sexta-feira, 17 de maio de 2013

A humildade e a mansidão - Sacerdote

Nota do blogue: Acompanhe esse especial AQUI.

(Jesus Cristo falando ao coração do Sacerdote, ou meditações eclesiásticas para todos os dias do mês, escritas em italiano pelo Missionário e doutor Bartholomeu do Monte traduzidas pelo Pe. Francisco José Duarte de Macedo, ano de 1910)


            I. — Filho, aprende de Mim, o quê? não a fabricar o mundo, não a fazer milagres, mas a ser humilde e manso do coração [1].
            Reflete na Minha vida, e compara-a um pouco contigo mesmo. Sou alguma coisa mais do que tu; todavia quis nascer de uma Virgem pobre, em um presépio, reputado como Filho de um artista; vesti como pobre, tratei-me em tudo como pobre, e como tal fui considerado no mundo; e tu, sendo tão vil e miserável desde o nascimento quererás ostentar grandeza, no trato, no vestido, em tudo?

            Não poderia Eu, apenas nascido, encher o mundo com a fama de Minhas obras maravilhosas? Mas olha como vivi por trinta anos, em um pobre casebre, numa humilde oficina. Questionei com os doutores da Lei, e fui crescendo em ciência e graça ao passo que cresciam os anos; mas sempre em ocupações de uma vida pobre e comum, sem querer ser conhecido nem estimado; e tu, ignorante, mas soberbo, recusas o ensino, os conselhos, inculcas ser o que não és, e assim pretendes Ordens sagradas e empregos sem disposição nem méritos; e, fugindo das obras humildes, buscas sempre as mais ostentosas.
            Que concluis tu deste paralelo? Eu vivi sujeito às leis, obediente a Minha Mãe, e ainda a José; recebi o Batismo de João; e tu, altivo, mostras tão pouco respeito às leis da Igreja, do Bispo, de teus superiores?
            Desengana-te, filho, que Eu não atendo nem comunico Minhas graças senão aos humildes. Se te não fizeres pequenino, como um menino, não entrarás no reino do Céu: este é o fundamento de toda a vida cristã, e muito mais da vida eclesiástica; e pretenderás tu construir um edifício sem alicerce? [2]

            II. — Eu, depois que comecei a vida publica, busquei acaso em todos os Meus trabalhos, pregações e milagres outra glória que não fosse a de Meu eterno Pai? E tu, que nada és, nada podes, nada vales, não buscarás senão a tua glória vã, louca, nociva, e até á custa da Minha? Eu a ninguém falei com altivez; falei dos príncipes, ainda que pagãos, com todo o respeito; enviei as turbas aos Sacerdotes, ainda que Meus perseguidores; com ninguém porfiei, e ensinei ao maior que se fizesse menor, e se submetesse a todos, ainda que defensores e usurpadores injustos dos bens terrenos. E tu colheste acaso destes exemplos a arrogância, a murmuração e critica dos defeitos alheios, a altercação, o envenenamento das ações e ditos do próximo, até de Sacerdotes e Regulares, sempre com escândalo dos leigos? colheste a ira, as injúrias, o ressentimento implacável contra os que te ofendem?
            Eu fugi de reinar e de toda a humana grandeza; limitei-Me a pregar somente na Judeia, a pobrezinhos, a poucos ouvintes, e até a uma só vil samaritana; chamei, para Me coadjuvar, discípulos pobres, como se deles necessitasse; dei-lhes poder de fazerem milagres, ainda maiores que os Meus, e de levarem por toda a terra o Meu Evangelho: abati-Me a ponto de lavar-lhes os pés, como se fôra seu servo; humilhei-Me, fiz-Me o mínimo entre todos: até nos Meus dons e milagres fiz porventura alguma ostentação de grandeza? na Eucaristia não Me escondo eu sob as espécies do sustento mais vulgar? E tu ainda ambicionarás títulos, buscarás os primeiros postos e preeminências, e até em teus ministérios introduzirás inveja e pontinhos de honra, com escândalo dos seculares? E presumirás agradar a Deus, e converter-Me as almas por meio da aspereza e soberba, quando eu só empreguei o da mansidão e humildade?

