I. — Amas-Me, filho, com todo o teu
coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças? Amas-Me sobre todas as
coisas, mais que a teus parentes, mais que a ti mesmo? Amas-Me ainda mais que
os seculares? Lembra-te que recebeste as vestes
sacerdotais, símbolo de caridade especial. De que te serviria falares a língua
dos Anjos, possuíres todas as ciências, fazeres milagres, dares tudo aos
pobres, consumires a vida nas maiores penas, se me não amasses?[1]
Que aproveitou a Judas o ser Apóstolo?
Sem caridade, ainda que tenhas todas as virtudes, não serás Sacerdote: sem
caridade nenhuma coisa te aproveita, e com a caridade nada te faltará.
II. — Não serei Eu digno do teu
amor, filho? Que qualidade amável podes tu desejar em Mim, que Eu não tenha? Se
achas quem seja melhor que Eu, permito-te que Me não ames.
Amas as criaturas por uma só
centelha daquele bem que de Mim receberam; e não Me amarás, a Mim que sou todo
o bem, fonte de todo o bem, puro bem, bem infinito? Que o mundo Me não conheça
e se perca, amando o lodo vil da terra, é coisa horrenda; mas que tu, Meu
Sacerdote, assim procedas, quem o poderá sofrer?
Ah! filho, quantos seculares,
quantas pobres mulherzinhas, com santa simplicidade de coração, se abrasam no Meu
amor! só com o pensar em Mim extasiam-se em santos afetos, e choram, porque o
amor por essência não é amado; não perdoam a interesses, a desvelos, à mesma
vida para impedir as Minhas ofensas e zelar a Minha honra; e tu, mais iluminado
e mais obrigado que eles, tu, que devias inflamar a todos no Meu santo amor,
serás tão frio e insensível?
III. — Que mais poderia Eu fazer
para ganhar o teu amor? Amei-te desde a eternidade; essas graças especiais,
esses talentos, esse poder no Sacerdócio foram-te dados para que Me amasses.
Não vês porventura o Meu amor no
perdão dos pecados que lavas com o Meu sangue? nas finezas que faço aos justos,
a quem distribuis o Meu corpo? no teu trato familiar comigo, na Minha sujeição
em certo modo a ti, no fazer de ti um outro Eu? Poderia alguém ter-te maior
amor e fazer-te maiores benefícios? Esgotei todo o sangue das veias para
encher-te de graças, comprei-te por tão caro preço tantos dons, tantas honras,
tão sublime poder; e tu ainda assim Me não amas!
Deixei acaso de te amar ainda quando
eras Meu inimigo? Com que paciência te busquei quando fugitivo! e depois, com
que intimidade de misericórdia te perdoei e te acolhi! tudo para que Me amasses![2]
O amor suscita amor! só Eu o não
conseguirei de ti? Empenhei toda a Minha força e autoridade com um expresso
mandamento, que é o primeiro e o máximo da Minha lei; prometi-te a posse de
todos os bens, se Me amasses; pedi, até por favor, que desses o teu coração; e
não correspondes a tantas provas de amor?! pois não te abrasarás porventura?!
Fruto. — Procura afeiçoar-te
sinceramente a Deus, e fazer que os outros também se afeiçoem assim d’Ele; o
que conseguirás, se procurares conhecer, e se, já no púlpito, já no
confessionário, já nas conversações particulares, fizeres conhecer aos outros,
não só os benefícios do mesmo Deus, mas as Suas infinitas perfeições, que são
tão pouco conhecidas.
S. Inácio costumava dizer: Que não havia
melhor lenha para acender o fogo do amor divino, que a da Cruz. A mortificação
de vossas paixões e desejos é aumento de caridade. A prova do amor são as
obras; mas nem quaisquer obras são em ti prova suficiente de amor; porque devem
ser provas de um Sacerdote, isto é, a prática especialmente daquelas coisas
que, só por um Sacerdote podem ser feitas como pregar, confessar, catequizar,
zelar a salvação das almas e outras semelhantes[3].
Notas:
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[1] Si linguis Angelorum loquar... si habuero prophetiam, et omnem scientiam, ac noverim mysteria omnia, si habuero omnem fidem, ita ut montes transferam...; si distribuero in cibos pauperum omnes facultates meas; tradidero corpus meurn, ita, ut ardeam: caritatem autem non habuero, nihil sum, nihil mihi prodest. (Corinth.,XIII, 1-3.)
[2] Commendat autem caritatem suam Deus in nobis, quoniam quum adhuc peccatores essemus, Christus pro nobis mortuus est. (Ad Rom., V, 8.) Nos ergo diligamus Deum, quoniam Deus prior dilexit nos. (Joan., IV, 19.)
[3] Qui habet mandata mea, et servat ea, ille est qui dilligit me... (Joan., XIV, 21). Si diligis me, pasce oves meas; tanquam diceret: quid mihi retribuis, quia diligis me? dilectionem ostende in ovibus meis. Quid mihi praestas, quia diligis me? Dilectionem tuam erga me, habes ubi ostendas, ubi exerceas habes: pasce oves meas. (August., Temp. serm. 140, 1.)