I. — Filho, aprende de Mim, o quê?
não a fabricar o mundo, não a fazer milagres, mas a ser humilde e manso do
coração [1].
Reflete na Minha vida, e compara-a
um pouco contigo mesmo. Sou alguma coisa mais do que tu; todavia quis nascer de
uma Virgem pobre, em um presépio, reputado como Filho de um artista; vesti como
pobre, tratei-me em tudo como pobre, e como tal fui considerado no mundo; e tu,
sendo tão vil e miserável desde o nascimento quererás ostentar grandeza, no
trato, no vestido, em tudo?
Não poderia Eu, apenas nascido,
encher o mundo com a fama de Minhas obras maravilhosas? Mas olha como vivi por
trinta anos, em um pobre casebre, numa humilde oficina. Questionei com os
doutores da Lei, e fui crescendo em ciência e graça ao passo que cresciam os
anos; mas sempre em ocupações de uma vida pobre e comum, sem querer ser
conhecido nem estimado; e tu, ignorante, mas soberbo, recusas o ensino, os
conselhos, inculcas ser o que não és, e assim pretendes Ordens sagradas e
empregos sem disposição nem méritos; e, fugindo das obras humildes, buscas
sempre as mais ostentosas.
Que concluis tu deste paralelo? Eu
vivi sujeito às leis, obediente a Minha Mãe, e ainda a José; recebi o Batismo
de João; e tu, altivo, mostras tão pouco respeito às leis da Igreja, do Bispo,
de teus superiores?
Desengana-te, filho, que Eu não
atendo nem comunico Minhas graças senão aos humildes. Se te não fizeres
pequenino, como um menino, não entrarás no reino do Céu: este é o fundamento de
toda a vida cristã, e muito mais da vida eclesiástica; e pretenderás tu
construir um edifício sem alicerce? [2]
II. — Eu, depois que comecei a vida
publica, busquei acaso em todos os Meus trabalhos, pregações e milagres outra
glória que não fosse a de Meu eterno Pai? E tu, que nada és, nada podes, nada
vales, não buscarás senão a tua glória vã, louca, nociva, e até á custa da Minha? Eu
a ninguém falei com altivez; falei dos príncipes, ainda que pagãos, com todo o
respeito; enviei as turbas aos Sacerdotes, ainda que Meus perseguidores; com
ninguém porfiei, e ensinei ao maior que se fizesse menor, e se submetesse a
todos, ainda que defensores e usurpadores injustos dos bens terrenos. E tu colheste
acaso destes exemplos a arrogância, a murmuração e critica dos defeitos alheios,
a altercação, o envenenamento das ações e ditos do próximo, até de Sacerdotes e
Regulares, sempre com escândalo dos leigos? colheste a ira, as injúrias, o
ressentimento implacável contra os que te ofendem?
Eu fugi de reinar e de toda a humana
grandeza; limitei-Me a pregar somente na Judeia, a pobrezinhos, a poucos
ouvintes, e até a uma só vil samaritana; chamei, para Me coadjuvar, discípulos
pobres, como se deles necessitasse; dei-lhes poder de fazerem milagres, ainda
maiores que os Meus, e de levarem por toda a terra o Meu Evangelho: abati-Me a
ponto de lavar-lhes os pés, como se fôra seu servo; humilhei-Me, fiz-Me o
mínimo entre todos: até nos Meus dons e milagres fiz porventura alguma ostentação
de grandeza? na Eucaristia não Me escondo eu sob as espécies do sustento mais
vulgar? E tu ainda ambicionarás títulos, buscarás os primeiros postos e
preeminências, e até em teus ministérios introduzirás inveja e pontinhos de
honra, com escândalo dos seculares? E
presumirás agradar a Deus, e converter-Me as almas por meio da aspereza e
soberba, quando eu só empreguei o da mansidão e humildade?