            III. — Em que mar de ignomínias e de aviltamento não estive submergido na Minha Paixão! Abandonado dos Meus, traído por Judas, negado por Pedro, perseguido dos Sacerdotes, tratado como louco, posposto a Barrabás; afrontado, oprimido, condenado injustíssimamente a um infame patíbulo; contudo não resisti, não desmenti as calúnias, não Me defendi, não requeri justiça. Se falei, não foi para Me livrar das injúrias, mas para declarar a verdade, ainda que previa que elas se Me aumentariam; e tu, sendo culpado, não sofrerás correção, não quererás sequer comparecer como réu perante um confessor desconhecido? queixar-te-ás de Mim se te mandar tribulações? exigirás, se te tocarem, a mais severa satisfação? e tu, para evitar uma humilhação, algum ditério, dissimularás, desfigurarás, encobrirás a verdade, devida a teu ministério?
            Pergunta a Meus inimigos como os tratei; que doces palavras dirigi a um Judas? pedi perdão para os que Me crucificaram; e, sendo provocado no Calvário a descer da Cruz, posto que podia com uma só palavra, com um gesto livrar-Me das irrisões, quis antes morrer entre celerados, cheio de opróbrios, e ser a abjeção de todos. E assim venci a fereza e orgulho humano; triunfei do mundo, da morte e do Inferno; consegui a redenção das almas, a glória de Meu eterno Pai e do Meu nome.
            Deste modo ensinei-te acaso a sustentar a tua honra com arrogância e fausto? e lisonjear-te-ás que assim deves obrar pela Minha glória?[3] Ah filho, as humilhações conduzem à humildade, e a humildade à glória.

            Fruto. — Refreia a altivez e a aspereza [4]. Dizia S. Francisco de Sales que se caçam mais moscas com uma só colher de mel, que com cem barris de vinagre; e sendo-lhe objetado que S. Paulo manda insistir «oportuna e importunamente», respondeu que toda a força deste lugar do Apóstolo estava naquelas duas palavras, que se seguem: «com toda a paciência e doutrina». A doutrina é a verdade, mas deve ensinar-se com paciência, sofrendo, como Jesus Cristo, se for rejeitada e feita alvo de contradições.
           Busca sempre a glória de Deus; se buscas a tua, és um ladrão.
           É Sacerdote, e por isso deves humi­lhar-te tanto mais, quanto a grandeza da tua dignidade e dos dons de Deus, a que não correspondes, te obrigam as mais rigorosas contas.
            Foi este o motivo por que S. Francisco e muitos outros recusaram o sacerdócio; houve até quem cortasse o dedo polegar, como S. Marcos, e uma orelha como o B. Pedro e S. Amônio, para não poderem ser admitidos ao sacerdócio; outros houve que pediram antes a morte, como S. Hilarião.


Notas:
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[1] De humilitate Christus, tanquam summa suæ doctrinæ, suarumque virtutum gloriatus est: Discite, a me, non quod sobrius, aut castus, aut prudens, aut aliquid ejusmodi; sed quia mitis sum, et humilis corde. A me, inquit, discite: non ad alios vos mitto, sed me vobis exemplum, me formam humilitatis exhibeo. (Bern., Epist. 42.) Morum mansuetude, et humilitas cordis, præcipua sacerdotis insignia sunt. Talis enim fuit Christus, qui dixit: Discito a me, ... (Basil., Reg. fus., 43.) 

[2] Magnus esse vis! A minimo incipe. Cogitas magnam fabricam construere celsitudinis? De fundamento prius cogita humilitatis, ... (August., Hom. brev. 16 Janua.) 

[3] Et hoc manifestum est non placere Deo cum sit contra exempla Christi, et Sanctorum, qui docent humilitatem et modestiam. Mentitur ergo iniquitas sibi, cum dicit se per talia velle Deo place­re, cum in rei veritate placere non intendat, nisi sibi, vel mundo. (F. Bartholom., Stimulus Past., part. II, cap. 6).

[4] Sectare mansuetuninem et pacem. Servum Domini non oportet ligitare, sed mansuetum esse ad omnes, docibilem, patientem, cum modéstia corrijantein eos, qui resistunt veritati. (1.ª Ad. Tim., VI,11.)