Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950
II— Amor filial
1— Amor ao pai
O pai dá, mantém, assegura a vida ao
filho, à custa de muitos sacrifícios. A cada um destes sacrifícios corresponde
um dever do filho.
1.º Um pai honesto, virtuoso e
sobretudo cristão dá a vida aos filhos. Ora, toda a geração, como ensina a
Teologia, faz-se à imagem e semelhança do ser gerador. Portanto a primeira
obrigação é imitar o autor de seus dias. «Tal pai tal filho».
2.º O pai conserva a vida aos
filhos, trabalhando para eles. Os filhos devem empregar o seu espírito, as suas
forças, o seu tempo, no estudo, no trabalho, portanto devem ser aplicados,
estudiosos, sérios.
3.º O pai assegura o futuro aos
filhos, deixando-lhes a herança. Por isso, na velhice devem socorrê-lo nas suas
necessidades temporais e espirituais, assegurar-lhe a salvação eterna pela
recepção dos sacramentos e sufrágios pela sua alma.
2 — Amor é mãe
São Bernardo aponta-nos três deveres
principais para com o nosso anjo da guarda:
1.º O dever de respeito, para
corresponder à honra da sua contínua presença junto de nós:
— Reverentiam pro praesentia. — O dever de confiança em virtude da
sua solicitude para conosco: — Fiduciam
pro custodia. — Enfim o dever de dedicação pela sua benevolência para conosco:
Devotionem pro benevolentia.
Os mesmos deveres devem ter os
filhos para com suas mães que são anjos do lar.
Um filho deve depositar toda a
confiança em sua mãe: expor-lhe todas as suas necessidades, seus desejos, suas
tentações e até as suas quedas. Assim, um jovem evita o mal e pratica o bem, se
tomar por confidentes sua mãe em casa e o sacerdote na igreja.
Por
mais dedicados que sejamos aos pais, nunca podemos ser devidamente agradecidos aos
seus benefícios.
III— Amor fraterno
A quem devem amar os irmãos se não
se amam uns aos outros? É quase amarem-se a si mesmo se acreditarmos na
etimologia da palavra frater composta destas duas palavras: fere alter, quer dizer, quase outro eu.
1.º A lei natural exige o amor fraterno.
Um
irmão, diz o provérbio, é um amigo que nos foi dado por natureza. Os antigos
tinham comparado as relações que existem entre os irmãos às que existem entre
as duas mãos, os dois pés e os dois olhos de um homem. Estes órgãos são duplos,
e, todavia, na sua natureza e na sua ação constituem uma certa unidade. Os
irmãos e irmãs têm o mesmo pai e a mesma mãe, têm o mesmo nome, crescem na
mesma casa, partilham a mesma mesa e os mesmos jogos; recebem a mesma educação;
têm igualmente, mais ou menos, as mesmas idéias, os mesmos gostos e
sensivelmente as mesmas inclinações; numa palavra, são dois frutos do mesmo ramo
na árvore da vida que o Senhor plantou e que vive da mesma seiva. Constituem,
pois, uma espécie de unidade, que, como um todo orgânico, não deve dividir-se e
destruir-se, mas é mantida pelo instinto
natural do sangue e do coração.
Precisamente porque o amor fraterno
é alguma coisa de natural, é que o ódio entre irmãos tem sido considerado
sempre como uma monstruosidade e uma coisa horrenda, como o faz notar a sagrada
Escritura. Os dois primeiros irmãos deste mundo, o mais velho matou o mais
novo; Aquimeleque banhou-se no sangue de seus irmãos; Isaú odiou a seu irmão
Jacó; e José foi vendido pelos seus irmãos.
2.º A vida social exige o amor fraterno.
O que se desenvolve e triunfa na
sociedade tem origem na família. Aquele que conserva e pratica o amor fraterno,
toma o caminho mais fácil e mais curto para chegar à grande virtude do amor do
próximo que exige atenções, generosidade e serviços, numa palavra, «verdadeiro
amor fraterno que é amizade viril pura e duradoira».
1 — Condição necessária do amor
fraterno
A condição necessária do amor
fraterno é o respeito. 1.° O respeito proíbe toda a palavra e toda a ação que,
de perto ou de longe, pode atingir a honra e a reputação. 2.º O respeito
proíbe, em nome da justiça, tudo o que pode violar os direitos de uns ou
doutros; cada um deve contentar-se com a sua parte nos bens da família e nenhum
deve usar de fraude ou de adulação para se apoderar daquilo que lhe não
pertence. 3.° O respeito acautela contra a inveja. A fraternidade, diz Baunard,
é um vaso no qual a natureza derramou para vós a doçura do mel; vós, por vosso
lado, verteis nele o fel e o vinagre da inveja e envenenais assim toda a vossa
existência.
2— Frutos do amor fraterno
Os frutos deste amor são:
1.º Edificação. — Os irmãos devem edificar-se mutuamente. A edificação
dá-se pelo bom exemplo. Os mais velhos podem tornar-se no seio da família os
mestres e os preceptores dos seus irmãos mais novos. A sua missão torna-se mais
importante e necessária, se o pai ou a mãe faltarem. Os irmãos ou irmãs mais
velhas assumem então a responsabilidade de chefes de família.
2.º Assistência. — Devem ajudar-se com os seus bens quando for necessário
e sempre com as suas orações. «Se o teu irmão tem fome dá-lhe de comer, se tem
sede dá-lhe de beber, se está em necessidade socorre-o».
Eu tenho sempre na lembrança as
súplicas de Marta e Maria a Jesus pelo seu irmão Lázaro: «Senhor, aquele que
amais está enfermo!» Pode-se estar doente de muitas maneiras. Há misérias no
corpo e na alma: consciência deformada, coração corrompido, honra atacada e ferida.
Devem orar por estas necessidades.
Um dia vem em que se separam uns dos
outros; todavia, um laço invisível deve subsistir sempre — o da oração.
Um irmão que é ajudado pelo seu
irmão, diz o Espírito Santo, é como uma cidade fortificada.
3.º Alegria. — Aqueles que estão unidos pelo lugar, mas separados pelo
coração é um tormento; aqueles que estão separados pelo lugar e unidos pelo
coração é uma virtude; aqueles que estão unidos pelo lugar e pelo coração é uma
alegria. Por isso, podemos exclamar com o Espírito Santo: «Oh! quanto é bom e
agradável os irmãos viverem juntos e em paz uns com os outros!» (Salm. CXXXII,
I).
Este amor é uma flor bela e santa
que perfuma uma casa toda. Um dia em que a morte cortou esta rosa de ouro da
felicidade fraterna, Jesus Cristo fê-la renascer. À irmã desolada Ele diz: «teu
irmão ressuscitará.» (Jo. XI, 23).
Plutarco dizia que considerava o
amor de seu irmão como o presente mais digno que tinha recebido do destino.
Nada substitui o amor de um irmão ou
de uma irmã, diz Mgr. Baunard, é a metade de nós mesmos. Tenhamos por ele
grande apreço.