Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950
1. — Um quadro célebre. O Crucifixo
de Wertz. Jesus pregado na Cruz e aos pés de Jesus Crucificado está estendido um
soldado agonizante segurando com mão firme a sua querida bandeira.
2. Jesus, cantando o Seu consumatum
est, inclina a cabeça e diz a esse soldado que o amor ali prendia, canta tu
também o teu consumatum est, porque também tu venceste e morres pelos teus
irmãos.
I. — Pátria de Jesus
O Filho de Deus fazendo-Se homem,
tirou à descendência de Abraão o sangue das Suas veias, pediu à família dos
Reis de Judá a mãe que o devia conceber, e o pai que o devia proteger na
infância; pediu ao solo da Judeia o Seu berço; às leis e às tradições de Moisés
a direção da Sua vida; ao Templo, o santuário da Sua oração, aos filhos de
Galiléia os Seus Apóstolos, e ao mundo inteiro os seus ouvintes. Realizou-se
o que havia sido predito: O Senhor, vosso Deus, fará nascer no meio de vós um profeta,
da vossa roça, vosso irmão e vosso concidadão». (Deut.).
II. — Amor de Jesus pela sua
Pátria
Jesus, vindo ao mundo, passa a Sua
vida fazendo bem. Escolhe sobretudo para campo da Sua ação benéfica a Sua
Pátria. Ele mesmo anuncia que «não vem senão para as ovelhas perdidas do reino
de Israel».
Efetivamente, consagra todo o tempo
da Sua vida terrena a distribuir, à custa de todos os sacrifícios, todos os
bens de ordem espiritual e material aos Seus compatriotas.
Por fim é necessário que «um homem
morra para que a nação não pereça.» E
Jesus derrama o Seu sangue até à última gota, em primeiro lugar pela Pátria.
Não se pode dar maior prova de amor
do que dar a vida por aquele que se ama. Não há a negá-lo. O amor da Pátria
tinha um lugar espaçoso no Coração de Jesus.
Amor da Pátria
Que é a Pátria?
A Pátria é a terra que nossos pais
nos legaram; é esta gleba riscada à ponta de lança e firmada à força de fé por ínclitos
avós que a legaram inteira e sagrada ao gozo de seus netos; é um patrimônio de
virtudes morais, de tesouros literários e científicos que recebemos de nossos
maiores e que devemos transmitir, enriquecido, às gerações futuras. A Pátria é
o passado, o presente e o futuro do mesmo povo. É uma fonte de riquezas e de
alegrias.
O amor da Pátria é exigido sobretudo
pelo seu solo, pela sua história, pelos seus monumentos e pelos seus
benefícios.
1 — A terra portuguesa
A terra portuguesa é bela, é fértil
e santa.
1.º É bela. — O que constitui a sua
beleza são as suas montanhas com os seus cumes, aquém e
além, coroados de diademas de neve; são os seus campos, verdadeiros paraísos de
verdura; os rios que correm e os ribeiros que cantam; é o Atlântico com as suas
praias brancas e as suas ondas espumantes. « Portugal é um jardim à beira-mar
plantado.»
2.º É fértil. — Há no solo de
Portugal os vastíssimos figueirais do Algarve, as amplas herdades do Alentejo,
as verdejantes campinas da Estremadura, as melancólicas colinas da Beira, os
preciosos vinhos do Douro, as altas terras de Trás-os-Montes, as pitorescas e ubérrimas
veigas do Minho. Que imenso reservatório de riquezas é a terra-pátria!
3.º É santa. — A sua santidade
firma-se em três pedras angulares, e abraça a vida, a morte e a imortalidade.
Vai desde a pedra quente e vivificante do lar até à pedra ungida e santificante
do altar; desde a pedra do altar até à pedra fria e orvalhada de lágrimas do
túmulo, até tocar definitivamente nas regiões serenas da imortalidade, na
pátria do Céu.
A causa do amor da Pátria — está na
paternidade — pertencemos à Pátria pelas raízes paternas. Amamos a Pátria, diz
alguém, porque vimos aí um sorriso nunca mais visto, e bebemos aí um afeto nunca
olvidado — o afeto e o sorriso de nossas mães.
— «A fé viva dos nossos pais
reverentes aos mesmos altares e genuflexos ao mesmo Deus», é o que prezamos de
mais precioso e mais belo.
— Se a terra-pátria, por mais
modesta que seja, vale para nós o universo é porque «encerra uns ossos a que
nos prende a alma, e entesoura umas cinzas que nos cristalizam a memória, os
ossos e as cinzas de nossos pais».
— «O túmulo assemelha-se a um altar,
as lágrimas que aí se vertem, as preces que aí ciciam, as flores que aí
rescendem não se dirigem a uma vulgaríssima poeira, dirigem-se e elevam-se à
Pátria celeste, até ao trono de Deus Clementíssimo que dá às almas o descanso
eterno e a luz do perpétuo esplendor».
2. — A História de Portugal
A História arquiva a condensação de
todos os esplendores. Esplendores militares, glórias intelectuais e artísticas
e glórias sociais. «Fomos videntes como os Egípcios, mareantes como os Fenícios,
inspirados como os Gregos, e conquistadores como os Romanos».
«O povo português nasceu do seio da
crença, embalou-se nos braços da crença, cresceu, lidou e triunfou pelas mãos
da crença. Fez-se guerreiro e cruzado, navegante e missionário, desdobrou uma
envergadura imensa e, em um vôo audacioso e rápido, foi levar a ciência do
Evangelho aos términos do mundo! do mundo cujos
campos
ara;
E,
se mais mundos houvera, lá chegara.