III. — Em que mar de ignomínias e de
aviltamento não estive submergido na Minha Paixão! Abandonado dos Meus, traído
por Judas, negado por Pedro, perseguido dos Sacerdotes, tratado como louco, posposto
a Barrabás; afrontado, oprimido, condenado injustíssimamente a um infame
patíbulo; contudo não resisti, não desmenti as calúnias, não Me defendi, não
requeri justiça. Se falei, não foi para Me livrar das injúrias, mas para
declarar a verdade, ainda que previa que elas se Me aumentariam; e tu, sendo
culpado, não sofrerás correção, não quererás sequer comparecer como réu perante
um confessor desconhecido? queixar-te-ás de Mim se te mandar tribulações?
exigirás, se te tocarem, a mais severa satisfação? e tu, para evitar uma
humilhação, algum ditério, dissimularás, desfigurarás, encobrirás a verdade,
devida a teu ministério?
Pergunta a Meus inimigos como os
tratei; que doces palavras dirigi a um Judas? pedi perdão para os que Me crucificaram; e,
sendo provocado no Calvário a descer da Cruz, posto que podia com uma só
palavra, com um gesto livrar-Me das irrisões, quis antes morrer entre
celerados, cheio de opróbrios, e ser a abjeção de todos. E assim venci a fereza
e orgulho humano; triunfei do mundo, da morte e do Inferno; consegui a redenção
das almas, a glória de Meu eterno Pai e do Meu nome.
Deste modo ensinei-te acaso a
sustentar a tua honra com arrogância e fausto? e lisonjear-te-ás que assim
deves obrar pela Minha glória?[3] Ah filho, as
humilhações conduzem à humildade, e a humildade à glória.
Fruto. — Refreia a altivez e a
aspereza [4]. Dizia S. Francisco
de Sales que se caçam mais moscas com uma só colher de mel, que com cem barris
de vinagre; e sendo-lhe objetado que S. Paulo manda insistir «oportuna e
importunamente», respondeu que toda a força deste lugar do Apóstolo estava
naquelas duas palavras, que se seguem: «com toda a paciência e doutrina». A
doutrina é a verdade, mas deve ensinar-se com paciência, sofrendo, como Jesus
Cristo, se for rejeitada e feita alvo de contradições.
Busca sempre a glória de Deus; se
buscas a tua, és um ladrão.
É Sacerdote, e por isso deves humilhar-te
tanto mais, quanto a grandeza da tua dignidade e dos dons de Deus, a que não
correspondes, te obrigam as mais rigorosas contas.
Foi este o motivo por que S. Francisco
e muitos outros recusaram o sacerdócio; houve até quem cortasse o dedo polegar,
como S. Marcos, e uma orelha como o B. Pedro e S. Amônio, para não poderem ser
admitidos ao sacerdócio; outros houve que pediram antes a morte, como S.
Hilarião.
Notas:
______________
[1] De humilitate Christus, tanquam summa suæ doctrinæ, suarumque virtutum gloriatus est: Discite, a me, non quod sobrius, aut castus, aut prudens, aut aliquid ejusmodi; sed quia mitis sum, et humilis corde. A me, inquit, discite: non ad alios vos mitto, sed me vobis exemplum, me formam humilitatis exhibeo. (Bern., Epist. 42.) Morum mansuetude, et humilitas cordis, præcipua sacerdotis insignia sunt. Talis enim fuit Christus, qui dixit: Discito a me, ... (Basil., Reg. fus., 43.)
[2] Magnus esse vis! A minimo incipe. Cogitas magnam fabricam construere celsitudinis? De fundamento prius cogita humilitatis, ... (August., Hom. brev. 16 Janua.)
[3] Et hoc manifestum est non placere Deo cum sit contra exempla Christi, et Sanctorum, qui docent humilitatem et modestiam. Mentitur ergo iniquitas sibi, cum dicit se per talia velle Deo placere, cum in rei veritate placere non intendat, nisi sibi, vel mundo. (F. Bartholom., Stimulus Past., part. II, cap. 6).
[4] Sectare mansuetuninem et pacem. Servum Domini non oportet ligitare, sed mansuetum esse ad omnes, docibilem, patientem, cum modéstia corrijantein eos, qui resistunt veritati. (1.ª Ad. Tim., VI,11.)