tantas obras a sustentar e tanto apostolado a exercer! —A questão está mal posta. Não se trata de um bem problemático que se possa fazer aqui ou acolá.
            Trata-se da vontade de Deus.
            Qual é a vontade de Deus?
            Eis a questão. E não é lógico sofismá-la.

            3 — Quais são os temores quiméricos que assustam o coração de certos pais perante a vocação religiosa de seus filhos?

            São três os principais.

            1.º A desonra da família. — A família não pode seriamente considerar como uma desonra dar um dos seus membros ao serviço imediato e pessoal de Deus. — Só o espírito do mundo considera como uma desonra o que é sobrenaturalmente uma glória; e como uma humilhação o que é, cristãmente falando, um prestígio e uma dignidade.
            2.º A infelicidade do filho. — Seguir a vocação é seguir o caminho da felicidade na terra para obter a do Céu.
            3.º O esquecimento a que o eleito de Deus votará os pais. — A vida religiosa não destrói o coração; pelo contrário, dilata-o, eleva-o. Em lugar de possuir o amor natural e terreno, enche-o de um amor todo espiritual e todo divino que só ama Deus e as almas. Quantas piedosas afeições, desenvolvidas à sombra dos claustros!
            Aos pais falta-lhes o conhecimento ou convicção profunda de uma verdade essencial, a saber: — que não são os senhores de seus filhos.

            Sic vos, non vobis, melleficatis, apes;
            Sic vos, non vobis, nidificatis, aves;
            Sic vos, non vobis, vellera fertis, oves;
            Sic vos, non vobis, fertis aratra, boves.

            Dizia o poeta latino:
            Assim vós, abelhas, não é para vós que fabricais o mel;
            Assim vós, aves, não é para vós que construís o ninho;
            Assim vós, ovelhas, não é para vós que criais a lã;
            Assim vós, bois, não é para vós que puxais o arado.
            Assim vós, pais e mães, não é para vós que tendes filhos; é para Deus, primeiramente, e depois para eles.

III— Matrimônio

            Os pais devem encarar a questão do casamento de seus filhos com discrição, prudência e desinteresse.

1— Discrição

            O casamento exige uma verdadeira vocação; portanto, os pais não devem aconselhar o casamento a seus filhos se eles não sentirem nenhuma inclinação para este estado de vida; não devem levar as suas filhas a todas as festas, julgando que, para conseguir colocá-las, seja necessário mostrá-las.
            Os pais, após o casamento de seus filhos, nunca mais devem pretender ocupar o primeiro lugar no coração deles. É Deus que assim o quer. «O homem deixará seu pai e sua mãe para se unir a sua esposa e serão dois numa só carne.» (Genes. II, 24). O amor destrona a piedade filial embora a não extinga. Pode, porventura, um filho desligar-se de seu pai ou esquecer sua mãe? Não, sem dúvida. Os pais, quando puderem, devem tomar à letra o princípio: cada um na sua casa. É raro que os novos esposos se encontrem bem em casa de seus pais, e mais raro ainda que os pais se encontrem bem em casa de seus filhos. Os jovens esposos devem viver em sua própria casa.