«A nossa história! tão grande é ela
que nenhum povo a tem maior, nenhum; tal, que ninguém a tem melhor, ninguém.
Foi burilada com o ferro das lanças, brasonada com o emblema da cruz e asselada
com o sangue dos mártires.» «E
tudo isto se orquestra, e tudo isto se afina, e tudo isto se entoa num poema
cíclico, num órgão altissonante, num saltério imortal — os Lusíadas.»
3. — Monumentos nacionais
Portugal é um museu ao ar livre.
Basta mencionar a sua trilogia monumental. Batalha, Alcobaça e Jerônimos, cada
uma destas Basílicas eterniza uma vitória da Pátria, uma vitória da fé e uma
vitória da arte.
Portugal é a terra dos três amores
que encantam e cativam o coração humano: beleza, riqueza e glória. Por isso é
esta
Ditosa Pátria, minha amada.
4. — Benefícios da Pátria
Como não amar a Pátria? Nós devemos
lhe serviços e benefícios sem os quais não podemos passar.
1. ° Coloca ao nosso serviço uma
organização militar, que guarda e defende a integridade do território, o patrimônio
de cada um de nós; uma organização militar que nos livra das invasões e revoluções,
dos inimigos de fora e de dentro, — por consequência, devemos-lhe o benefício
da paz no exterior e no interior.
2. ° Coloca ao nosso serviço uma
organização judiciária que nos protege contra as nossas próprias fraquezas,
contra as nossas próprias tentações e, ao mesmo tempo, contra as fraquezas e
tentações dos nossos concidadãos; que nos retém a nós e ao nosso próximo no
caminho da justiça, da honestidade, do pudor, do respeito de nós mesmos e dos
outros.
Os magistrados não são menos úteis
que os soldados. É a Pátria que confia a uns a manutenção da lei e a outros o
uso da força.
A Pátria bem organizada tem
necessidade da magistratura para que as leis sejam aplicadas a todos
igualmente, e para que os excessos de todos sejam reprimidos equitativamente.
O direito civil moderno proclama o
grande princípio da igualdade de todos perante a lei, tanto a lei que protege
como a lei que pune. Este princípio vem diretamente do Evangelho, não existia
no direito pagão nem no direito bárbaro. Todos os homens são irmãos, iguais perante
Deus, diante de Jesus Cristo, Juiz dos vivos e dos mortos que dará a cada um
segundo as suas obras.
A aplicação e a prática deste
princípio cristão é obra da magistratura. Armados com as leis, os magistrados
previnem o mal quanto podem. E, se o não puderem prevenir, os magistrados reprimem
e punem o mal desde que apareça no seio da vida nacional. Por mal entende-se tudo
o que fere exteriormente a santidade da religião, a honestidade dos costumes, a
justiça e a ordem pública,
Inspirada e guiada pela razão,
consciência e fé, a magistratura exerce a sua ação com os olhos fixos no
Crucifixo; porque este é certamente a maior potência do mundo para a manter
independente, imparcial e inacessível à corrupção.
O Crucifixo no tribunal é a base do
juramento, o apoio da inocência e do arrependimento, a garantia da justiça,
porque, depois dos homens fazerem justiça, é Deus que julgará ainda as justiças
dos homens.
Por ele a voz humana tem mais eco, a
púrpura mais esplendor e as audiências revestem a majestade do templo.
A Cruz tem sido e será sempre o
símbolo imortal da verdade, do direito e da justiça.
Eis protegida, sem fraqueza como sem
injustiça, a fortuna, a honra, a liberdade e a vida dos cidadãos.
3. ° Põe ao nosso serviço uma
organização intelectual que promove a vulgarização da instrução e o
desenvolvimento das Ciências, Letras e Artes.
4. ° Põe ao nosso serviço uma
organização econômica que nos permite tirar dos nossos campos, das nossas
minas, dos nossos rios, dos nossos mares, maior proveito e riqueza; faz frutificar
os nossos esforços e os nossos trabalhos;—uma organização econômica que estimula
e dirige a nossa agricultura, comércio e indústria, que põe, ao nosso serviço,
os correios, telégrafos, caminhos de ferro, estradas, portos, marinha mercante,
5. ° Põe ao nosso serviço uma
organização eclesiástica que tem «o maior de todos os poderes — o poder da
consciência; e o melhor de todos os impérios — o império das almas».
«Assim como existe a falange dos
soldados para servir e defender a Pátria, a falange dos lavradores para amanhar
e cultivar a ferra, a falange dos industriais para domar e transformar a
matéria, igualmente arde haver a falange dos sacerdotes para polir os
espíritos, para cultivar e fecundar as virtudes, para exterminar os males e
assegurar todos os bens, de maneira que o homem seja feliz tanto quanto se pode
ser feliz na Pátria da terra e sobretudo na Pátria do Céu. Exército glorioso!
que maneja uma arma sempre invencível — a arma do Evangelho, e que arvora uma
bandeira sempre triunfante — a bandeira da Cruz, para dignificar a vida do
homem, da família e da sociedade. Porque, diga-se peremptoriamente: O homem sem
crença é a sombra de um homem, e um povo sem crença é o cadáver de um povo.
Toda a civilização que anula a idéia de Deus é falsa; toda a civilização que não
atinge a idéia de Deus é baixa; e toda a civilização que não se repassa da idéia
de Deus é fria e vã. O valor máximo de uma civilização perfeita é Deus melhor
conhecido, amado e adorado dos homens.»
O clero português, instruído e
culto, bondoso e afável, irrepreensível e santo, ativo e dedicado, cumpre
fielmente a missão sublime de dar Deus às almas e as almas a Deus.
Há duas maneiras práticas de amar a
pátria: respeitá-la e servi-la.
(continuará...)