Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950
Amor
da Família
Que é que se deve amar na família
considerada como família?
1.º É preciso amar a honra do nome. Este nome, diz Mgr. Baunard,
os antepassados levaram séculos a criá-lo; fizeram-no de probidade, de
inteligência e de glória, talvez, transmitiram-no de geração em geração, engrandecendo,
acreditando-o, fazendo-o subir cada vez mais na estima dos homens. O primeiro
dever daqueles que o usam, é não o desonrar. Este nome profana-se com uma vida
de devassidão e de orgia e rebaixa-se, com uma vida de negócios pouco honestos
ou de ociosidade.
Quando me vejo obrigado por um dever
doloroso a revelar a um pai ou a uma mãe uma dessas condutas que fazem com que
um jovem não seja, mais do que um apóstata desta honra hereditária, vejo todo o
sangue dos avós, revoltado e indignado, subir-lhes ao rosto.
— Que desgraçado! Que fez ele do
nome de seus pais! E vejo correr dos olhos destes abundantes lágrimas.
2.º É preciso amar o espírito da família, quer dizer, este
conjunto tradicional de convicções, de virtudes e de princípios domésticos que
constituem o patrimônio sagrado de toda a família cristã. Tenhamos o nosso
lugar marcado diante do Crucifixo para a oração em família, na igreja
paroquial, nas obras de piedade, apostolado e caridade.
3.º É preciso amar a vida da família. Haverá, com efeito,
dias comparáveis aos que se passam com o pai e com a mãe em companhia dos
irmãos e das irmãs?!
Que inquietação me inspiram, diz
ainda Mgr. Baunard, esses jovens e donzelas que acham longas as horas passadas
no lar, e que voltam, com impaciência, os seus olhares para essas regiões
longínquas donde lhes vem certos bafejos de liberdade prejudicial e nas quais
aspiram ir perder aquilo que o Evangelho chama a sua substância, quero dizer, a
sua alma, e bem assim, ao mesmo tempo, a sua felicidade, vivendo
luxuriosamente.
É preciso amar as reuniões de
família, quer à mesa, quer noutra parte, que sejam periódicas, quer habituais.
É preciso que se transforme em lei a
celebração das festas dos santos padroeiros, das festas dos aniversários natalícios
dos pais e avós. O culto doméstico, tem, como o culto religioso, as suas festas
obrigatórias a que se não deve faltar.
I — Amor paternal e maternal
A educação é uma obra de amor, de amor esclarecido
e de amor cristão.
1 — Amor esclarecido
1.° O amor esclarecido põe a alma acima do corpo. — O amor esclarecido
coloca cada coisa no seu lugar próprio e dá-lhe a atenção e estima que ela
merece. Há na criança dois elementos que constituem a pessoa humana: — a alma e
o corpo. Ambos estes elementos carecem de atenções, cuidados, de uma cultura
delicada para favorecer o seu crescimento normal.
O corpo. — Trata-se do corpo? É
preciso alimentá-lo, vesti-lo, dar-lhe todo o vigor; é preciso desviar tudo o
que possa prejudicar a saúde, deformar a sua constituição e comprometer a sua
vida. São necessários para isto muitos trabalhos e sacrifícios.
Quantas vezes a um pai a testa se
lhe alaga em suor e as horas lhe correm rápidas, porque só o preocupa a idéia de
ganhar o sustento para seus filhos. Quantas noites passa uma mãe sem dormir,
quando no alvor da existência essa criança carece de todos os cuidados. E de
que se trata? De um corpo frágil, mortal, que há-de converter-se num punhado de
cinza na noite fria de um túmulo.
A alma. — O corpo merece sem dúvida
atenções e respeito, mas a alma vale mais do que o corpo, por isso, merece
muito mais as primeiras preocupações e as melhores ternuras de um pai e de uma
mãe.
Pais e mães, não tenhais ilusões.
Que vale um corpo forte, constituição vigorosa, se a alma é fraca! Que vale ter
com que passar à farta, se a alma é indigente e miserável! Que vale a beleza do
corpo, se falta a beleza da alma!
O amor esclarecido põe a alma acima
do corpo.
