O Todo-Poderoso que criou o universo preside aos destinos do homem e dirige todas as existências para o seu fim.
A idéia de Deus implicaria uma estranha contradição se, reconhecendo nós as suas perfeições soberanas, puséssemos em dúvida a solicitude e a proteção que Ele dispensa a todas as criaturas. Como supor um Deus a quem faltasse o querer e o poder no governo dos seus filhos e dos entes que criou? Negar a Providência seria negar o Pai que está no céu.
A Providência é a ação divina que conserva a obra da criação, que regula a marcha de todas as coisas com suavidade e firmeza e que conduz o homem, por entre as provações deste exílio, aos triunfos da celeste Pátria.
Mas o racionalismo faz objeções a tal respeito. Diz-se, por exemplo, com ênfase: É lá possível que o Altíssimo, no fastígio da sua glória, desça a preocupar-se com as menores particularidades da vida terrestre? Atribui a Deus as grandes iniciativas, as fortes impulsões e os mais importantes acontecimentos; mas não rebaixeis a idéia pura, elevada e sublime que formamos da Divindade, misturando-o aos fenômenos mais tristes.
Esta objeção cai por si, pois que a intervenção de Deus nas coisas deste mundo é uma conseqüência da criação e é evidente que o mesmo ato que deu a vida, a conserva e protege.
Deus ama suas obras e não é indigno dele o velar pelo que fez.
O sol, brilhante imagem da Divindade na natureza, não se limita a iluminar os grandes espetáculos; e pelo fato de presidir as galas da primavera, aos esplendores do verão e as riquezas do outono, se digna de reanimar a menor ervinha ou o ínfimo verme perdido no espaço, nem de penetrar qualquer terra ignorada para ai depositar um raio de vida no mais pequeno grão ou na mais humilde semente.
É assim que a Providência abraça com a sua onisciente atividade a todas as existências. Demais, é um engano supor que, para glorificar Deus, é preciso colocá-lo muito distante de nós, em uma longitude inacessível.
Sem dúvida que este misterioso foco de bondade, de paternidade e de amor brilha no mais alto dos céus; mas a sua vida enche a imensidade. “Nós vivemos em Deus – disse São Paulo – nós respiramos em Deus, nós nos movemos em Deus”; e coisa nenhuma poderia esconder-se ao seu olhar. Todos os homens e todos os mundos e todos os sóis subsistem nesta infinita resplandecência. O nada não existe; o homem vive em Deus, como os peixes no oceano e os pássaros do ar.
Sob este aspecto, que é o da verdade, não seria lícito desconhecer a intervenção incessante da Providência; a não ser que se acuse Deus de uma indiferença cega e cruel, é forçoso admitir ao mesmo tempo a possibilidade e a necessidade do governo divino.
Mas as objeções continuam. Considerai, dizem, a marcha dos acontecimentos na terra! Considerai os acidentes inexplicáveis que ocorrem na história do mundo!
Que faz a Providência, enquanto a injustiça triunfa e as mais santas coisas perecem? Como reconhecer a mão de Deus nos contrastes e nas desigualdades das condições humanas? Ninguém nega estes fatos, mas longe de desmentirem a ação providencial, eles a explicam. Deus não suprime o livre arbítrio do homem, não impõe a este a fatalidade, não o liga a necessidades inflexíveis, nem desnatura a vida deste mundo, que é uma vida de provações e de preparo e transição para outra.
O homem pode livremente decidir-se entre o bem e o mal.
A Providência o guia no meio das suas dúvidas e esclarece-lhe o entendimento, mas não o constrange nem a seu pesar o dirige: oferece-lhe a mão amiga para secundar, mas não o força a aceitá-la nem lhe violenta a vontade.
Sim, o mundo em que estamos é cheio de contradições e em seu seio fermentam promiscuamente todas as espécies de elementos bons e maus. Mas não é aqui que a Providência conclui a sua obra, nem é aqui o desfecho das últimas cenas da vida. As nossas falsas apreciações provêm somente das proporções estreitas e incompletas que nós damos à nossa existência sobre a terra, pois não vemos senão o limitado espaço que separa o berço do túmulo e nossa fraca ciência não vai além disto. As vias providenciais se desenvolvem em uma esfera mais ampla; compreendem a vida humana em sua totalidade; e, lúcida e plenamente, se hão de justificar no dia da conclusão de todas as coisas.
Estranha-se que o homem de bem seja carregado de tribulações e desgostos, enquanto as prosperidades enchem a casa do mau e do pecador. Segue-se daí que este seja digno de inveja ou que a Providência possa faltar ao homem fiel? Ah! Se a terra fosse a nossa única pátria ou o último termo de nossa carreira, seria admissível isto; mas o cristão iniciado na doutrina da verdade espera assistir em outro lugar ao desfecho da história humana, porque sabe que a última palavra da Providência não será compreendida senão além da sepultura.
Os felizes e os desgraçados deste mundo foram representados no Evangelho pelo famoso rico de Jerusalém e pelo pobre Lázaro. O primeiro tinha recebido neste mundo todos os bens desejados e vivia satisfeito e repleto, ao passo que o outro gemia na humilhação e na extrema penúria. Alguns anos decorrem, e soa a hora fatal em que cada um deles vai recolher os frutos das suas obras. Os gozos do rico se mudam em prantos, e a paciência do pobre é indenizada com o galardão eterno. É assim que se justifica a Providência e que, segundo a palavra do Eclesiástico, a explicação de cada coisa se manifesta a seu tempo.
Guardemo-nos de circunscrever o vasto plano providencial e não pretendamos encerrá-lo no circulo obscuro da nossa débil razão.
A providência não falta nunca aos homens que lhe são fiéis! Ela só falta aos que vão de encontro às suas vias, os quais, abandonados a si mesmos, batem nos recifes e naufragam.
Que a mãe cristã, intimamente penetrada da bondade Divina, seja o instrumento da Providência para o seu esposo, para os seus filhos, para todos os seus! Que ela seja também uma providência para os pobres e, à imitação do Pai das misericórdias, procure espalhar ao redor de si os largos benefícios de uma diligência verdadeiramente cristã, incessante e dedicada.