2— Prudência

            Os pais devem tomar todas as precauções para assegurar a felicidade temporal e eterna de seus filhos. Pertence aos pais cristãos examinar e resolver com prudência.
            1.º Idade. — Relativamente às filhas é preciso deixá-las fortalecer; as esposas muito novas dão à luz filhos muito débeis; — obrigá-las a uma aprendizagem da vida da família e da vida doméstica de maneira a poderem desempenhar bem os deveres do seu novo estado; dar-lhes tempo para se fortalecerem nas práticas da vida cristã. Muitas que comungavam todos os dias, chegam a nem ao menos cumprir o preceito pascal.
            Relativamente aos filhos as delongas sem um motivo sério, só podem ser prejudiciais aos jovens que desejam casar e à própria união que desejam contrair. Os jovens estão na idade das paixões violentas que fazem que a sua virtude corra bastante perigo. O remédio, diz o Concílio de Trento, está no casamento. Privá-los deste remédio ou retardar a sua aplicação, diz Hoppenot, é expor os jovens a quedas dolorosas e obrigá-los a arrastar, durante anos, uma vida de pecado e a comprometer a vida do matrimônio; pois que, com o coração corrompido, corpo envelhecido, e os sentimentos gastos, hão-de estar pouco dispostos a cumprir as obrigações do seu novo estado.
            2.º Religião. — É preciso que a religião ocupe o primeiro plano das condições que se exigem para determinar a escolha. 1.º Porque para os cristãos o casamento não é somente união de vidas, mas a fusão das almas, fusão que não pode ser completa se não houver a comunidade de religião; 2.º porque sendo o matrimônio um sacramento de vivos, seria um sacrilégio recebê-lo sem ser em estado de graça.
            Haverá grandes inconvenientes em abandonar esta recomendação? Sim.
            1.º Se é o marido que não tem religião; em poucos anos a piedade da esposa afrouxa, a fé abala-se, abandona as práticas de devoção e depois os deveres essenciais e acaba por perder toda a religião. Casou com um inimigo de Deus!
            2.º Se é a mulher que não tem religião, não poderá educar cristãmente os seus filhos. Anda a criar filhos para o inferno!

3— Desinteresse

            Fortuna — É permitido desejar um dote suficiente que permita sustentar a posição de cada um e educar, sem grande dificuldade, um grande número de filhos. Mas, fazer da fortuna a questão principal à qual se subordinam todas as outras, é, ao mesmo tempo, insensato e anticristão. «É a mulher que se desposa e não o dote.» Mais vale a virtude do que a riqueza.

IV— Fidelidade à vocação

            Esta fidelidade consiste em termos sentimentos de vivo reconhecimento, ardente desejo de corresponder eficazmente à nossa vocação e absoluta confiança em Deus que nos chamou.
            1.º Sentimentos de reconhecimento, porque a nossa vocação devemo-la a Deus. «Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi a vós». (Jo. XV, 16).
«Nem todos são capazes desta resolução, mas sim aqueles a quem foi dada». (Dan.).
Peçamos a Deus a graça de conhecer cada vez mais a excelência da vocação eclesiástica ou religiosa e agradeçamos a longanimidade de nosso Senhor a nosso respeito.
            2.º Desejo ardente de correspondermos à vocação. — São Bernardo cada dia perguntava a si mesmo: — Bernardo a que vieste à religião? Aproveita todas as graças que nosso Senhor lhe concede, renova-se cada dia no fervor e, em poucos anos, alcança uma grande perfeição.
            Cada um deve esforçar-se por corresponder à sua vocação de maneira a poder repetir com toda a propriedade e verdade como São Paulo: «Pela graça de Deus sou o que sou e a sua graça não foi vã em mim, antes tenho trabalhado mais que todos eles, não eu, mas a graça de Deus que está comigo». (I Cor. XV, 10).
            3.º Confiança absoluta em Deus. — Deus, diz Santo Tomás, concede a cada um a sua graça segundo o fim para que o escolhe. «Eis me aqui já que me chamastes». (Reis. III, 6).
            Não temo o abandono da Vossa parte, Senhor, porque sois fidelíssimo em Vossas promessas e de infinita misericórdia.
            Se Deus nos chama para o estado eclesiástico ou religioso, aceitemos generosamente o Seu convite:

            Não vamos para a morte, mas para a vida.
            Não vamos para a esterilidade, mas para a fecundidade.
            Não vamos para a tristeza, mas para a alegria.
            Não vamos para a ignomínia, mas para a glória e felicidade eterna.

            Um dia, disse Pedro a Jesus: Aqui estamos nós que deixamos todas as coisas e te seguimos; que galardão será o nosso? Jesus respondeu a Pedro e, na pessoa dele, a todos os que haveriam de imitá-lo: «Em verdade vos digo que vós, que me tendes seguido, quando o filho do homem estiver sentado na sede da sua majestade, estareis sentados também vós julgando as doze tribos de Israel. E todo aquele que deixar a casa, os irmãos ou as irmãs, ou o pai ou a mãe, ou a mulher ou os filhos, ou as fazendas por causa do meu nome receberá o cêntuplo, e possuirá a vida eterna.»