2.º O amor esclarecido põe o interior acima do exterior — Há pais e
mães que só se precupam com o exterior de seus filhos: devem apresentar-se e
viver na sociedade com uma grande correção de linguagem e distinção de
maneiras. Pouco lhes importa que seu filho seja instruído e cristão; que sua
filha seja instruída e piedosa, o que querem é que se tornem notáveis e brilhem
no mundo. Imaginai que um homem pensava assim: pouco me importa que a minha
casa seja construída sobre areia movediça e com fraco material, o que me
importa é que ela seja agradável à vista, de maneira que todos os que passem
pela sua frente possam exclamar: Ai que belo edifício! Eu digo: construção
frágil! A mais pequena ventania deita-a por terra.
O espírito e o coração dos filhos
estão vazios, não há aí senão lindas aparências; a educação sólida não lhes foi
ministrada!
3.º O amor esclarecido coloca a virtude acima da ciência. — Há pais que
dizem: Eu quero que meu filho seja um sábio, pouco me importa que seja um cristão;
quero que minha filha seja instruída, pouco importa que seja piedosa.
Feliz o filho que é instruído, mas,
mais feliz o que é virtuoso.
Ciência sem consciência é a ruína da
alma, dizia Rabelais. A virtude é o perfume que impede a ciência de se
corromper. Dai a vossos filhos mais do que a força da sabedoria, dai-lhe a
força da virtude. Assim amais vossos filhos com um amor verdadeiramente
esclarecido.
2— Amor cristão
O amor esclarecido põe a alma acima
do corpo, o interior acima do exterior, a virtude acima da ciência; o amor
cristão põe a piedade acima de tudo o mais. O amor cristão é um amor que crê,
que opera e que ora.
O amor cristão tem espírito de fé:
1.º É um amor que crê na realidade da salvação. — Os pais crêem que seus
filhos têm uma alma a salvar. Portanto, eis alguma coisa mais que um lar a
sustentar e uma carreira a preparar aos filhos. E preciso fazer dessas crianças
homens, de homens, cristãos e de cristãos, eleitos para o Céu.
Havia no século XVI um professor que
tinha o costume de dar as suas lições de cabeça descoberta. Perguntando-lhe
porque procedia assim, respondeu: Procedo assim para honrar os cônsules,
chanceleres, doutores e mestres que sairão da minha escola.
Pais e mães de família, é mais que
um cônsul, um chanceler, um doutor e mestre que levais nos vossos braços e cobris
de beijos, é um santo, um eleito para o Céu.
Mas como se faz isto? Pela educação
religiosa, começando pelo ensino do catecismo que é o leite da doutrina.
2.º É um amor que crê na eficácia da graça. — Os carvalhos gigantescos
estão contidos na pequena bolota que o pastor encerra na mão. Como se faz isto?
O germe foi-se desenvolvendo devido aos sucos recebidos da terra ou aos
orvalhos da atmosfera.
Mas, convém notar que não foi o que
plantou, nem o que regou que deu o incremento; foi Deus. E necessária a ação da
graça na obra da educação; isto é, a ação de Deus pela sua graça. Esta
recebe-se pela oração e sacramentos.
O amor cristão tem espírito de
piedade: é um amor que ora.
Os filhos são como que uma cidadela cercada
de inimigos — inimigos exteriores que conspiram com os interiores. Nisi Dominus custodierit civitatem, frusta
vigilat qui custodit eam. Os pais trabalham em vão por salvar esta cidade
ameaçada, se Deus a não defende com eles. A primeira coisa que fazia Jó, ao
levantar-se de manhã cedo, era oferecer sacrifícios pelos seus filhos. Pais,
orai pelos vossos filhos. Virá a hora em que eles resistirão aos vossos conselhos,
às vossas repreensões e até às vossas lágrimas, mas não deveis desesperar,
tendes uma grande potência, a maior de todas, a da oração.
Santa Mônica com o seu amor e a sua
fé heróica acompanha sempre seu filho. Durante, dezessete anos chora e ora. E no
fim, Agostinho, convertido, lança-se nos braços de sua mãe e exclama: É às
vossas orações e aos vossos méritos que eu devo o que sou; e, em seguida,
voltando se para Deus, acrescenta: Se sou vosso filho, ó meu Deus, é porque me
tendes dado por mãe uma das vossas servas.